Portugal e a Sociedade da Informação - VII
O meu primeiro IRS electrónico
(Clicar na imagem para ampliar)
Quando, pela primeira vez, apareceu a possibilidade de entregar o IRS pela Internet (poupando-me às filas de várias horas), eu fui um dos grandes entusiastas dessa possibilidade.
No entanto, a experiência foi traumatizante (ver em "Comentário").
Cheguei então à conclusão que o melhor seria fazer as duas coisas ao mesmo tempo:
Meter-me na já conhecida fila da Repartição de Finanças e, munido de um portátil ligado à Internet, ir tentando as duas hipóteses...
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Desenho: CMR
1 Comments:
«Isso Resta Saber!»
O pessoal já me goza:
Apareça uma nova tecnologia… e lá estou eu a querer experimentá-la, mesmo contra os ventos da descrença e as marés das dificuldades que qualquer sistema tem na sua infância.
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E foi assim que, com viva alegria, saudei a possibilidade de - este ano de 1997- entregar a Declaração do IRS pela Internet!
Enfim, são tudo coisas que nos vêm simplificar a vida e que são bem-vindas nos dias de hoje em que parece que não temos tempo para nada.
E, já que falamos do IRS, como eram horríveis os dias em que se tinha de passar horas e horas na fila (aliás nessa altura chamava-se bicha e parece que ninguém se importava...) só para comprar os impressos, mais outras tantas para a entrega, e mais algumas para pagar!
E tudo isso, naturalmente, à custa de horas de trabalho que ficavam a arder…
-- ooOoo --
Mas, perante estas coisas novas, é claro que há sempre os cépticos, como o meu amigo Inácio.
Querem ouvir?
Um dia destes um jornal descrevia o drama possível para pagar uma licença de cão:
Apanhar a única camioneta da manhã para ir até à vila, passar os trâmites burocráticos a que o Estado desde sempre nos habituou, e ao fim do dia voltar para a terra na única camioneta de regresso.
Apanhando no ar este exemplo, tão caricato como de palpável realidade, não deixei que o Inácio fugisse sem lhe arengar:
— Tudo isso, com as novas tecnologias, se pode e deve evitar. E assim será, decerto, num futuro não muito distante.
Mas o meu amigo Inácio, céptico e tecno-fóbico de há muitos anos, respondeu-me com a frase do costume:
— Ora… isso resta saber…
Rematando, seguro de si:
— Essas coisas só servem é para criar desemprego!
E condescendeu em explicar:
— Você não vê que o gajo, ao ir à vila, está a dar trabalho a muita gente? Ao motorista da camioneta, ao cobrador, ao tipo que vende o gasóleo… isto já para não falar no pessoal lá da Câmara, nos trabalhadores que fabricam os papeis, os carimbos, as tintas, as esferográficas!
— Claro… e no pessoal do Hospital ou do cemitério, se ele tiver um acidente pelo caminho… - tentei contra-argumentar por redução ao absurdo.
— Em resumo - concluiu ele, indiferente à provocação - isso a que você chama progresso só provoca é desemprego! Acha que isso é verdadeiro progresso?!
Procurei, então, uma argumentação mais racional:
Expliquei que, por definição, trabalho é uma actividade útil, e que, nos exemplos que ele dava, e por força das circunstâncias, o esforço dessas pessoas deixava de ser tão útil como dantes…
— E o que é que esses tipos vão fazer depois?! Cavar batatas?! Não me lixe! E o gajo da licença do cão? Tinha ganho muito em ficar na taberna da terra?!
Confesso que é difícil argumentar com o Inácio, por isso até já me arrependi de lhe ter contado que este ano tencionava entregar o IRS pela Internet.
— E vai funcionar?! Ora… isso resta saber…
Aliás, ele nem mesmo gosta que se fale de computadores, quanto mais «dessa coisa do diabo» (como ele chama à Internet, trazendo para a conversa toda a carrada de lugares-comuns que caracterizam o léxico dos infor-fóbicos mais primários).
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Mas voltando então a essa parte de história:
Perante a maravilha de poder preencher e entregar a minha declaração sem sair do aconchego do lar dei-me ao luxo de deixar a tarefa para os últimos dias.
E, já mesmo no fim de Abril, e com os dados todos alinhavados, lá fiz a ligação!
Mas falta contar que esta aventura tecnológica começara algum tempo antes:
Já tinha visitado o site www.dgci.min-financas.pt e acedido ao menu de “Entrega do Modelo 2”.
Mas as coisas boas não podem vir logo!
