5.11.22

Grande Angular - Serviços públicos, Call Centers e cidadania

Por António Barreto

Quem nunca esteve minutos e horas à espera de atendimento de uma entidade, instituição ou empresa, pública ou privada, a fim de tratar de assuntos da sua vida? Quem nunca sentiu a ineficácia e a indiferença de tantos serviços de atendimento?

 

Quando se tenta falar com certos serviços ou empresas, nunca se sabe quem responde do outro lado. Um funcionário? Um empregado de um Call Center situado a centenas de quilómetros? Um gravador em Espanha? Uma empresa com sede em Cabo Verde? Qualquer reposta pode estar certa, depende do Serviço e da organização. Em muitos casos, é indiferente. A possível rapidez de comunicação e a facilidade de organização da resposta são tais que a distância é indiferente. É verdade que, para tratar de questões portuguesas, é conveniente que quem me responde fale português correcto e tenha uma vaga noção da geografia… Explicar a um estrangeiro, que mal “arranha” português, um problema de saúde, de comunicações, de impostos ou de seguros é uma tarefa quase inútil.

 

De qualquer modo, os meios técnicos à nossa disposição permitem uma prontidão a toda a prova. Por isso as deficiências têm causas que não são técnicas. Por exemplo: a importância atribuída ao cidadão. Capacidade de organização. Investimento em meios e pessoas. Obrigatoriedade de atender prontamente. Formação profissional dos funcionários. Condições de trabalho destes últimos.

 

Há certas coisas que exigem que delas se fale na primeira pessoa. É, pois, esta a minha experiência e a de pessoas que frequento. As respostas do 112, do INEM, do SNS 24, dos bombeiros, da PSP e do meu banco são rápidas e eficientes. Isto é, não espero horas, não aturo longas gravações de publicidade, de recados monocórdicos e de música insuportável. Podem ou não as questões ser, depois, resolvidas. Mas o essencial aqui é o atendimento. É sobre isso que falamos.

 

As respostas da Junta de freguesia, da Câmara municipal, das empresas de telefones e de telemóveis, dos hospitais públicos, dos Centros de Saúde, das empresas de electricidade, gás e água, do caminho de ferro e do aeroporto são, conforme as horas, os dias e a estação do ano, sofríveis, medíocres, más ou péssimas! Parecidas com estas, as do Serviço de estrangeiros, da Segurança social, das Finanças, dos Impostos, dos correios, das universidades e das escolas secundárias. Nota especial para os Centros de Saúde: muitos nem sequer atendem os telefones!

 

Tudo o que é comercial, desde os centros e supermercados, até às grandes lojas, passando pelos táxis e equiparados, é rápido e pronto se for serviço de venda. É moroso e pouco expedito o que for do serviço do cliente, reclamações e informações gerais.

 

É lamentável, mas é parcialmente verdade. Quando os serviços são pagos, quando as entidades ganham com o atendimento, quando o lucro é a finalidade da actividade, a resposta é razoável, boa ou muito boa. Igualmente, quando o cidadão pode escolher a entidade e denunciar o mau atendimento, é quase certo que se corrigem os seus comportamentos. Mas, quando, pública ou privada, a entidade tem a faca, o queijo, a lei e a força do seu lado, o cidadão é tratado como um perturbador ou um delinquente. Por exemplo, as empresas que usam e abusam da “fidelização” (prática que deveria ser pura e simplesmente proibida) estão entre as piores entidades: enganam, mentem, atrasam, disfarçam e nem sequer ouvem.

 

A realidade social dos Call Centers é complexa. Há muito de oculto. A precaridade reina, pelo que só se conhece uma parte da verdade. Segundo uma associação representativa do sector e os sindicatos, há quase 100.000 trabalhadores em centros ou actividades de contacto. Destes, um terço completou o ensino superior, o que diz alguma coisa sobre a situação do emprego no nosso país. E quase dois terços terminaram o ensino secundário! Não parece ser por causa da falta de estudos que este sector é deficiente. Já as condições de trabalho (duração dos contratos, horários de trabalho e níveis de vencimento), geralmente muito más, podem explicar o mau ambiente. A maior parte dos contratos são de curta duração, a precaridade reina.

 

Não seria interessante ter à nossa disposição, organizada por entidade pública ou privada, mas independente, uma classificação permanente da actividade dos centros de contacto, das grandes empresas de serviços, das principais instituições dos grandes serviços públicos de que dependemos sempre, todos os dias, tantas vezes de modo decisivo para a nossa vida e a nossa paz? Não seria interessante que os serviços de atendimento e apoio tratassem os cidadãos como gente? Olhassem para eles com a dignidade que merecem? Não seria interessante poder penalizar e apontar os maus serviços, as más empresas, as más instituições públicas ou privadas? Será muito difícil estabelecer regras e critérios para que estas classificações sejam cuidadosas, sem tráficos de influência, sem trafulhice e sem privilégios? Não seria útil que fossem os próprios cidadãos a pontuar as entidades?

 

Mais do que o socialismo e a sua natureza profunda, mais do que o capitalismo e os seus fundamentos, mais do que certas características adjectivas dos regimes políticos, mais do que tudo e logo a seguir à liberdade e à dignidade humana, é a qualidade dos serviços públicos e a natureza do tratamento de que somos objecto ou vítimas que me interessam como características da sociedade.

 

As empresas querem vender produto, convencer e impingir. Bom ou mau, bem ou mal, é o que as empresas querem. As instituições querem convencer, elogiam os governantes e desejam que os cidadãos obedeçam a uma antiga regra de vida portuguesa “o calado é o melhor”! Os jornais, as televisões, os órgãos de imprensa em geral nem sempre se vêem como intermediários entre os poderes e os cidadãos, e por isso têm dificuldade em imaginar uma função como a de provedores do atendimento.

Com certeza que a resposta imediata não é suficiente. É preciso pensar no que se dá ou vende. Há que fazer justiça, ser honesto e não mentir ou roubar. Isso é verdade. Mas se tudo começar bem, com atendimento humano, com resposta pronta, com a delicadeza de seres humanos, a afabilidade de cidadãos e o orgulho de dever cumprido, o que vem a seguir virá certamente melhor. Ser bem atendido, não ser esquecido e ser tratado como igual é o princípio de ser igual. Ser tratado dignamente é o princípio da dignidade humana. Ser tratado com indiferença é o princípio da sujeição.

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Público, 5.11.2022

 

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1 Comments:

Blogger opjj said...

HÁ muito que entrei em descrença quanto a responsabilidades de serviços públicos.
A Justiça não é funcional. Quando se diz ter falta de meios, trata-se simplesmente de mais regalias além de SALÁRIOS chorudos.
UM VIZINHO leva-me a Tribunal POR causa da marcação de extrema. Foi vencido e a repôr no lugar os marcos. NÃO cumpriu e o Tribunal lava as mãos, a Câmara lava as mãos e a Junta de Freguesia lava as mãos.
Pergunto porque razão o Tribunal-Juíz não atende uma reclamação de incumprimento quando deveria de aceitar e incumbir a uma Autoridade Camarária,Junta ou Polícia de fazer cumprir uma Sentença? Deveria ser simplex, mas não é. É complex e baldex.

5 de novembro de 2022 às 18:48  

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