21.4.22

O milagre dos pastorinhos Francisco e Jacinta - crónica

 Por C. B. Esperança

Lembro-me do velho Hospital Distrital de Leiria e da magnífica escadaria de mármore partida a camartelo para obras de remodelação, depois de retirada a foto imponente do virtuoso bispo D. Manuel de Aguiar sob cujos auspícios fora construído o edifício.

No respetivo piso, entre várias enfermarias, ficavam as de Medicina. Na de “Mulheres”, sobressaía uma mesinha de cabeceira pela parafernália de senhoras de Fátima, pastorinhos e outras imagens pias que a ornamentavam. Ficava junto à cama de uma paralítica que, durante a noite, se arrastava até junto das camas de outras doentes para lhes impedir o descanso.

Essa internada tinha a antipatia e inimizade de outras doentes, e era dileta do Diretor do Serviço, Dr. Felizardo Prezado dos Santos, enternecido com a devoção e extasiado com as suas imagens de santos e veneráveis. Era a D. Emilinha, a mais antiga internada, conhecida de toda a gente. 

Um dia, nas férias do Dr. Felizardo, o médico José Luís Alves Pereira, que o substituiu, deu-lhe alta, por entender que não padecia de moléstia do foro da Medicina Interna, o que, no regresso, irritou o Dr. Felizardo.

A D. Emília, Maria Emília Santos, voltou à enfermaria e foi reintegrada no espaço que lhe servia de asilo e local de devoção.

As transferências para Psiquiatria, no Hospital da Universidade de Coimbra, eram para os períodos de maior necessidade. Segundo o Dr. Marques Pena, psiquiatra, a D. Emília padecia de uma enfermidade que a podia conduzir à cegueira, à paralisia ou a outras mazelas, por períodos de maior ou menor duração. No respetivo processo clínico dos Hospitais da Universidade de Coimbra hão de constar dados rigorosos se, acaso, um qualquer milagre não o fez, entretanto, desaparecer.

Mas voltemos a Leiria e à D. Emília Santos cuja paralisia era reincidente e que então foi curada por intercessão do Francisco e da Jacinta, bem necessitados de um milagre para a beatificação e destinatários conjuntos das preces da candidata a miraculada.

Sarou-a de novo a fé e passou a andar. Morreu pouco depois, completamente curada. O milagre, depois de averbado nas provas de beatificação dos pastorinhos, onde passaram com distinção, deixou de interessar à Igreja, sendo discreto o funeral da D. Emília onde, a título meramente particular, se integrou o bispo de Leiria, D. Serafim Ferreira e Silva.

A divulgação do milagre da paralítica que se curou foi feita com pompa e circunstância pela imprensa pia e profana, invocando depoimentos de três médicos diferentes, a Igreja católica é muito cética e exigente, unânimes a atestar a intervenção sobrenatural.

Por divina casualidade, a certificação do milagre foi atestada pelo Dr. Felizardo Prezado dos Santos, pela Dr.ª Maria Fernanda Brum, por coincidência esposa do primeiro, e pela psiquiatra Paula Cristina Amaral Brum Prezado Santos, filha de ambos, todos da Associação dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima.

Digam lá, leitores, se, depois desta narração, ainda duvidam da veracidade do milagre! É preciso demasiado ceticismo. Leiam isto enquanto há testemunhas porque, um dia, há de constar que à D. Maria Emília Santos lhe cresceu uma perna amputada.

A enfermeira Alcina, que trabalhava na enfermaria, ficou com a vaga sensação de que o Dr. Felizardo se terá arrependido, depois de ter ativado a certificação familiar da cura sobrenatural, mas é mera conjetura face ao médico cuja própria invalidez e fé podiam ter sido mais fortes.

Ponte Europa / Sorumbático

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