Constituição?! Qual Constituição?... (*)
A INSPECÇÃO-GERAL do Trabalho divulgou um relatório onde revela que metade das suas 32 delegações regionais registou "actos de violência contra os inspectores do trabalho, traduzindo-se os mesmos em obstrução à realização da inspecção, em actos de violência verbal e casos de pressão psicológica", citando-se igualmente actos de violência física. O relatório acrescenta o significativo pormenor de os serviços centrais só terem conhecimento dos casos mais graves porque "muitos inspectores se sentem envergonhados em revelarem esses episódios".
O documento em questão foi elaborado no quadro de um inquérito promovido pela União Europeia, na sequência do assassínio de dois inspectores franceses quando se encontravam no exercício das suas funções.
A mais elementar e imediata consideração é que parece ter sido preciso, por um lado, um duplo assassínio e, por outro, o desvelo da Europa para que a Inspecção do Trabalho se preocupasse com o que se passa na sua própria casa. Mas o mais inquietante está bem para além disso.
Os inspectores do Trabalho são funcionários do Estado investidos de poder de autoridade; obstaculizar o seu trabalho, ameaçá-los, pior ainda agredi-los, constitui evidentemente crime que faz incorrer os seus autores - patrões, capatazes, encarregados, seguranças, seja quem for - nas punições que a lei determine e os tribunais apliquem. Contudo, pese este estatuto oficial e os riscos de punição, constata tranquilamente a IGT que tais delitos se verificam na alarmante quantidade que assinala.
A situação coloca imediatamente outra muito mais brutal: se funcionários do Estado com autoridade são assim tratados pelo patronato, que se passa com quem tem a sua vida ligada a esses locais de trabalho, deles é dependente, ali ganha a sua vida? Se um qualquer patrão se considera revestido de impunidade para insultar uma autoridade encarregada pelo Estado de o inspeccionar, qual o seu comportamento face a um homem ou a uma mulher que é seu empregado? Se um "gorila" mascarado de porteiro se sente autorizado a barrar a passagem a um inspector do Estado, que será de esperar do personagem face a um delegado sindical ou a um membro de uma comissão de trabalhadores?
Estado de direito?!
(*) Crónica de Ruben de Carvalho publicada no «DN» de 16 Nov 06 [PH]
4 Comments:
Há uma realidade "politicamente incorrecta" que pouca gente analisa:
Trata-se dos trabalhadores que, nas obras, recusam os procedimentos de segurança.
O facto tende a eternizar-se porque a chefia directa (chefes de equipa, encarregados) são sempre ex-operários que foram promovidos.
A toda a hora se ouve, nos estaleiros "normais":
- Malta, metam lá os capacetes que o chefe está a chegar!
- E tu, vê lá se tiras as sapatilhas, que hoje vem cá o sacana da Segurança...
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Podia estar aqui a contar histórias destas, que nunca mais acabava.
Pois é, esse é o meu dia-a-dia.
Quando for dentro por dizerem que não evidencio a minha actividade de Técnico de Segurança em obrta, levem-me chocolate negro, sempre engorda menos do que o outro.
Pedro Castro.
Rúben de Carvalho enviou para o «Sorumbático» este mail que recebeu de um leitor.
Mais adiante, está a resposta.
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«From: Manuel Maduro Roxo
To: rubencarvalho@mail.telepac.pt
Sent: Friday, November 17, 2006 3:39 PM
Subject: Constituição?! Qual Constituição?...
Senhor articulista
Li o seu artigo e as considerações que produz em especial as seguintes:
A mais elementar e imediata consideração é que parece ter sido preciso, por um lado, um duplo assassínio e, por outro, o desvelo da Europa para que a Inspecção do Trabalho se preocupasse com o que se passa na sua própria casa.
pese este estatuto oficial e os riscos de punição, constata tranquilamente a IGT que tais delitos se verificam na alarmante quantidade que assinala.
Como integro a direção da IGT e sou um inspector do trabalho que nessa qualidade já foi vítima de alguns dos actos noticiados, entendo os juizos de valor que expressou como ofensivos. Independente disso não reconhecí qualquer contibuto, acto de solidadriedade ou qualquer outra coisa para tratar o problema. Apenas fiquei com a ideia que, se todos fossem como o senhor, o melhor seria nunca o denunciar...
Manuel Maduro Roxo»
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Resposta de R. C.:
«Exmo. Sr. Manuel Roxo
Como é evidente, tem todo o direito de ter todas as opiniões que entender sobre aquilo que eu ou outra pessoa escreva, embora me pareça mais discutível que elas se baseiam naquilo que o texto não autoriza.
Nada na crónica em epígrafe diminui ou desmerece, de nenhum ponto de vista (nem sequer quantitativamente), o trabalho dos inspectores da IGT: muito pelo contrário, sublinha-se ser ele feito à custa de sacrifícios e riscos que foram agora tornados públicos pelo relatório agora publicado. É aliás esse relatório que dá origem à crónica; talvez por igorância minha, não tenho conhecimento que a IGT tenha antes revelado publicamente tais situações e problemas de que os seus inspectores têm sido vítimas e as dificuldades que encontram até ao tratamento pela imprensa deste documento que, igualmente segundo o que foi divulgado, resultou de uma iniciativa tomada a nível europeu e não exclusivamente pela própria IGT.
Se alguma crítica existe aqui não será, evidentemente, aos inspectores ou outros funcionários da IGT que desempenhem esforçadamente o seu trabalho, mas ao facto de se manter a opinião pública na ignorância de atentados à legalidade de que eles serão vítimas e, eventualmente, que se não proceda com suficiente diligência na punição das entidades patronais ou relacionadas por eles responsáveis. Silêncios e responsabilidades essas que seriam, parece elementarmente claro, da responsabilidade, isso sim, da IGT enquanto entidade do Estado e de quem o mesmo Estado designa para por ela ser responsável - que não, evidentemente dos seus funcionários, afinais eles próprios vítimas não apenas das situações, mas do silêncio sobre elas criado, ou pelo menos tolerado.
Entretanto, não posso deixar de francamente estranhar que considere como ofensivo para si que alguém sublinhe a evidência de que, se alguém como V. Exa., investido de uma autoridade oficial concedida pelo Estado, pode ser vítima das situações que citei e que V. Exa. confirma e que afirma já ter sofrido, muito pior será certamente a situação de quem - como empregado, delegado sindical, etc - enfrenta os mesmos autores de tais violências em condições de muito maior desprotecção e vulnerabilidade que a de V. Exa.. Isso parece não preocupar V. Exa., mas foi exactamente isso que me preocupou e é essa preocupação que está no texto que escrevi.
Com a devida consideração
Ruben de Carvalho.»
Já se sabe que não é bonito fazer humor com os nomes das pessoas - senão, seria caso para dizer «Há cada Maduro!», pois o cavalheiro toma como ofensivo um texto de Ruben de Carvalho que até devia agradecer e divulgar!!
A iliteracia que o Sr. Maduro demonstra é quase tão preocupante como as situações denunciadas por R.C., e confirma a famosa frase dos elbonianos tontos:
-Já aprendemos a escrever. Agora vamos aprender a ler.
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