22.10.06

Cinco dias à janela

AO MESMO tempo que fazia passar um, sempre difícil, orçamento de contenção e restrições e que o seu partido de apoio obtinha ganho de causa parlamentar sobre o referendo à interrupção voluntária da gravidez, o Governo sofria também, em poucos dias, alguns revezes ou, pelo menos, danos na imagem. Quem serenamente se libertar de dois impérios redutores - o império da rua e o império da sondagem - terá de reconhecê-lo.
É certo que dar a volta a uma crise prolongada e profunda como a nossa no espaço de uma só legislatura é sprint para fundistas. Coisa que, se já é complicada em abstracto, é verdadeiramente dramática no concreto. Porque há danos e consequências que liminarmente decorrem daquilo mesmo que o Governo se propõe fazer e reformar. Ou seja, eram e são previsíveis e planificáveis. Mas há outros que são meras gaffes, episódios de ligeireza e arrogância, bastardias da inexperiência política. Disseram-se coisas politicamente assombrosas em nome da razoabilidade técnica. E este conceito é perigoso. Porque, no plano técnico, a razoabilidade tem pouco a ver com a razão que lhe devia dar origem, é antes a fraca solução que gente sem brio dá aos problemas de gente sem fé. A técnica deve ser rigorosa e deixar a razoabilidade à política. Qualquer declaração, qualquer improviso, instalam um ministro (ou um secretário de Estado) na arena política. É, por isso, prudente que não falem enquanto só tecnicamente dominarem o problema de que querem falar. E os que não pensarem assim, os que alimentam o ego com alardes de frieza tecnocrática, deviam repensar rapidamente a sua real vocação. Ao menos reparem que Teixeira dos Santos, senhor de um perfil tecnicista e incumbido de dar a cara pelos piores ónus deste Governo, ainda não produziu uma palavra politicamente impensada (mesmo quando lhe competiu testar as primeiras reacções a medidas impopulares).
Esta má revisão de bons hábitos vem manifestar-se, ainda por cima, à beira da presidência da União Europeia. Em título, ela ocorrerá apenas no segundo semestre de 2007. Mas para um país de escassos recursos, humanos e materiais, só um excelente aproveitamento da troika permite a esperança de sucesso. O que significa que o busílis está aí em Janeiro. E a própria experiência nos ensina quantos problemas e dispersões isso trará à coesão governativa.
Nuno Brederode Santos
«DN» de hoje [P.H.]

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