18.1.23

No "Correio de Lagos" de Dezembro de 2022

 


METENDO ÁGUA


I — EM FINAIS dos pré-históricos ‘anos 80’, a EFACEC, empresa onde eu trabalhava, fez um consórcio com a alemã Hartmann & Braun para concorrerem ao “Lote de Controlo e Instrumentação da Central do Pego” — o que abarcava o projecto, fabrico, montagem, ensaios e colocação em serviço de uma infinidade de equipamentos eléctricos e electrónicos. O ‘casamento’ correu bem e, tendo essas empresas ganho o concurso, a parte nacional foi entregue ao gabinete que eu chefiava, pelo que foi necessário contratar dois engenheiros seniores para me acompanharem em longas estadas na Alemanha e, mais tarde, na própria Central — e não foi fácil, pois, regra-geral, os profissionais com o perfil necessário já estavam empregados, e tinham as suas vidas familiares e profissionais organizadas e estabelecidas.
Seguiram-se, portanto, numerosas entrevistas que, devido à especificidade do trabalho em causa (e aos ordenados que poderia ser necessário pagar), foram conduzidas por um director; e, a certa altura, no decorrer de uma delas, foi-lhe recomendado um determinado profissional como sendo “muito bom a resolver problemas”, que ele recusou liminarmente, explicando que “Não precisamos de engenheiros para RESOLVER problemas, mas sim para os PREVER, EVITANDO QUE SURJAM”.
Tomei boa nota de tão sábias palavras, e reproduzia-as a um outro director que, discordando, comentou que “Não é necessário PREVER os problemas, basta RESOLVÊ-LOS à medida que surgem”.
Sucedeu que, por essa altura, o país foi assolado por grandes chuvas, o que permitiu testar esses dois princípios de forma prática: como sempre, houve terras onde esgotos, sarjetas e linhas de água haviam sido limpos ANTECIPADAMENTE; outras onde os ‘serviços’ foram a correr só quando as inundações começaram a ocorrer; e outras ainda onde nada foi feito, atirando-se as culpas para as ‘alterações climáticas’ que, como se sabe, são as palavras-mágicas atrás das quais se barricam os incompetentes, quando confrontados com esse género de desafios.
II — ORA, e como já se percebeu, esta crónica é acerca das chuvas que ultimamente assolaram o Algarve (ó, ironia!, terra de ‘secas extremas’!) e do que se lhes seguiu, o que procuro exemplificar com duas imagens:
A da esquerda, do passado dia 6, foi extraída de um vídeo — por sinal, eu não precisava de me ter exposto à chuva para o fazer, pois tenho em arquivo muitos outros, feitos em ocasiões semelhantes, que até remontam ao século passado.
Neles, vê-se claramente a enorme quantidade de água que vem de cima, e que, ‘ignorando’ as sarjetas por onde passa, segue em frente, desaguando no ‘rio’ que desce a Rua José Afonso, e indo depois, alegremente, a caminho do mar, aí fechando o tal ciclo que se aprende na escola.
Obviamente, a total INOPERÂNCIA dessas sarjetas está relacionada com a grande velocidade da água quando por elas passa; com o facto de muitas estarem obstruídas; e — acima de tudo — porque são pequenas, longitudinais e apenas localizadas junto às bermas. E, no entanto, há, noutras zonas da cidade, caleiras pluviais feitas ‘como deve ser’: além de serem amplas, abrangem toda a largura das ruas (como foi feito na Rua Infante de Sagres e nas transversais que para ela convergem), provando que tinha toda a razão o engenheiro da tal empresa alemã que, perante uma situação semelhante, dizia (contrariando o preconceito segundo o qual o seu povo não tem senso-de-humor):
— Se dá tanto trabalho fazer bem como fazer mal, porque é que se há-se fazer bem?
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No “Correio de Lagos” de Dezembro de 2022

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