12.9.06

A dois não é propaganda? (*)

TODA a oposição é crítica porque toda a governação é criticável. E este amável princípio estende-se à ideia de que o Governo aprende com a crítica e a oposição com a governação.
Mas, para ter resultados práticos, esta encenação teórica pressupõe que ambas as partes estejam genericamente de boa-fé e que a sua conduta seja minimamente adequada ao seu propósito. Ora hoje, em Portugal, podemos dar de barato a boa-fé. Talvez nos tenhamos cansado de esperar pelo regresso da glória, mas não tivemos grandeza bastante para inventar o opróbrio. As traquinices e velhacarias que fazem a espuma do jogo político não são portuguesas de origem e não desmentem que o propósito de alguma oposição é chegar ao poder e que o do Governo é manter-se nele.
O problema é, pois, o da adequação da conduta ao propósito. O Governo, goste-se ou não do estilo celebrante e proclamatório, tem sabido fazê-lo. Dizem-no as sondagens positivas (e que, de resto, a serem negativas, tão longe do fim da legislatura não indiciariam suficientemente o contrário). Mas já aquela oposição que refiro não tem sabido fazê-lo. O argumento da "propaganda" governamental, em que se deixou naufragar, tem perna curta. O público sabe que todos prometem a razão que vão ter e se vangloriam da razão que tiveram. Por "propaganda" - com a carga pejorativa que a palavra arrasta e mais os restos da memória de Goebbels e do SNI - entende a difusão de falsas ideias, "propagadas" para ocultar o inconfessável.
Um exemplo. Para salvar a "cultura popular", há que salvar o Parque Mayer; isto só se consegue com dinheiro privado; e só teremos este se houver lá um casino. Depois anunciam-se oito localizações fora do Parque. Enfim, temos casino, mas ninguém "salvou" o Parque. O país intui que só o casino esteve sempre em causa. E intui bem.
Porque as pessoas sabem que isto é que é propaganda. E quando o Governo, ainda que com pouco recato, anuncia um novo plano contra uma qualquer praga social e essa oposição grita que isso é propaganda, pensam que o grito é falta de alternativa e medo do sucesso das medidas. E acham também implausível que um Governo que faz tudo tão mal (!) reforme a justiça tão bem (!) quando o faz em pacto com a oposição. E não entendem que uma liturgia mediática deixe de ser propaganda só porque celebrada por oficiantes dos dois partidos. É que o gentio é simples, mas já sabe que se farta.
(*) Crónica de Nuno Brederode dos Santos no «DN» de 10 Set 06, aqui transcrita com sua autorização.

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1 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

NOTA:

Na versão em papel e na que está na Internet, este texto foi afixado (por erro do «DN») sem o ponto de interrogação no título.

12 de setembro de 2006 às 14:50  

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