Vai um tirinho ó freguês? *Das miombas aos golpes atómicos
Por Antunes Ferreira
As miombas do Júlio eram famosas, sobretudo as cujo recheio era de porco alentejano criado no monte a bolota de azinheira. Era o tempo em que o Parque Mayer dava cartas em Lisboa, corria o ano de 1958, e no dia 21 de Setembro escapei-me “à formiga” da minha casa no Restelo já tarde, aí pelas dez e picos da noite sem que os meus pais dessem conta da escapadela. Na véspera comemorara os meus dezassete anos e o meu destino era o dito Parque Mayer.
Combinara um encontro muito especial no Júlio das Miombas. Uma corista da revista brasileira Há Fogo no Pandeiro que chegara à nossa cidade no ano anterior e desde então fazia um sucesso de espantar actuando no Coliseu com casas normalmente cheias. Fora o Eugénio Salvador, o crónico compère das revistas à portuguesa que me fizera conhecer o pessoal do Pandeiro.
Fora muito fácil estabelecer laços de amizade com aquela trupe, os brasucas são normalmente, como dizem, caras bacanas. Das actrizes a Berta Loran e a mulatona Mara Abrantes (que durante muitos anos “fez” a cabeça e os bolsos a muito boa gente…) deram-me no goto, enquanto entre os homens o mais porreiro foi o Badaró a quem fiquei tão ligado que mais tarde seria testemunha dele quando viria a naturalizar-se português. Aqui viveu para sempre e morreu com um cancro. Da sua qualidade humana e singular estirpe acentuo que doou o corpo à Faculdade de Medicina para estudo e isso diz tudo.
Uma noite, na Toca do Carlos Ramos, onde eu até cantei o Não venhas tarde,Manílio Haidar Badaró, confidenciou-me que fizera sucesso na Rádio Clube Português, com o seu programa “Jornaleco” e explicou: “Um jornal que ninguém lê, mas todos ouvem”. Ficou conhecida a célebre expressão “Toma e embrulha” que ele usava nesse programa. Na televisão ficou famoso pelas personagens como o “Chinezinho Limpopó” e ainda pela célebre expressão “Ó Abreu, dá cá o meu”.
Mas a menina Darcília não havia de chegar, outras milenas acenadas por mãos alentejanas mais gordas e mais abonadas apanharam-na e eu fiquei a ver… miombas ou melhor a comê-las porque a dona Augusta esposa do Júlio e cozinheira de truz adoptara-me sem registo notarial. Estava eu no melhor da segunda bifana quando entra a malta do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa com o Nuno Salvação Barreto, seu cabo, à frente.
Ora este grandalhão era outro meu amigo; as noitadas da estroina davam excelentes resultados. Mal entrou e me viu veio agradecer-me a ajuda que lhe dera para ele ter participado no filme Quo Vadis no qual desempenhando o papel do escravo Brutus salvara a vida da heroína Lígia, protagonizada pela estrela Deborah Kerr, pegando de caras um touro português que ameaçava a vida da jovem na arena do coliseu de Roma perante Nero.
Nessa altura decorria no parque um torneio de luta livre americana (o que hoje se chama wrestling) no qual participavam devidamente preparados – e combinados – diversos “malandros”: o Zé Luís, o Mascarilha Secreta, o Tarzan Taborda, o Adamastor Gingão entre outros do mesmo quilate. Um dos calmeirões, aliás com registo cadastral, conhecido como o Furacão de Cacilhas comentou alto e bom som que “agora é qu’era porreiraço ver os panilas que davam em setares do celulóide!!!!”
Levou logo um sopapo – e que sopapo! – que o virou de cangalhas! O autor confesso a olhos vistos fora o primeiro ajuda do Grupo, o Zeca Arruda. Depois foi o pandemónio! Enquanto distribuía galhetas à supimpa, o Nuno agarrou-me pelo braço direito e disse-me para me meter numa barraca dos tirinhos e aproveitar para dar uns quantos às meninas que lá “trabalhavam” o que fiz de bom grado.
Regressei a casa já o Sol ameaçava no horizonte. O nosso vizinho, um tal José Hermano Saraiva que, apesar de ser profundamente situacionista (chegaria a ser ministro da Educação e embaixador no Brasil entre muitos outros cargos políticos) sempre foi meu grande amigo – ofereceu-me, por exemplo, o seu livro de contos Vento vindo dos montes com uma dedicatória que caiu fundo no meu coração: “Para o Henrique, contente de o saber tão bom amigo e tão bom estudante. J.H.Saraiva”, se levantava cedo perguntou-me se ia chover. Percebi que era apenas conversa, coisa em que ele (e eu) era perito. Por algum motivo – e foram muitíssimos! – lhe chamaram depois o “Príncipe dos Comunicadores”. Talvez tivesse sido melhor qualifica-lo como o “Rei dos…” Ele merecia.
