A ascese do Beato (*)
EM FEVEREIRO de 2004, o "Compromisso Portugal" reunia gestores e quadros superiores de empresa, solteiros ou viúvos da intervenção política, num ensaio de visibilidade política ainda um tanto experimental. Uns, sem paciência para a via-sacra partidária, apostariam só numa aventura pessoal na área do "centrão", enquanto outros visavam institucionalizar uma influência duradoura sobre o associativismo patronal (que então foi dito ser necessário unificar) e indirectamente sobre a coligação no poder.
Aprovaram então trinta "medidas" que ao Estado, e só a ele, competiriam. Mas, passada a girândola mediática, mergulharam em trevas de toupeira, raramente assomando à superfície - onde só o Sol é certo, os media não.
Volvidos dois anos e meio, reanima-se o Beato. Para alguns observadores, pouco terá mudado. Mantêm-se muitas das caras. Subsiste a vertigem estaticida (já que o Estado--porque-não é tão preconceituoso como o Estado-porque-sim). Ressurgem a pulsão anti-partidária, o liberalismo de vulgata e a crença de que uma boa política social é a que deixa que espontaneamente se afirmem todas as ambições individuais. Continua a postura magistral de quem acha que a gestão da coisa pública é uma tecnicidade que tratam por tu como ninguém. Mas algo, no contexto, os fez mudar. E agora já não está em causa unificar o associativismo patronal, mas "institucionalizar o movimento". Para as trinta medidas de 2004, já não há avaliação, nem remissão, nem memória. A pressa, hoje, é maior. Nem eles próprios têm tempo para fazer à escala das suas empresas aquilo que pedem ao Estado: a redução de 200 mil efectivos em cinco anos. Recomendam ainda o endividamento que, em ano e meio de sacrifícios, todas as políticas públicas visam combater.
Avesso a teses conspiratórias, sei que, na vida, a ambição de colher a laranja em geral só acomete quem está à sombra da laranjeira. Por isso, aceito que os tecnocratas liberais do "Compromisso" caminhem para a árvore ainda só a pensar na sombra dela. Mas a seu tempo virá a tentação de colher o fruto. E então, se não ficarem pelo caminho, abrir- -se-lhes-á uma de três vias de má sina: ou candidamente se propõem para estado-maior de um PSD reduzido, sem glória, a seu exército; ou suicidariamente pressionam uma aventura presidencial fora de prazo; ou, mais plausivelmente, querem combinar uma com outra. Seja qual for a via, não lhes gabo a sorte.
_(*) Crónica de Nuno Brederode Santos no «DN» de hoje, aqui transcrita com sua autorização.
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