13.9.06

LER CIÊNCIA (*)

NUM ENSAIO recente muito discutido em Inglaterra e recentemente traduzido em português pelo semanário Expresso, Ian McEwan discute a literatura da ciência, referindo vários cultores da escrita científica e admirando a sua qualidade literária. Vinda de um dos maiores romancistas ingleses da actualidade, tal admiração é reveladora. Entre nós, que temos uma tradição científica modesta, é difícil ser profuso na referência a textos clássicos da ciência que sejam também admiráveis pela sua escrita.
Vem contudo à memória o inevitável Pedro Nunes, homem de ciência e escritor de frases modelares: «Bem sei quão mal sofrem os pilotos que fale na Índia quem nunca foi nela; e pratique no mar quem nele não entrou». Ou ainda: «Os portugueses ousaram cometer o grande mar oceano, descobriram novas ilhas, novas terras, novos mares, novos povos; e o que mais é: novo céu, novas estrelas».
Mais recentemente, é impossível não pensar em alguns grandes divulgadores científicos portugueses, que nos legaram páginas de grande qualidade literária. Bento de Jesus Caraça, o matemático, foi também um dos maiores intelectuais portugueses da primeira metade do século XX. Nas suas conferências, carta e livros, nomeadamente nos Conceitos Fundamentais da Matemática, sucessivamente editados e reeditados, propôs-se tornar algumas ideias centrais da ciência acessíveis a todos. António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho, criador prolixo e um dos poucos poetas com obras conhecidas do grande público, deixou uma marca literária em tudo o que assinou. Na História dos Balões, reeditada pela Relógio D’Água em 1991, tal como noutros muitos clássicos de popularização, era o professor de física, mas também o poeta quem falava.
Mais modernamente, o panorama da escrita de divulgação preencheu-se, e bem, com António Manuel Baptista, Jorge Dias de Deus, João Magueijo e alguns outros. Entre os mais modernos, citemos dois nomes obrigatórios: Carlos Fiolhais e Jorge Buescu. O primeiro é sobretudo físico; o segundo, sobretudo matemático. Mas ambos são homens de cultura e autores de escrita cuidada, que é um prazer ler.
Na sua Curiosidade Apaixonada (Gradiva, 2005), Carlos Fiolhais revela um humor profundo e uma capacidade extraordinária para falar despretensiosamente dos problemas mais complexos. Revela-nos o que deve o pintor Turner à teoria das cores, os erros científicos do poeta Goethe e as teimosias de Lorde Kelvin a propósito da idade da Terra.
Jorge Buescu, autor de O Mistério do Bilhete de Identidade, um sucesso editorial encorajador, e Da Falsificação dos Euros aos Pequenos Mundos, ambos editados pela Gradiva, é outro autor a ler. Explica-nos pacientemente, passo a passo, alguns dos problemas mais importantes da matemática actual, e sempre com clareza e humor subtil.
Quem desconheça estes autores tem sorte. A surpresa só ocorre uma vez. Que ela tenha lugar este Verão e que o leitor descubra agora estes dois autores portugueses.
(*) Publicado na revista «Os Meus Livros»