Afigura-se-me fazer aqui um pouco da história dessa verdadeira instituição que é oParque Mayer que teve o seu esplendor mas foi deslizando até à degradação em que se encontra, pese embora as intenções que vêm sido anunciadas para a sua recuperação. Mas, de boas intenções está o Inferno cheio… O parque foi implantado num espaço que pertenceu antes aos jardins e espaços adjacentes do Palácio Mayer (Prémio Valmor 1902), construído em 1901 por Nicola Bigaglia e pertença de Adolfo de Lima Mayer.
Em 1920, este espaço foi adquirido por Artur Brandão e vendido no ano seguinte a Luís Galhardo, personalidade ligada ao meio teatral, que sonhava criar um espaço dedicado ao divertimento. Tendo fundado a Sociedade Avenida Parque, assim iniciou neste recinto grandes momentos de diversão, espectáculo e representação, que o veio a tornar muito popular.
Na sua inauguração, em 15 de Junho de 1922, logo aqui foi criado um Teatro, com o nome da actriz e fadista Maria Vitória, cuja morte (poucos anos antes) criara alguma consternação. Inaugurado em 1 de Julho de 1922 com a revista "Lua Nova", o Teatro Maria Vitória é o único ainda a funcionar no recinto, mercê da persistência do seu empresário Hélder Freire Costa. Em 1926 (8 de Julho), com a revista "Pó de Arroz", abriu o Teatro Variedades e em 1931 (a 10 de Julho), Campos Figueira, à altura administrador da Avenida Parque, inaugurou o Capitólio, segundo um projecto do arquitecto Luís Cristino da Silva. Por último, já em 1956 (13 de Janeiro) o empresário José Miguel criava o novo Teatro ABC, no espaço que fora do "Alhambra" e parte do "Pavilhão Português", estreando a revista "Haja Saúde".
O Parque Mayer, recinto dos teatros de revista e dotado de restaurantes, carrosséis, esplanadas, pavilhões, casas de fado, barracas de tiro e outras, e onde também se exibiu cinema, luta livre e box, era um local de boémia por excelência, onde tanto ocorria o povo folião, como a elite política ou os intelectuais de Lisboa. Como se sabe é um recinto junto à Avenida da Liberdade. Os seus Teatros:
Teatro Maria Vitória, fundado em 1922 (Em funcionamento)
Teatro Variedades, fundado em 1926 (Em remodelação)
Teatro Capitólio, fundado em 1931 (Reaberto em 2016)
Teatro ABC, fundado em 1956 (Demolido)
Pelo Parque passaram inúmeras figuras dos tablados e dos estúdios portugueses nomeadamente da Revista à portuguesa. Um enunciado exaustivo está fora de questão mas aqui ficam uns quantos apontamentos que me parecem interessantes. Refiro por exemplo o Theatro da Rua dos Condes que estreia a Revista "As Cores da Bandeira", em 1890 da qual fazia parte a marcha "A Portugueza", de Alfredo Keil (1850 - 1907) e letra de Henrique Lopes de Mendonça (1856 - 1931), música e letra que mais tarde, com o inicio do regime Republicano, dariam origem ao hino nacional em 1911 com o mesmo titulo.
Esta marcha "A Portugueza" resulta do sentimento nacional profundo oriundo da humilhação sofrida pelo Ultimato imposto pelos Britânicos em 1890, assim, surge, no mesmo ano, uma música de exaltação nacional e forte carácter patriótico. Devida à designada "lei das rolhas" que ainda estava em vigor, esta Revista e marcha seriam censuradas e suspensas por um tempo. A Revista "Zás Trás" em finais dos século XIX e em 1898 a Revista do ano, como ainda era designada "Agulhas e Alfinetes" em cartaz no Theatro da Rua dos Condes.
Em plena Avenida de Liberdade, em 1906 o Theatro Avenida estreia a Revista "Prá Frente" que seria um enorme sucesso e mais tarde, em 1908 outro sucesso que foi a Revista "A.B.C.". O Theatro Phantastico estreia uma das suas primeiras Revistas com o titulo "Já te Pintei" em 1908. No Theatro Apollo estreou-se a primeira Revista à portuguesa após a instauração da Republica e considerada a primeira Revista verdadeiramente republicana, pelo seu espírito revolucionário, intitulada "Agulha em Palheiro".
