15.3.24

«Como Bola Colorida. A Terra, Património da Humanidade» 2ª edição actualizada, com prefácio do Prof. Carlos Fiolhais


Por A. M. Galopim de Carvalho

Merecia, há muito, uma reedição este livro, Como Bola Colorida. A Terra, Património da Humanidade, da autoria do Professor Galopim de Carvalho, publicado pela primeira vez na Âncora Editora em 2007. De facto, a expressão “há muito” não será a mais apropriada do ponto de vista de um geólogo, já que este lida com intervalos temporais de milhões de anos. Do ponto de vista da história da Terra, a edição e a reedição deste livro sobre as Ciências da Terra são praticamente simultâneas. Seja como for, a necessidade de reeditar esta obra diz bem do interesse que ela merecidamente continua a suscitar no público. 

A expressão Coma Bola Colorida, uma citação de um famoso verso do poema “Pedra Filosofal” de  António Gedeão, pseudónimo literário de Rómulo de Carvalho, o professor de Ciências Físico-Químicas que é o patrono da  cultura científica em Portugal, refere-se ao nosso planeta, que  tem belas cores: decerto o azul do mar e o verde da vida, mas também as cores das rochas, que podem ir dos tons claros do quartzo aos escuros do basalto, passando pelos cinzentos e rosa dos granitos e pelos tons vermelhos da algumas argilas (pois as há multicolores!). Mas uma criança que quisesse agarrar no nosso planeta teria de ter um tamanho gigantesco. Basta pensar que a bola onde vivemos tem cerca de 6400 quilómetros de raio, ao passo que uma bola de futebol adequada a uma criança terá cerca de 20 centímetros de raio. Um rapaz ou uma rapariga poderão ter entre um metro e um metro e meio. Feitas as devidas proporções, a altura da criança teria de ser à volta de 40 mil quilómetros, o que, parecendo muito, não é nada à escala do Sistema Solar: é um décimo da distância entre a Terra e a Lua.

Uma metáfora impressionar-nos-á tanto mais quanto mais fora da realidade estiver. E é indiscutivelmente uma bela metáfora aquela que Galopim de Carvalho escolheu, em 2006, para título do seu livro, publicado quando se comemoravam os cem anos do nascimento de Rómulo de Carvalho. A nossa “bola colorida” já deu 17 voltas ao Sol deste então. Estamos todos mais velhos. Mas na Terra não se nota muito. Só não está na mesma devido às modificações que lhe fizemos, das quais a mais grave será o aumento desmesurado dos gases de efeito de estufa, como o dióxido de carbono, na atmosfera. Mas, para quem tem 4,54 mil milhões de anos de idade, como é o caso do nosso astro, 17 anos não são nada, absolutamente nada. O livro mantém-se novo, tendo a revisão sido menor: naquilo que está bem não se deve mexer. Em particular, o prefácio de José Mariano Gago tem plena actualidade, pelo que se mantém rigorosamente na íntegra. Ao relê-lo, senti saudades do seu autor: faz-nos falta aqui neste nosso quinhão do planeta para avivar a luz da ciência. Foi ele que instituiu, em 1996, o Dia Nacional da Cultura Científica, precisamente no dia de aniversário de Rómulo de Carvalho, para prestar justa homenagem aquele que, além de professor e poeta, foi também um grande divulgador de ciência.

