19.6.24

PINTURA MEDIEVAL, FRESCOS E ILUMINURAS




Por A. M. Galopim de Carvalho

É do conhecimento comum que a evolução histórica da Idade Média decorreu sob a poderosa e, tantas vezes, severa tutela da Igreja Católica. Nesse tempo e numa sociedade em que o povo era analfabeto, a pintura foi uma das vias usadas no Cristianismo, para ministrar o ensino da religião cristã, dos seus dogmas e do código moral. Relativamente à pintura tida por românica, é consensual que esta expressão demonstra o poder da Igreja Católica, na Idade Média. Poder que continuou a estar patente nos estilos, que lhe sucederam. O estilo românico na pintura vigorou na maior parte da Europa medieval, e resume-se, essencialmente, aos frescos pintados nas paredes interiores de igrejas, mosteiros e conventos e às iluminuras. 

Total ou parcialmente apagados pelo tempo, por vandalizações ou outras causas, a imensa maioria dos frescos românicos, perderam-se para sempre e o mesmo aconteceu a muitos frescos góticos. Os poucos que sobrevivem são, por isso, preciosos testemunhos, não só da arte de então, mas também e sobretudo, das mensagens que transmitiam. Na imensa maioria, religiosas, os seus autores não ficaram registados. Nesse tempo, a totalidade do povo não sabia ler nem escrever. Fazer fiéis devotos e doutriná-los nos preceitos da Santa Madre Igreja era, não só do interesse do clero, como no da nobreza, que os explorava. Concebidas para analfabetos e feitas por encomenda dos dignitários do clero, estas pinturas representam, sobretudo, passagens da Bíblia, da vida de Cristo e dos Santos e outros ensinamentos do foro teológico. O analfabetismo e a servidão sempre se complementaram.

A pintura românica é descritiva e mais simbólica do que realista, revela uma interpretação mística da realidade, não usa perspectiva nem profundidade, deforma as figuras representadas, e dá, a todas, as mesmas feições convencionais, aumentando o tamanho das que há interesse em salientar. Cristo, por exemplo, é representado maior do que as outras figuras, a fim de realçar a sua importância e divindade. Como uma das características principais desta pintura, destaca-se o uso de cores puras e fortes, sem meios-tons nem recurso a luz e sombras. Embora relativamente raras, há as chamadas pinturas de cavalete, sobre tábuas de madeira, quase sempre destinadas à ornamentação de altares.

Com nomes a registar na pintura medieval destacam-se dois florentinos que fizeram história. Um foi Giotto de Bondone (1267-1337), natural de uma aldeia a norte de Florença, o outro foi Cenni di Pepo (1240-1302), de seu nome, mais conhecido pelo apelido artístico de Cimabué.

Do primeiro, a Adoração dos Reis Magos, é obra muito divulgada em postais de Boas Festas natalícias. Trata-se de um dos ainda bem conservados frescos na Capela Arena, em Pádua, na Itália, cuja decoração, com abundantes cenas de educação religiosa cristã, é considerada o maior trabalho de Giotto. A Estrela de Belém pintada no topo do fresco da Adoração dos Reis Magos, pode ser a imagem do Cometa Halley, que ele teve oportunidade de ver, aquando da sua passagem, em 1301.

Atribui-se a ele, embora sob reserva, a autoria da série de frescos que descrevem a vida de São Francisco de Assis, no tecto da Basílica que tem o seu nome. Dizem os historiadores que, embora influenciado pela arte que se praticou em Bizâncio e pelos frescos góticos franceses, Giotto foi precursor da pintura renascentista. Ele foi, por assim dizer, o elo entre as pinturas medieval bizantina e a que carateriza o Renascimento. A sua obra é marcada pela humanização da figura dos santos, numa notável antecipação humanista que, em termos de importância, coloca o Homem no centro do mundo, uma corrente filosófica, o Antropocentrismo, que só se afirmou no Renascimento, com inúmeros pensadores. Diz a história que Giotto começou a desenhar ainda em criança, quando era um pastor de ovelhas e que, como arquitecto, chefiou a construção da Catedral de Florença.

Com nome grande na arte do mosaico, Cimabué foi pintor de frescos e em telas, na transição do Bizantino para o realismo das figuras humanas, mas ainda não conseguiu dar a ilusão da profundidade do espaço. Na continuação da via para educar um povo, maioritariamente analfabeto, nos preceitos da Fé, os temas principais das suas pinturas são cenas e personagens do Cristianismo. Cimabué teve o mérito histórico de ser o descobridor e o mestre do jovem pastor Giotto, em Florença.

Saiba-se que o adjectivo bizantino alude à antiga cidade de Bizâncio e que Bizâncio evoca Bizas, rei na época dos argonautas, na mitologia grega. O mesmo adjectivo qualifica as manifestações artísticas próprias do Império Bizantino, entre os séculos V e XV. A cidade de Bizâncio, depois Constantinopla (Istambul, desde 1930) foi a capital do Império Romano do Oriente e o mais importante centro artístico deste período.

Autêntica preciosidade, a iluminura é uma outra expressão da pintura românica, arte que se prolongou no estilo gótico, se lhe seguiu. Manifesta-se sob a forma de ilustração sobre pergaminhos soltos ou sobre as páginas de livros manuscritos. Era executada, sobretudo, nos mosteiros, por monges iluministas. Estes verdadeiros artistas anónimos deixaram-nos testemunhos da sua virtuosidade, quer em grandes livros litúrgicos, quer em outros encomendados por clientes da nobreza e da burguesia rica. Na transcrição de livros, os copistas deixavam espaços para que os iluministas fizessem as ilustrações, os cabeçalhos, os títulos ou as letras capitais, ou seja, as maiúsculas com que se iniciava um texto. Mais tarde, a iluminura gótica atingiu um grau de pormenor, perfeição e beleza que influenciou muitos pintores.

A temática é quase exclusivamente cristã. Nos raros casos em que se trata de temas profanos, revela propósitos moralizadores. Nestas iluminuras transparecem, por vezes, traços da chamada “arte insular,” produzida nas ilhas Britânicas após a queda do Império Romano, visíveis nos entrelaçamentos de estilizações fantasiadas de animais e plantas, influências do estilo moçárabe, onde o desenho do arco mourisco é frequente, e, ainda, a tradição cristã com a herança figurativa pagã patente nos bestiários, entendidos como uma espécie de catálogos manuscritos, realizados por monges católicos, durante a Baixa Idade Média, geralmente usados com propósitos moralizadores, contendo informação sobre animais reais e fantásticos. 

Os mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, de São Mamede do Lorvão e de Santa Maria de Alcobaça guardam preciosos manuscritos Românico. De entre eles ficaram na História da pintura portuguesa do século XII, o “Livro das Aves”, a “Bíblia de Santa Cruz de Coimbra” e o “Apocalipse do Lorvão”.


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