Esta Revista da autoria de Ernesto Rodrigues, Felix Bermudes e Lino Ferreira foi um êxito e estreou-se em 23 de Fevereiro de 1911. Uma peça de Revista em 3 actos e 12 quadros, com música de Filipe Duarte e Carlos Calderón, interpretada entre outros actores da época por Nascimentos Fernandes, Lucinda do Carmo, Isaura, Amélia Pereira e João Silva. De referir que os números musicais com fadistas profissionais em palco nas peças do teatro de Revista, terão surgido por volta de 1910; antes disso havia representações um tanto burlescas imitando os fadistas, números estes que serviam para o tempo de mudança de cenários em palco.
Em 1911 estreia uma das primeiras Revistas, já pós Republica, intitulada "Arre Que é Burro", no Theatro Moderno e mais tarde em 1913, outro grande êxito "Os Gorostescos", uma Revista em dois actos. Em 1912 novamente no Theatro Avenida, mais um grande êxito estreia, a Revista "CóCóRóCóCó". O Teatro Paraíso de Lisboa, na Rua da Palma, estreou a Revista "Cale-se" em 1912, um grande sucesso num teatro que também era animatógrafo. Este género teatral que satiriza o que vai acontecendo a todos os níveis na sociedade e em cada ano, passa a ter a designação de "Revista à portuguesa", afinal era adaptado e satirizava de maneira muito nacionalista os acontecimentos ocorridos em Portugal especificamente.
O fenómeno de adaptação à realidade portuguesa torna este genro de teatro mais rico do que o mesmo genro em outros países, onde a alma portuguesa está muito presente na forma de representação. O Teatro da Trindade foi palco igualmente, de grandes êxitos da Revista à portuguesa, entre muitos deles destaque para dois grandes sucessos como "As Cartolinhas e os Adelaides" estreado em outubro de 1915 e "Feira da Luz" estreado em 1930.
Com o inicio do regime republicano é mudado o nome do antigo Theatro D. Amélia, actual Teatro D. Luiz, para Teatro da República, e nesta nova era sobem ao palco deste teatro alguns êxitos do teatro de Revista como "Castelos no Ar" que tem estreia em 1916 e "Lisboa Amada" que estreia em 1917. Do elenco desta última peça faziam parte entre outros o actor Chaby Pinheiro (1873 - 1933) que interpreta o fado O Carro do Chora. No Eden Teatro na Praça dos Restauradores, também se representaram muitos e grandes êxitos da Revista à portuguesa como o grande sucesso que foi a Revista "O Novo Mundo" em 1919 e mais tarde, no mesmo ano a Revista "Cabaz de Morangos".
Também o Coliseu dos Recreios foi palco para numerosas Revistas à portuguesa de grande sucesso ao longo do século XX. A Revista à portuguesa, foi e continua a ser um género teatral que se generalizou por todos os teatros, grandes e pequenos da capital e também da província. Grandes actores e actrizes, mais tarde nomes importantes no cinema português, iniciaram as sua carreira de sucesso no teatro de Revista à portuguesa nas primeiras décadas do século XX, foram entre muitos o caso de António Silva (1886 - 1971), Vasco Santana (1898 - 1958), Beatriz Costa (1907 - 1996), Mirita Casimiro (1914 - 1970), entre muitos outros. Este género teatral foi e continua sendo o "berço teatral" para o inicio e sucesso da carreira de muitos dos grandes actores e actrizes portugueses até à actualidade.
Com as alterações politicas que se iniciam em Portugal a partir de 1933, também o teatro de Revista à Portuguesa sofre alterações e a censura será uma realidade nas décadas que se seguem. Os números das Revistas e letras de canções são censurados, só algumas rabulas ao novo regime do Estado Novo e a António de Oliveira Salazar (1889 - 1970), passam despercebidas ao famoso "lápis azul" dos censores do regime. Será no entanto uma época em que os conteúdos das rábulas e as criticas sociais vão ser mais elaboradas de modo a passar à censura que as irá acompanhar até ao fim do regime. Foi igualmente uma época de grandes sucessos do teatro da Revista à portuguesa. Este género de espectáculo, contou sempre com artistas, Que nunca renegaram ser loucos portugueses…
Vai um tirinho ó freguês? - *Das miombas aos golpes atómicos
Por Antunes Ferreira
As miombas do Júlio eram famosas, sobretudo as cujo recheio era de porco alentejano criado no monte a bolota de azinheira. Era o tempo em que o Parque Mayer dava cartas em Lisboa, corria o ano de 1958, e no dia 21 de Setembro escapei-me “à formiga” da minha casa no Restelo já tarde, aí pelas dez e picos da noite sem que os meus pais dessem conta da escapadela. Na véspera comemorara os meus dezassete anos e o meu destino era o dito Parque Mayer.
