A pandemia e o equilíbrio emocional
Por C. B. Esperança
A pandemia em curso remete-nos para a guerra colonial, quando o medo, a ansiedade e as saudades da família e dos amigos se fundiam numa amálgama de sentimentos que se agravavam, e perturbavam os mais sensíveis ou os que experimentavam maiores riscos.
Era vulgar, dia após dia, ver aumentar o número dos que sofriam pesadelos, gritavam e pediam a arma durante o sono e, acordados, diziam frases sem nexo ou remetiam-se ao mutismo. Eram designados por “apanhados pelo clima”, a forma de referir as alterações do comportamento.
A pandemia, ao contrário da guerra colonial, não tem um fim previsível e nem sequer se pode dizer que, depois dela, o perigo passa. A pandemia é a guerra sem quartel, contra um inimigo invisível, sem limite de tempo, e, na melhor das hipóteses, de conversão em epidemia. O fim do confinamento não é o termo de uma comissão na guerra colonial.
O apelo dramático de Guterres, para não se deixarem os países pobres sem vacinas, não é um mero apelo à solidariedade que lhes devemos, é um contributo para a nossa própria sobrevivência. O vírus não respeita fronteiras e é, talvez, na sua letalidade, uma tragédia democraticamente dirigida a ricos e pobres, países e pessoas.
Nota-se na reação das pessoas que conhecemos bem uma progressiva melancolia ou um desespero que aumenta a agressividade e nervosismo. A conduta dos média e das redes sociais tem sido nefasta na exploração do medo e exigência de respostas desconhecidas. Esquecem-se as hesitações das mais credíveis organizações científicas mundiais e as dúvidas e contradições de epidemiologistas e infeciologistas consagrados.
Nunca tínhamos passado, a nível planetário, por situação tão dramática, por uma infeção tão contagiosa e letal. Não admira que o medo nos oprima, a ansiedade nos deprima e a falta de afetos, de contactos, sociais e físicos, nos perturbem. É dramático ver um perigo em cada filho, e como suspeitos os netos.
Vai ser difícil viver com medo e ansiedade, com afastamentos físicos, máscaras e receio do troco do café, do puxador da porta da rua, da mão amiga que deixou de se estender, dos beijos e abraços que nos enterneciam.
Há quem consiga digerir a situação com alguma bonomia, mas é difícil que se adaptem todos os que sentem o peso do confinamento, da abdicação das liberdades elementares e dos condicionalismos que vão persistir.
Quando a situação melhorar, há de melhorar, são de temer os comportamentos, exagero na recuperação do tempo perdido ou abulia pelo regresso à normalidade que há de vir, bem diferente, decerto, da que antecedeu a pandemia.
Na religião, na política, nos afetos e nas relações sociais e familiares haverá alterações pautadas por excessos numa crise existencial que a falta de empregos e de perspetivas exacerbará.
As feridas não dilaceram apenas as gerações que vivem o drama pungente da pandemia, hão de repercutir-se nas gerações que hã de vir.
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