5.11.06

Crónica dos Bravos

MUITOS terão pensado que esta nova emergência de independentismo madeirense – cujo estandarte foi brandido, nos últimos dias, por Alberto João Jardim, pelo deputado regional Coito Pita e pelo deputado Guilherme Silva – era uma ameaça de secessão. Não era. Respondendo a Judite de Sousa, Jardim, em noite orgulhosamente portuguesa, explicou que as palavras suadas e apocalípticas do deputado regional não eram uma ameaça, mas uma constatação. Coito Pita estaria, assim, a informar o seu estremecido Portugal de que, das cinzas contabilísticas do episódio das finanças regionais, brotaria, pujante, uma Fénix chamada Flama – que ele naturalmente crê ser o mais formidável pesadelo deste velho Estado unitário. Ao agitar a bandeira da secessão, ele não estaria a fazer proselitismo, mas, muito cìvicamente, a mostrar o trapo e a bufar para todos nós que a tremenda criatura está de volta. Ao revelar tudo isto com pedagógico carinho, Jardim não se demarcou, nem demarcou Guilherme Silva. O que se compreende, na medida em que ambos partilham daqueles patrióticos receios.

Tranquilizou-me: na complexidade de um Estado moderno, não há maior heroísmo que o da quinta coluna da traição. E, na Flama, instalou o pânico e o horror. Afinal, o que pode um grupo de virtuais apátridas – um grupo tão pequeno que Jardim já recebeu no seu gabinete – contra os três poderosos juristas que tão galhardamente lhe saíram ao caminho? Os três ciosos zeladores da Constituição bem sabem que “o Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce”. E, em consequência, Jardim estará já a tomar as medidas executivas que o caso requer, designadamente organizando a rusga que decapitará no ovo a negregada rebelião; Coito Pita, senhor de um verbo de fogo, dará a preciosa cobertura política no Parlamento regional; e Guilherme Silva alertará os seus pares em S. Bento e mobilizará o PSD nacional contra a fronda infame.

E mesmo que tudo corresse pelo pior e a Flama não fosse afinal um mero caso de polícia, a solidariedade nacional e o imperativo constitucional forçariam o Governo central a intervir. Com tropas. Para repor a soberania, restaurar a normalidade e, o que não seria de somenos, libertar Jardim, Coito Pita e Guilherme Silva da sombria caverna no Curral das Freiras, onde, envoltos na verde-rubra e exangues de fome e sede, os bravos se disporiam já a morrer por todos nós.
«DN» 5 Nov 06

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Entre a independência e a manutenção da situação actual, bem podia haver uma solução intermédia:

Uma independência temporária, só até o Sr. Alberto se reformar.

6 de novembro de 2006 às 19:57  

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