Combinara um encontro muito especial no Júlio das Miombas. Uma corista da revista brasileira Há Fogo no Pandeiro que chegara à nossa cidade no ano anterior e desde então fazia um sucesso de espantar actuando no Coliseu com casas normalmente cheias. Fora o Eugénio Salvador, o crónico compère das revistas à portuguesa que me fizera conhecer o pessoal do Pandeiro.
Fora muito fácil estabelecer laços de amizade com aquela trupe, os brasucas são normalmente, como dizem, caras bacanas. Das actrizes a Berta Loran e a mulatona Mara Abrantes (que durante muitos anos “fez” a cabeça e os bolsos a muito boa gente…) deram-me no goto, enquanto entre os homens o mais porreiro foi o Badaró a quem fiquei tão ligado que mais tarde seria testemunha dele quando viria a naturalizar-se português. Aqui viveu para sempre e morreu com um cancro. Da sua qualidade humana e singular estirpe acentuo que doou o corpo à Faculdade de Medicina para estudo e isso diz tudo.
Uma noite, na Toca do Carlos Ramos, onde eu até cantei o Não venhas tarde, Manílio Haidar Badaró, confidenciou-me que fizera sucesso na Rádio Clube Português, com o seu programa “Jornaleco” e explicou: “Um jornal que ninguém lê, mas todos ouvem”. Ficou conhecida a célebre expressão “Toma e embrulha” que ele usava nesse programa. Na televisão ficou famoso pelas personagens como o “Chinezinho Limpopó” e ainda pela célebre expressão “Ó Abreu, dá cá o meu”.
Mas a menina Darcília não havia de chegar, outras milenas acenadas por mãos alentejanas mais gordas e mais abonadas apanharam-na e eu fiquei a ver… miombas ou melhor a comê-las porque a dona Augusta esposa do Júlio e cozinheira de truz adoptara-me sem registo notarial. Estava eu no melhor da segunda bifana quando entra a malta do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa com o Nuno Salvação Barreto, seu cabo, à frente.
Ora este grandalhão era outro meu amigo; as noitadas da estroina davam excelentes resultados. Mal entrou e me viu veio agradecer-me a ajuda que lhe dera para ele ter participado no filme Quo Vadis no qual desempenhando o papel do escravo Brutus salvara a vida da heroína Lígia, protagonizada pela estrela Deborah Kerr, pegando de caras um touro português que ameaçava a vida da jovem na arena do coliseu de Roma perante Nero.
Nessa altura decorria no parque um torneio de luta livre americana (o que hoje se chama wrestling) no qual participavam devidamente preparados – e combinados – diversos “malandros”: o Zé Luís, o Mascarilha Secreta, o Tarzan Taborda, o Adamastor Gingão entre outros do mesmo quilate. Um dos calmeirões, aliás com registo cadastral, conhecido como o Furacão de Cacilhas comentou alto e bom som que “agora é qu’era porreiraço ver os panilas que davam em setares do celulóide!!!!”
Levou logo um sopapo – e que sopapo! – que o virou de cangalhas! O autor confesso a olhos vistos fora o primeiro ajuda do Grupo, o Zeca Arruda. Depois foi o pandemónio! Enquanto distribuía galhetas à supimpa, o Nuno agarrou-me pelo braço direito e disse-me para me meter numa barraca dos tirinhos e aproveitar para dar uns quantos às meninas que lá “trabalhavam” o que fiz de bom grado.
Regressei a casa já o Sol ameaçava no horizonte. O nosso vizinho, um tal José Hermano Saraiva que, apesar de ser profundamente situacionista (chegaria a ser ministro da Educação e embaixador no Brasil entre muitos outros cargos políticos) sempre foi meu grande amigo – ofereceu-me, por exemplo, o seu livro de contos Vento vindo dos montes com uma dedicatória que caiu fundo no meu coração: “Para o Henrique, contente de o saber tão bom amigo e tão bom estudante. J.H.Saraiva”, se levantava cedo perguntou-me se ia chover. Percebi que era apenas conversa, coisa em que ele (e eu) era perito. Por algum motivo – e foram muitíssimos! – lhe chamaram depois o “Príncipe dos Comunicadores”. Talvez tivesse sido melhor qualifica-lo como o “Rei dos…” Ele merecia.
