Portugal, um país onde a ditadura fascista se opunha à dignidade
Por C. B. Esperança
Há causas que valem a pena, que exigem empenhamento cívico, coragem de as assumir e determinação de lutar por elas. Há desculpas que envergonham a Humanidade, e uma das mais repugnantes é a tradição, uma explicação por defeito de todas as iniquidades.
Pode pensar-se que Portugal, vítima da Inquisição, do clericalismo e da Contrarreforma, sem ter beneficiado da Reforma, foi exceção na Europa onde a civilização chegou mais cedo, especialmente aos países da Reforma, mas as iniquidades foram uma constante em numerosos países até demasiado tarde, até aos nossos dias.
Quando nos damos conta de que alguns importantes saltos civilizacionais tiveram lugar há tão pouco tempo, sentimo-nos percorridos por indizível vergonha e incrédulos pelas injustiças que persistiram durante a História de oito séculos de que nos vangloriamos.
Pasmo com as informações que guardei do Diário de Notícias de 17-11-2014, pág. 19, factos que conheci, e a memória, talvez por vergonha, reportava a épocas mais recuadas.
Aqui ficam para vergonha dos portugueses a quem inventaram um país de heróis, santos e mártires, os últimos verdadeiros, comuns a gerações de beatos, tímidos e misóginos:
«1969 – As mulheres casadas deixaram de precisar de autorização do marido para tirarem passaporte;
1974 – Foi decretado o acesso das mulheres a todos os cargos da carreira administrativa local, à carreira diplomática e à magistratura, ainda com interdição de acesso às Forças Armadas que só terminaria em 1990;
1975 – Fim de crimes de honra legais, com a anulação do art.º 372.º do Código Penal, que apenas previa pena de desterro para o marido que matasse a mulher em flagrante de adultério ou filhas menores de 21 anos, vivendo «debaixo do pátrio poder», que fossem «corrompidas»;
1976 – O Art.º 13.º proíbe tratamento discriminatório em função de sexo, com alteração dos artigos do Código Penal, o que permitia ao marido ler a correspondência da mulher e o que atenuava a pena se a prostituísse.»
A afronta, a humilhação e a crueldade, que o ordenamento jurídico consagrava, eram a marca da ditadura clerical-fascista, a odiosa manifestação dos sentimentos que crápulas nutriam para com as mães, irmãs, filhas e mulheres, num país que era a cela comum dos que tinham a desdita de viver em Portugal.
Hoje sei porque combato talibãs. Porque os conheci, aqui, onde a violência doméstica é a herança dessa fauna que agredia, violava e torturava as mulheres sem reconhecer que um homem só é livre se a mulher também o for.
A lei é o reflexo do poder, seja da classe ou do sexo dominante.
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