Apareceu-me uma página para preencher com os dados principais (nome, número de contribuinte, etc) e retribuíram o meu esforço oferecendo-me um código prévio de acesso.
Fiquei sendo o 157.
E fui avisado de que, dentro de dias, receberia por correio normal um novo código…
A coisa começava a aquecer!
E assim foi… Ao fim de alguns dias, eu e a minha mulher recebemos cada um um envelope misterioso, sem remetente… O código secreto!
— G’anda pinta! Isto até parece que vem do banco, com o código do cartão multibanco!
Mas não… Era mesmo da DGCI:
Nós éramos promovidos de 157 e 158 a 000157 e 000158, e levávamos além disso com mais um código ultra-secreto de 12 dígitos!
«Rasgue imediatamente o envelope!» - avisavam, decerto receando olhares furtivos dos hackers!
Só faltava intimar: «Engula-o!»
Foi nessa altura que resolvi, já que estava tudo controladíssimo, abandalhar-me totalmente e deixar o dever cívico para o mais tarde possível.
Então, e quando já não podia deixar de ser… enchi-me de paciência e liguei-me.
Introduzi o pré-código 000157.
Abriu-se uma página:
«Insira o seu código secreto!»
Depois de descodificados, com a ajuda familiar, os “três” que pareciam “oitos” e os “oitos” que pareciam “três”, lá inserimos os 24 dígitos…
«Password errada! Tem mais 4 tentativas!»
E não saíamos dali! Por mais cuidado que eu tivesse, por mais certos que todos lá em casa estivéssemos de que os números estavam correctos, a resposta era sempre a mesma. Só que o 4 passou a 3, depois a 2, por fim a 1…
Desliguei, e tentei mais tarde.
Generosamente, o serviço, de cada vez que eu ligava, atribuía-me 5 novas oportunidades… mas sempre com igual resultado!
Resolvi, então, pedir ajuda. E havia-a on-line, como mandam as regras cibernáuticas!
Digitei novamente o meu nome, o número de contribuinte, expliquei sucintamente o problema e cliquei na tecla «enviar»…
«Sr. Fulano, a sua mensagem foi enviada! Tome nota: foi-lhe atribuído o código WWWW-3GGW5W. Aguarde notícias!»
Horas mais tarde, já nervoso, voltei a percorrer o mesmo calvário…
Desta vez o novo código que atribuíram à minha mensagem foi o WWWW-3GHJPX!
Mas, em baixo, vinha um comentário esclarecedor:
«Este serviço ainda está em fase experimental…».
Só faltava completar: «Desculpem qualquer coisinha…»
«Não digam mais!» - pensei eu. «Vai mas é pelo correio, como no ano passado!».
Pois é… só que o correio já tinha fechado, além de que - mesmo que estivesse aberto - ainda iria ter que comprar os impressos em qualquer lado!
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E é por isso que aqui estou eu, na bicha para entregar os papeis, como fazia há uns dez anos atrás!!!!
Mas nem tudo é mau… pude trazer para aqui o meu novo palmtop com o Windows CE, equipado com um modem rápido, ligado à rede das redes com este telemóvel digital que me permite escrever esta crónica em qualquer lado (inclusive aqui em pé), e enviá-la para a redacção!
Alto! Está a chegar um e-mail! Olha… é a resposta à minha reclamação!
«Exmo(a). Senhor(a),
Os números que refere são números de referência. Não constituem códigos a introduzir no sistema.
Para aceder à aplicação, deverá começar por introduzir o seu Código de Acesso, que é o 2428.
Depois disso, ser-lhe-ão pedidas as senhas secretas, que igualmente deverá introduzir (as senhas secretas terão sido enviadas por correio).
Se subsistir algum problema, por favor contacte-nos.
Muito obrigado pela sua participação.
Attached Files:
Attachment Converted: C:\WINDOWS\Desktop\ReDificuldade de acesso»
Isto está cada vez mais interessante!
O anexo não traz extensão, pelo que o Windows não sabe como abri-lo…
Mas tenho a alegria de ficar com mais um código, o 2428!
De qualquer forma, a bicha lá vai andando e daqui a duas horas já devo estar despachado…
Tenho agora é que arranjar uma boa aldrabice para quando o meu amigo Inácio me perguntar como é que correu a minha entrega do IRS (usando as novas tecnologias que o Governo colocou à disposição do Cidadão!)
A propósito:
Sabem que agora, na minha cabeça, não consigo separar as letras I-R-S de “Isso Resta Saber…” ?!
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Do livro «Crónicas da Inforfobia», disponível em www.jeremias.com.pt
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