Afigura-se-me fazer aqui um pouco da história dessa verdadeira instituição que é o Parque Mayer que teve o seu esplendor mas foi deslizando até à degradação em que se encontra, pese embora as intenções que vêm sido anunciadas para a sua recuperação. Mas, de boas intenções está o Inferno cheio… O parque foi implantado num espaço que pertenceu antes aos jardins e espaços adjacentes do Palácio Mayer (Prémio Valmor 1902), construído em 1901 por Nicola Bigaglia e pertença de Adolfo de Lima Mayer.
Em 1920, este espaço foi adquirido por Artur Brandão e vendido no ano seguinte a Luís Galhardo,personalidade ligada ao meio teatral, que sonhava criar um espaço dedicado ao divertimento. Tendo fundado a Sociedade Avenida Parque, assim iniciou neste recinto grandes momentos de diversão, espectáculo e representação, que o veio a tornar muito popular.
Na sua inauguração, em 15 de Junho de 1922, logo aqui foi criado um Teatro, com o nome da actriz e fadista Maria Vitória, cuja morte (poucos anos antes) criara alguma consternação. Inaugurado em 1 de Julho de 1922 com a revista "Lua Nova", o Teatro Maria Vitória é o único ainda a funcionar no recinto, mercê da persistência do seu empresário Hélder Freire Costa. Em 1926 (8 de Julho), com a revista "Pó de Arroz", abriu o Teatro Variedades e em 1931 (a 10 de Julho), Campos Figueira, à altura administrador da Avenida Parque, inaugurou o Capitólio, segundo um projecto do arquitecto Luís Cristino da Silva. Por último, já em 1956 (13 de Janeiro) o empresário José Miguel criava o novo Teatro ABC, no espaço que fora do "Alhambra" e parte do "Pavilhão Português", estreando a revista "Haja Saúde".
O Parque Mayer, recinto dos teatros de revista e dotado de restaurantes, carrosséis, esplanadas, pavilhões, casas de fado, barracas de tiro e outras, e onde também se exibiu cinema, luta livre e box, era um local de boémia por excelência, onde tanto ocorria o povo folião, como a elite política ou os intelectuais de Lisboa. Como se sabe é um recinto junto à Avenida da Liberdade. Os seus Teatros:
Teatro Maria Vitória, fundado em 1922 (Em funcionamento)
Teatro Variedades, fundado em 1926 (Em remodelação)
Teatro Capitólio, fundado em 1931 (Reaberto em 2016)
Teatro ABC, fundado em 1956 (Demolido)
Pelo Parque passaram inúmeras figuras dos tablados e dos estúdios portugueses nomeadamente da Revista à portuguesa. Um enunciado exaustivo está fora de questão mas aqui ficam uns quantos apontamentos que me parecem interessantes. Refiro por exemplo o Theatro da Rua dos Condes que estreia a Revista "As Cores da Bandeira", em 1890 da qual fazia parte a marcha "A Portugueza", de Alfredo Keil (1850 - 1907) e letra de Henrique Lopes de Mendonça (1856 - 1931), música e letra que mais tarde, com o inicio do regime Republicano, dariam origem ao hino nacional em 1911 com o mesmo titulo.
Esta marcha "A Portugueza" resulta do sentimento nacional profundo oriundo da humilhação sofrida pelo Ultimato imposto pelos Britânicos em 1890, assim, surge, no mesmo ano, uma música de exaltação nacional e forte carácter patriótico. Devida à designada "lei das rolhas" que ainda estava em vigor, esta Revista e marcha seriam censuradas e suspensas por um tempo. A Revista "Zás Trás" em finais dos século XIX e em 1898 a Revista do ano, como ainda era designada "Agulhas e Alfinetes" em cartaz no Theatro da Rua dos Condes.
Em plena Avenida de Liberdade, em 1906 o Theatro Avenida estreia a Revista "Prá Frente" que seria um enorme sucesso e mais tarde, em 1908 outro sucesso que foi a Revista "A.B.C.". O Theatro Phantastico estreia uma das suas primeiras Revistas com o titulo "Já te Pintei" em 1908. No Theatro Apollo estreou-se a primeira Revista à portuguesa após a instauração da Republica e considerada a primeira Revista verdadeiramente republicana, pelo seu espírito revolucionário, intitulada "Agulha em Palheiro".
