6.8.05

“O Comércio do Porto” e “A Capital”

- calafrios e apreensões

LEIO hoje nos jornais que a Junta Metropolitana do Porto se prepara para viabilizar o regresso do “Comércio do Porto” às bancas, mobilizando empresários para reunir os capitais necessários. Uma das notícias fala mesmo em “recrutar empresários interessados em constituir uma sociedade que explore o jornal.” Os protagonistas deste movimento são, segundo as mesmas notícias, conhecidos políticos nortenhos como Valentim Loureiro e Luís Filipe Meneses.

Leio também na Imprensa de hoje que o Sindicato dos Jornalistas lidera a formação de uma cooperativa para salvar “A Capital”.

O que se anuncia no Porto é preocupante. Se o velho jornal reaparecer por obra de um grupo político e a mando de capitais que lhe serão fiéis, todas as suspeitas serão legítimas quanto à sua independência editorial. Mesmo se continuar a ser feito pelos mesmos dedicados jornalistas e dirigido pelo mesmo experiente e respeitado Rogério Gomes, todos com provas dadas de isenção e profissionalismo. Mesmo assim (o que não está assegurado, dada a inevitável tentação de os novos senhores quererem lugares para os seus amigos). Porque será improvável que o jornalismo desse novo “Comércio” se sinta motivado para trabalhar algum tema que fira os interesses dos que agora o ajudarem a renascer. E, pior, se alguma vez o fizesse, correria o risco duplo de sofrer a ira dos patrões e a incredulidade dos leitores.

O que se anuncia em Lisboa é diverso, mas obriga os seus protagonistas a uma reflexão que tem de ser rápida e eficaz. E que passa pela memória do fracasso da cooperativa de jornalistas que fez o semanário “O Jornal” e pelas lições a tirar do afundamento do projecto de Luís Osório e Rogério Rodrigues. No primeiro caso, a de como um naipe de luxo de jornalistas foi capaz de produzir um excelentíssimo jornal mas foi incapaz de o gerir. No segundo, a de como um jornal irrepreensível não conseguiu seduzir o mercado e, portanto, quem nele investia.

O que fez com que “A Capital” não tivesse convencido o mercado, apesar de ter deslumbrado uma fatia importante das elites? Enumeram-se hipóteses, todas plausíveis: a mudança para matutino, que o fez competir com uma carteira saturada de títulos, todos lisboetas e todos generalistas. A transição de jornal regional para uma ambição nacional não apoiada por um forte investimento na distribuição e na promoção. Uma declarada linha editorial de centro-esquerda (na corrente da melhor tradição jornalística anglo-saxónica), que terá desgostado algum público tradicional. Uma opção comercial que eliminou o comércio do sexo, das suas receitas de pequenos anúncios. Finalmente, e sobretudo, o que o seu fim súbito veio comprovar: os investidores não acreditavam no projecto e por isso não lhe deram o tempo necessário para triunfar.

Enquanto a circunstância do Porto causa calafrios, a de Lisboa gera apreensões. Ali, poderão surgir capitais, mas condicionados a óbvias amputações à liberdade jornalística. Em Lisboa, o capital não virá antes de perceber e aprovar o novo modelo e, também, antes de ver à sua frente uma liderança sólida, experiente e credível – o que o figurino cooperativo não favorece.

Nota final: fui dos primeiros a manifestar, nos blogues dos meus colegas de ambos os jornais, solidariedade e apreço. Esta crónica é fruto disso mesmo.

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O que é grave em toda esta crónica é que é escrita por um sábio destas coisas. E quem sabe e diz iso, deixa-nos obviamente sem palavras. Triste, triste este momento português.

7 de agosto de 2005 às 00:48  
Anonymous Anónimo said...

Vejamos apenas esta parte, que é a que mais importa e, de facto preocupa (não só CPC, como toda a gente que lê jornais):

«...poderão surgir capitais, mas condicionados a óbvias amputações à liberdade jornalística»
--
Claro que o exemplo dado (Luís Filipe Menezes com Valentim Loureiro a dominarem «O Comércio do Porto») é um exemplo extremo, um caso de horror.

Mas é possível imaginar pior: é vê-los a ter a ajuda da D. Fátima e do Sr. Avelino...