O geólogo Galopim de Carvalho, a quem um dia chamei “Mestre das Pedras e das Palavras” por ser tão exímio com as primeiras como com as segundas, é, na esteira de Rómulo, um grande divulgador de ciência. Com uma vivacidade que tem resistido ao passar dos anos (para ele os anos que sejam abaixo de um milhão não são relevantes!), tem-nos dado o melhor do seu saber e talento quando nos descreve a incrível variedade da Terra e nos conta o longuíssimo processo histórico que moldou o nosso lugar no espaço. Neste livro, que acresce a mais de três dezenas de outros seus títulos, Galopim traz-nos, num português de lei, uma síntese dos resultados mais importantes das Ciências da Terra:  a estrutura, a dinâmica, a pluralidade de paisagens do nosso planeta, incluindo as pródigas marcas da vida que é quase tão antiga como ele. Galopim de Carvalho usa um recurso que Rómulo de Carvalho (por coincidência, partilham o mesmo apelido!) também usava desenvoltamente e que devia ser mais comum na divulgação da ciência entre nós: recorre à história da ciência. Mostra assim que a ciência é uma conquista humana, um conjunto de conhecimentos que foram duramente extraídos da Natureza pelos cérebros e mãos de diligentes seres humanos ao longo do tempo, uns na peugada dos outros, num empreendimento contínuo e a continuar. Mais importante que os conhecimentos, são os métodos para os obter. Sim, é contada em traços gerais a história da Terra, mas é também contada a história da tomada de consciência da historicidade geológica, que é muito recente. Com efeito, foi só no século XIX que os geólogos se aperceberam da enormidade da nossa história planetária, ultrapassando antigos preconceitos, alguns de raiz bíblica. Os geólogos que olharam para as modificações lentas e graduais da Terra foram-lhe dando uma idade aproximada que nada tinha a ver com as mitologias e que excedia mesmo largamente a que era estimada por físicos e químicos com base em considerações termodinâmicas. E era mais fiel a sua cronologia, justificada pela acumulação de observações de lagos e oceanos, vales e montanhas, estratos e fósseis, etc. do que a dos seus colegas físico-químicos, fundada em modelos matemáticos.

Ao  Terra tem sido palco de um rol de acontecimentos, não raro surpreendentes: arrefecimento a partir de uma massa ígnea inicial, impacto com outro astro para originar a Lua, quedas de meteoroides, formação dos oceanos, surgimento dos primeiros organismos, início da fotossíntese e oxigenação da atmosfera, proliferação da vida com a «invenção» do sexo, extinções maciças por razões em parte misteriosas, movimentos de placas tectónicas e outros, sismos e vulcões, idades do gelo, e, nos nossos tempos, as transformações de responsabilidade humana que alguns julgam merecer um novo período geológico: o Antropoceno. Se hoje sabemos algumas coisas sobre estes fenómenos foi graças aos esforços de homens e mulheres cujos nomes vêm referidos neste livro. Mestre Galopim é o nosso guia nessa viagem nas páginas que se seguem, destacando naturalmente os sítios e eventos em Portugal, onde está ou de onde vem a maioria dos seus leitores.  Ele preocupa-se com a fácil compreensão por parte de quem lê, nunca subestimando a inteligência dos leitores, uma regra básica na divulgação científica. Por exemplo, tem o cuidado de nos explicar, recorrendo a grãos de arroz e a badaladas de sinos, o que significa um milhão de anos, que afinal é uma «migalha» na história da Terra. Para nos acicatar a imaginação, fala de um bolo de aniversário para a Terra com 4540 milhões de velas. São, indiscutivelmente, muitas velas! Quando os dinossauros desapareceram, o bolo «só» tinha 4474 milhões de velas.

Se com José Mariano Gago a ciência entrou nas nossas casas, é preciso que ela entre mais e que fique bem instalada. Galopim de Carvalho é um exemplo inspirador de como é possível, com vista a tal desiderato, fazer bem-sucedida divulgação de ciência, num país em que largos sectores são avessos à ciência. São utilíssimos livros como este que descrevem em linguagem simples o chão que pisamos, o seu início e as suas metamorfoses, as suas riquezas e misérias, os seus encantos e mistérios. Em meu nome e – seja-me permitido – em nome de todos os leitores expresso-lhe a minha, a nossa, gratidão, por tudo o que temos aprendido dele e com ele. Sei que a vida humana é um lampejo em comparação com o tempo da Terra, mas desejo que, no seu caso, esse lampejo se prolongue, prosseguindo a iluminação que tem espalhado. Desejo que o «Mestre das Pedras e das Palavras» continue a ajudar-nos a compreender o nosso planeta não só com a sua grande sabedoria, mas também com a sua enorme jovialidade e a sua extraordinária simpatia.

Coimbra, 15 de Dezembro de 2023

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