11.11.21

As próximas eleições e as feridas que se aprofundam na campanha

Por C. B. Esperança

O chumbo do OE-2022 foi uma surpresa, não tanto por ter sucedido, mas por preceder o debate na especialidade, onde o PS poderia, se tivesse margem orçamental, ceder a mais exigências do PCP, que ainda não tinha desistido da discussão, ao contrário do BE, que, cedo, anunciou triunfalmente o voto contra.

O momento, de rara incerteza quanto à pandemia e aos custos energéticos e de matérias primas, com graves riscos financeiros, económicos e eleitorais, levou a revolta a quem é de esquerda sem hipoteca partidária, e semeou a desolação e ansiedade no País. 

Não vale a pena dizer que o PS é de direita, porque se o é, não há a mínima legitimidade para a esquerda ser poder, menos de 20% de votos expressos nas urnas não a legitimam. O BE fez do PS o inimigo principal e da discussão do OE a arma de arremesso contra o Governo. Só por ingenuidade política podia o PS contar com ele, e é mau para o BE e para o País que a unidade interna seja forjada na implacável luta contra o PS.

Imagino a acrimónia dos simpatizantes do PS e o regozijo das direitas, com a violência de Catarina Martins a zurzir o governo, com a mesma alegria e entusiasmo com que ora o acusa de ser responsável pelo chumbo, como se tivesse sido o PS a votar contra.

A anterior legislatura, com especial mérito do PCP na proposta e incentivo que levaram à solução que permitiu o XXI Governo Constitucional, pôs fim ao poder cavaquista e às tropelias do Governo PàF, revertendo as políticas mais gravosas. Na feliz convergência do PS+BE+PCP+PEV seria injusto não destacar o papel fundamental do PCP.

O PS foi o partido que mais lucrou, por mérito da governação e pelo apoio dos partidos referidos. A direita deixou de definir o arco do poder, que fazia refém o PS, e o PCP e o BE provaram que podem ser atores democráticos incluídos na área governamental.

Sendo as coisas o que são, é utopia pensar que o próximo Governo pode contar com os apoios arruinados no XXII Governo, com o acicate do PR, em ingerências reiteradas na esfera de competências do Governo, da AR e dos partidos.

Por ora, ficam feridas por sarar, e não há argumentos convincentes de que a culpa caiba ao único partido que foi derrotado na aprovação.

Há posições que o PS de António Costa definiu há muito, a fidelidade à UE, à Nato e a orçamentos exequíveis. Os que as contestam, com toda a legitimidade, aliás, sabem que não podem aliar-se. Foi essa clareza que permitiu a convergência de partidos diferentes, desinibida no primeiro Governo e constrangida nos dois primeiros anos do segundo, até à rutura imprevisível e prematura do PCP.

O OE tem exigências da UE, apesar da tolerância que, no dramático período pandémico, os vários países puderam usufruir, e Portugal não pode esquecer a solidariedade na partilha de vacinas e, ainda que tímida, na mutualização da dívida pública europeia.

As divergências entre partidos de esquerda são legítimas, mas inexplicáveis quando são contra um deles e não contra a direita, como fez e reincide a coordenadora do BE.

O atual PS não é o partido neoliberal pretendido por António José Seguro e Francisco Assis, é social-democrata, com forte consciência social, e não merece os contundentes ataques vindos da sua esquerda. 

A improvável maioria absoluta cujo desejo é atribuído a António Costa, não assusta o País porque seria mais benéfica do que a maioria absoluta da direita ou a instabilidade governativa e rwpwtidas eleições.

O perigo para a democracia não reside em maiorias absolutas de um só partido, mas nas maiorias absolutas de coligações neoliberais ou em partido único. Cavaco, teve maiorias absolutas, duas, e a democracia resistiu. A CRP e a governabilidade são as defesas de que o país dispõe.

A violência mediática e tentativa de descrédito dos partidos de esquerda, de todos, já anda aí, e o País não pode sair ingovernável das eleições que vêm e da imaginação do PR para reparar os erros que cometeu e reconduzir a direita ao poder.

A leitura política que faço, não tendo o monopólio da clarividência, é determinada pelas circunstâncias que me revoltaram e medo da vitória da direita truculenta, que pode sair das lutas internas no seio do seu maior partido, com a bênção do PR.

Desejo que as feridas abertas na esquerda possam sarar durante a próxima legislatura e que se reabram as portas para novas e profícuas convergências.

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