Esta Revista da autoria de Ernesto Rodrigues, Felix Bermudes e Lino Ferreira foi um êxito e estreou-se em 23 de Fevereiro de 1911. Uma peça de Revista em 3 actos e 12 quadros, com música de Filipe Duarte e Carlos Calderón, interpretada entre outros actores da época por Nascimentos Fernandes, Lucinda do Carmo, Isaura, Amélia Pereira e João Silva. De referir que os números musicais com fadistas profissionais em palco nas peças do teatro de Revista, terão surgido por volta de 1910; antes disso havia representações um tanto burlescas imitando os fadistas, números estes que serviam para o tempo de mudança de cenários em palco.
Em 1911 estreia uma das primeiras Revistas, já pós Republica, intitulada "Arre Que é Burro", no Theatro Moderno e mais tarde em 1913, outro grande êxito "Os Gorostescos", uma Revista em dois actos. Em 1912 novamente no Theatro Avenida, mais um grande êxito estreia, a Revista "CóCóRóCóCó". O Teatro Paraíso de Lisboa, na Rua da Palma, estreou a Revista "Cale-se" em 1912, um grande sucesso num teatro que também era animatógrafo. Este género teatral que satiriza o que vai acontecendo a todos os níveis na sociedade e em cada ano, passa a ter a designação de "Revista à portuguesa", afinal era adaptado e satirizava de maneira muito nacionalista os acontecimentos ocorridos em Portugal especificamente.
O fenómeno de adaptação à realidade portuguesa torna este genro de teatro mais rico do que o mesmo genro em outros países, onde a alma portuguesa está muito presente na forma de representação. O Teatro da Trindade foi palco igualmente, de grandes êxitos da Revista à portuguesa, entre muitos deles destaque para dois grandes sucessos como "As Cartolinhas e os Adelaides" estreado em outubro de 1915 e "Feira da Luz" estreado em 1930.
Com o inicio do regime republicano é mudado o nome do antigo Theatro D. Amélia, actual Teatro D. Luiz, para Teatro da República, e nesta nova era sobem ao palco deste teatro alguns êxitos do teatro de Revista como "Castelos no Ar" que tem estreia em 1916 e "Lisboa Amada" que estreia em 1917. Do elenco desta última peça faziam parte entre outros o actor Chaby Pinheiro (1873 - 1933) que interpreta o fado O Carro do Chora. No Eden Teatro na Praça dos Restauradores, também se representaram muitos e grandes êxitos da Revista à portuguesa como o grande sucesso que foi a Revista "O Novo Mundo" em 1919 e mais tarde, no mesmo ano a Revista "Cabaz de Morangos".
Também o Coliseu dos Recreios foi palco para numerosas Revistas à portuguesa de grande sucesso ao longo do século XX. A Revista à portuguesa, foi e continua a ser um género teatral que se generalizou por todos os teatros, grandes e pequenos da capital e também da província. Grandes actores e actrizes, mais tarde nomes importantes no cinema português, iniciaram as sua carreira de sucesso no teatro de Revista à portuguesa nas primeiras décadas do século XX, foram entre muitos o caso de António Silva (1886 - 1971), Vasco Santana (1898 - 1958), Beatriz Costa (1907 - 1996), Mirita Casimiro (1914 - 1970), entre muitos outros. Este género teatral foi e continua sendo o "berço teatral" para o inicio e sucesso da carreira de muitos dos grandes actores e actrizes portugueses até à actualidade.
Com as alterações politicas que se iniciam em Portugal a partir de 1933, também o teatro de Revista à Portuguesa sofre alterações e a censura será uma realidade nas décadas que se seguem. Os números das Revistas e letras de canções são censurados, só algumas rabulas ao novo regime do Estado Novo e a António de Oliveira Salazar (1889 - 1970), passam despercebidas ao famoso "lápis azul" dos censores do regime. Será no entanto uma época em que os conteúdos das rábulas e as criticas sociais vão ser mais elaboradas de modo a passar à censura que as irá acompanhar até ao fim do regime. Foi igualmente uma época de grandes sucessos do teatro da Revista à portuguesa. Este género de espectáculo, contou sempre com artistas, Que nunca renegaram ser loucos portugueses…
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