E pior ainda, por simetria,
Isaltino e António Preto a dominar «a Capital»...

Mas o certo é que também Pais do Amaral correu com Marcelo, Balsemão correu com João Carreira Bom e os exemplos de donos de «media» que correram com pessoas que não lhes agradavam devem ser inúmeros.

Não será sempre assim (mais ou menos discretamente)?

Um jornal (mais ainda uma rádio ou uma cadeia de TV), para existir, precisa de dinheiro. E, se há dinheiro, há os donos dele.
E se é preciso MUITO dinheiro, esse donos são pessoas com MUITO dinheiro (ou, na melhor das hipóteses, milhares de pequenos accionistas).

Os jornais (e são tantos!) que vão ficar nas mãos de Oliveira não correrão o mesmo risco?
E a TVI, nas mãos dos espanhóis?
E os jornais da Madeira onde Jardim mete dinheiro e colabora?

Como é que podemos acreditar que esses patrões dêem aos empregados uma liberdade que vá, se for caso disso, ao ponto de eles os atacarem?
A «RR» permitiria editoriais ateus?

O «Expresso» tem gente desde a direita até ao B.E.
Mas só enquanto esse pluralismo "vender" (veja-se o caso acima).

CMR

7 de agosto de 2005 às 14:39  
Anonymous Anónimo said...

Quando eu, atrás, escrevi:

«A RR permitiria editoriais ateus?», não foi o melhor exemplo, pois um editorial é algo que está ligado à ideologia dos "donos", e quem vai para lá trabalhar já sabe o que o espera e concora minimamente com aquilo de que a loja gasta...

Melhores exemplos seriam estas questões:

«Será que um jornalista da "RR" faria uma peça sobre malandrices do Patriarcado?».

«O Jornal da Madeira escreveria detalhadamente sobre eventuais golpadas de Jardim?».

«A SIC e/ou o Expresso desvendariam tramóias de Balsemão?»

Julgo que as respostas serão sempre negativas.

CMR

7 de agosto de 2005 às 14:59  
Anonymous Anónimo said...

«Balsemão tem história no jornalismo. Os autarcas grunhos não têm».
Claro!
O caso dos grunhos só choca porque é um extremo, uma caricatura.

Mas Pais do Amaral e Oliveira que história têm de jornalismo?

De Pais do Amaral, só sei que, para que me pagasse 70.000$ que me devia (de colaborações na VALOR) tive de recorrer a um advogado...

CMR

7 de agosto de 2005 às 15:02  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Salvo melhor opinião, o assunto resume-se a obter respostas para as seguintes questões:

P: Pode alguém comprar um jornal ou lançá-lo de raiz?

P: Pode esse "alguém" contratar exclusivamente quem esteja de acordo com as suas ideias?

-
Goste-se ou não da realidade, se ambas as respostas forem SIM, o jornal só terá que se haver, depois, com o problema de ter leitores ou não.

Mas isso é outro assunto.

7 de agosto de 2005 às 16:09  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Perfeito!
--

Já agora, uma curiosidade (a propósito da força dos «media» alternativos:

O JPPereira, no seu blogue Abrupto (http://abrupto.blogspot.com), tem pressionado o governo (e sem lhe dar descanso!) a divulgar os estudos (semi-secretos?) sobre a Ota.

Até à data, esse apelo já foi repetido em 52 blogues, e isso começou a ser notícia na imprensa.

Como a assunto também já aqui foi abordado (e na mesma óptica), este blogue consta logo no início da lista desses "52 magníficos".

7 de agosto de 2005 às 19:17  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Inês,

Seja...

7 de agosto de 2005 às 19:59  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Amigo Carlos,

De facto, há poucas actividades onde a ingenuidade bem-intencionada "funcione", e o futebol, a política e os negócios não são, com certeza (*).

Sendo os "media" uma realidade que joga com um pouco disso tudo... está tudo dito.

--
(*) Só se for a CAIS, pois até a ABRAÇO já nos veio dizer que sem pagar bem aos seus gestores, a solidariedade não funciona...

7 de agosto de 2005 às 22:56  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

A propósito da CAIS:

Fui lá um dia, pessoalmente, oferecer a minha colaboração gratuita.

