9.12.23

Grande Angular - Uma tragédia

Por António Barreto

Em Gaza, encontramos muitos dos condimentos que fazem uma verdadeira tragédia. O sofrimento ilimitado. O sentimento de inevitabilidade. A sensação de que os deuses não se entendem entre si e nem sequer eles conseguem evitar a dor e a morte. A ideia de que mesmo os heróis são impotentes e não evitam o seu destino dramático.

 

Ali perto, por razões idênticas, Jerusalém é outro sinal vivo dessa tragédia. Uma das mais impressionantes criações da humanidade está condenada, como sempre esteve. Os seus dramas são eternos, como sempre foram. E não têm solução, como nunca tiveram. A não ser remendos temporários e frágeis, quase sempre impostos pela força.

 

Os protagonistas da tragédia regem-se por princípios de exclusão mútua. Se deixam de se excluir, morrem. Se continuam a excluir-se, vivem na dor e no drama. Contra as suas próprias vontades, a fatalidade impõe-se: a guerra ou a morte! E ninguém escapa à sua sorte.

 

O massacre hediondo levado a cabo pelo Hamas, a 7 de Outubro, foi o sinal de partida para mais um doloroso episódio de morte e chacina cujo fim não se antevê. E que, como sempre, depende de fora, das potências, dos financiadores, dos clientes, dos mandantes e dos fornecedores. Mas não se pense que aqueles povos são meros instrumentos, simples marionetes. Não. Já se percebeu que também agem pelas suas forças e pelas suas cabeças.

 

Israel tem o direito de ripostar e o dever de se defender. Atacado da maneira miserável como foi, em morticínio particularmente sádico, Israel luta simplesmente pela sua sobrevivência como Estado e pela vida dos seus cidadãos. Ao defender o melhor, a sua existência, Israel também defende o pior, a política dos colonatos, por exemplo.

 

Israel e os Judeus constituem um exemplo único: há quem queira destruir o Estado, eliminar os Judeus e liquidar aquele povo. Os Islamitas que o pretendem não se escondem atrás de retórica cínicas: é o que querem e afirmam-no. 

 

O actual governo de Israel respondeu, com justo furor, mas ultrapassou os limites: sem distinguir entre culpados e inocentes, entre terroristas e civis, entregou-se também a um massacre da população palestiniana. Gradualmente, o Governo israelita afasta o seu Estado da democracia, enquanto a Palestina e os seus aliados islâmicos se fortalecem, como sempre fizeram, fora da democracia.

 

O terrorismo islâmico e que inclui a Al Qaeda, o Jihad islâmico, o Isis ou o Daesh, o Hamas, o Hezbollah e outros menos noticiados, representa actualmente o pior que a humanidade propõe e conhece. O Hamas comete alguns dos piores horrores da vida contemporânea: a tomada de reféns inocentes, a execução de prisioneiros e de reféns e o esconderijo militar a coberto de creches, escolas, lares e hospitais. O chamado “escudo humano”, feito de reféns, hospitais e crianças, tem como objectivo claro ter vítimas para contar, motivos para sensibilizar a opinião mundial, oportunidade para filmar e fotografar a miséria e a violência infligidas por Israel. Acontece que, sabendo isso, Israel não poderia nem deveria bombardear tais sítios e massacrar os civis que lá se encontram. Ao fazê-lo, condena-se a si próprio.

 

Uma vaga de anti-semitismo no Ocidente surpreendeu muita gente. Na verdade, os europeus e outros ocidentais, pouco disponíveis para apoiar os Judeus e condenar a mortandade de 7 de Outubro, têm revelado uma formidável energia activista para protestar contra Israel e apoiar os Palestinianos em geral, o Hamas em particular. E não se pense que, nessas manifestações, se trata sobretudo de imigrantes muçulmanos. Os europeus, cristãos ou ateus, têm revelado uma constante solidariedade. Nunca a chaga do anti-semitismo europeu foi extinta, há muito não era tão visível como agora. Mas Israel deu alguns contributos para este anti-semitismo: as suas indiscriminadas acções de guerra são bons exemplos.

 

O totalitarismo islâmico é visível e activo onde quer que seja: nos movimentos de resistência, nos grupos e partidos terroristas, nos regimes confessionais, nos Estados do petróleo e até nas madraças. Sem eleições, sem parlamentos democráticos, sem sondagens e sem liberdade de imprensa, nunca saberemos o que pensam realmente os seus povos. Do outro lado, de Israel, temos eleições, parlamento e imprensa livre. Mesmo nessas circunstâncias, Netanyahu é apoiado no Parlamento. Parece evidente que, com ele e com as ditaduras islâmicas, é frustrada qualquer esperança de solução equilibrada e pacifica, mesmo temporária, mesmo frágil.

 

É de qualquer maneira legítimo perguntarmo-nos qual é o apoio real dos povos do Próximo-oriente, de Israel, da Palestina e de Gaza às políticas actuais de Israel e da Palestina. É bem possível que uma grande parte das populações da região seja favorável à guerra e à destruição do outro, do adversário e do inimigo. O ódio em vigor naquelas paragens é tal que custa acreditar que se trata apenas de opiniões das elites militares, dos dirigentes políticos, dos dignatários religiosos, dos vendedores de armamentos e dos comerciantes de petróleo. Há muito mais. É por isso que é tão difícil. Ambos os lados, a ditadura islâmica e a democracia israelita, parecem apoiar a guerra.

 

O Hamas sabia o que estava a fazer. Sabia muito bem que iria desencadear uma resposta violentíssima. Como sabia que iria perder milhares de militantes e dirigentes, toneladas de armamento, quilómetros de esconderijos e centenas de refúgios. Tinha a certeza de que, com as suas forças, era impossível destruir Israel. Previa evidentemente a destruição de Gaza pelas armas israelitas. Mesmo assim, tomou a iniciativa. É um facto incompreensível.

 

Como não é possível acreditar que Israel nada soubesse do que se passava. Que não percebesse que, durante anos, milhares de militantes, de milicianos e de terroristas treinavam e se preparavam. Que centenas de quilómetros de túneis eram escavados. Que milhares de toneladas de armamento eram preparadas, fabricadas e importadas para o território. Não é crível pensar que Israel não sabia. Também este facto é incompreensível. Parece que ambos, Israel e o Hamas, queriam a guerra!

 

A luta pela dignidade palestiniana e a luta pela sobrevivência israelita são incompatíveis, contraditórias e adversárias. A luta pelos dois Estados é uma solução. Parece mesmo ser a única solução. Impossível. Que ninguém quer. Talvez que, por isso mesmo, seja a única pela qual vale a pena lutar.

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Público, 9.12.2023

1 Comments:

Blogger opjj said...

O seu comentário foi o mais isento dos que tenho lido.
Falta acrescentar que se o HAMAS quisesse acabar com a guerra bastava entregar os reféns conforme Israel lhes pede.
Lamentável que os organismos internacionais covardemente não avancem com a hipótese da entrega dos reféns.

9 de dezembro de 2023 às 18:56  

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