30.7.09

Mercantil

Por João Paulo Guerra

Declaração de interesses: sou laico, republicano e cidadão particular.

MAS MESMO UM LEIGO não deixará eventualmente de se chocar com o título de um jornal de ontem: "Estado vai contratar padres a recibos verdes". Mesmo que não se benza, nem bata com a mão no peito, o cidadão não deixará de se impressionar que a assistência religiosa, para quem a queira, passe ao regime de prestação de serviços. Por este andar, o Estado poderá entender que a confissão dos pecados seja remetida para um ‘call center', a penitência convertida em multa, os sacramentos ministrados em ‘outsourcing', a salvação das almas alcançada através do ‘leasing' e a vida eterna conquistada através do contrato de Aluguer de Longa Duração.

Padres a recibos verdes são, assim, a mais recente novidade do reino da precariedade. O velho pároco chegou à geração do trabalho intermitente. Mas poderá qualquer serviço religioso ser considerado um biscate? E poderão os sacerdotes serem designados como operadores religiosos? E ninguém diga que isto é brincar com coisas sérias, pois quem desrespeita a religião e os sentimentos religiosos é quem os entende como uma mercadoria, um produto, e os respectivos oficiantes como colaboradores descartáveis, recrutados numa praça de jorna com esse ou com nome mais moderno.

O mercantilismo reinante reduz tudo e todos à relação meramente comercial. Sobrepõe-se à moral e, pelos vistos, quer impor-se aos sentimentos religiosos. O passo seguinte aos recibos verdes para os padres deverá ser submetê-los à flexisegurança: flexibilidade para os contratados e segurança para o contratante. E só fica mesmo a faltar que, mais dia, menos dia, o Estado peça aos padres a prazo o número de identificação fiscal do Céu.

«DE» de 30 de Julho de 2009

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