«Muito obrigado, mas já estamos servidos» - foi a resposta.

7 de agosto de 2005 às 23:45  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Cara Inês,

A história da «CAIS» já é antiga.
Eu, nessa altura, escrevia umas histórias que eram publicadas na Internet.
Eram as aventuras do Jeremias, que chegaram a ter mais de 100.000 (sim, cem mil!) visitas, e deram origem a livros que actualmente estão esgotados (em parte graças ao "Acontece").

Resolvi oferecê-las à CAIS, mas não se interessaram.
Não tenho nada a censurá-los.
Limitei-me a deixar de comprar a revista (numa reacção um pouco primária, reconheço).

Também a minha oferta para apoiar os jovens da Casa Pia, os de uma associação humanista e os de uma autarquia com jovens em risco não tiveram qualquer seguimento, apesar de eu ter o curso de formador e me oferecer gratuitamente.

Vim a descobrir que certas pessoas (demasiadas) só aceitam essas colaborações se puderem, elas, ter protagonismo.
São pavões que, se não aparecerem, não se interessam por nada dessas coisas.
E olhe que sei MUITO BEM do que falo - pois já me cruzei, inúmeras vezes, com várias dessas "aves".

E, aqui neste blogue, mais não digo.

--
NOTA: As histórias (e livros) do Jeremias estão em:
www.janelanaweb.com/humormedina
e
www.jeremias.com.pt

8 de agosto de 2005 às 17:34  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Texto de JPPereira, publicado na SÁBADO (e no ABRUPTO em 11 Ago 05):
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A morte dos jornais Capital e Comércio do Porto, deixa-nos a todos mais pobres, porque o fim de um jornal é sempre um empobrecimento do espaço público. Mas é preciso ir mais longe, porque um jornal, como outras coisas, não tem um direito natural a existir. As opções da sua gestão, direcção e jornalistas tem também um papel e ele deve ser discutido. Como de costume, as culpas são só assacadas à administração, esquecendo-se que a Prensa Ibérica salvou os jornais de uma morte anterior e deu-lhes uma última oportunidade.

Não acompanhei sistematicamente os últimos dias do Comércio, mas era leitor diário da Capital desde que Luis Osório assumiu a direcção. Leitor em papel, portanto não foi por mim que o jornal acabou. O jornal de Luis Osório tinha características sui generis que o podiam tornar interessante – e foi notório o esforço para fazer diferente. O jornal procurou novos temas, novas notícias, mas nunca conseguiu encontrar um equilíbrio entre aquilo em que era único, e aquilo em que permanecia pior do que a concorrência. A uma determinada altura, parece ter desistido e ficou uma coisa a meio termo, nem um jornal como os outros, cobrindo a actualidade diária, para que não tinha redacção nem meios, nem um jornal alternativo para que lhe faltou o fôlego.

As fragilidades da Capital não vinham apenas da notória escassez de meios, mas também de decisões editoriais. Uma é o arranjo gráfico, porque poucos jornais tinham tão mau grafismo como a Capital. O grafismo era inimigo do conteúdo porque havia alturas em que o jornal podia ter as coisas mais interessantes do mundo, mas era ilegível, ou aborrecido até ao limite.

Depois, muitos dos jornalistas escreviam opinião e se exceptuarmos um ou dois casos, quase sempre de não jornalistas, como as colunas da última página, essa opinião era completamente desinteressante, ligeira e paroquial. Não teria sido melhor que o trabalho de jornalistas, certamente sempre escassos, fosse utilizado para tratar textos gigantescos, publicados quase sem subtítulos, contra todas as regras de legibilidade?

A Capital vai-me fazer falta, mas sempre que eu via um número revoltava-me a incúria com que era feita. Eu sei que é duro dizer isto, mas não era segredo para ninguém, a começar pelos seus leitores, que o desastre era inevitável.

11 de agosto de 2005 às 11:29  
Anonymous Anónimo said...

Este texto apareceu um ou dois dias depois no Diário de Notícias.
Gostaria de saber se se trata de uma colaboração regular de C. Pinto Coelho nesse jornal.

Obrigado.

M. Rui

11 de agosto de 2005 às 13:00  

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