3.11.06

Hoje, agora

NÃO SÃO TEMAS da moda do "politicamente incorrecto" nem questões das chamadas "fracturantes", mas problemas básicos - e urgentes - que devíamos lembrar todos os dias na busca de soluções mais eficazes. Refiro-me à pobreza extrema e à catástrofe anunciada para o planeta num quadro de aceleradas alterações climáticas.
Quanto a essa segunda questão, a novidade esta semana foi a tradução económica das consequências do actual deixa-andar e o estabelecimento de metas para que, em duas décadas, não se chegue a uma situação de catástrofe. Segundo o relatório do economista Nicholas Stern, serão necessários investimentos anuais equivalentes a 1% do PIB mundial durante 50 anos para se conseguir a redução necessária da emissão dos gases com efeito de estufa. Senão, os custos (económicos) poderão ser comparáveis aos das duas guerras mundiais.
Também esta semana, os jornais revelaram os dados do projecto Millennium, das Nações Unidas. São números chocantes: cerca de 854 milhões de pessoas lutam com a fome diariamente. 854 milhões de indivíduos - cada um, uma pessoa única e irrepetível, com a sua única e irrepetível marca sobre a Terra - sofrendo todos os dias para conseguir um pouco de comida, um mínimo de subsistência, até ao dia seguinte. Segundo estes dados, e apesar de todos os esforços desenvolvidos, na última década o número de pessoas nestas condições desumanas não desceu, pelo contrário. Sendo que África continua como o grande continente perdido, o lugar do mundo em relação ao qual parece haver menos razões para optimismos.
Dito isto, somos obrigados a guardar esperança. Não a esperança da espera, mas a da acção. Como lembram diferentes vozes, somos talvez a primeira geração com a possibilidade real de erradicar a pobreza do mundo. A mera hipótese devia bastar para nos obrigar a agir. Desde logo, exigindo junto dos nossos governantes as soluções necessárias - soluções de curto e longo prazo, ajudas específicas e pressão diplomática, medidas concertadas internacionalmente contra a corrupção de dirigentes e pelo bem-estar das populações.
Só em conjunto poderemos lutar contra esta ferida aberta do mundo em que vivemos. Gente que brilhasse sobre um chão vivo.

Jacinto Lucas Pires

«DN» de hoje - [PH]

7 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Como sempre sucede quando aqui se indica a sigla [PH], os eventuais comentários serão reencaminhados para o autor do texto.

3 de novembro de 2006 às 12:48  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Os aumentos dos combustíveis e da electricidade, juntamente com a maior sensibilização das pessoas para estes problemas, são uma enorme "janela de oportunidade" para alterar os hábitos portugueses.

O pior é que não temos estadistas - entendendo, por isso, pessoas com visão de longo prazo.

O que é que nos saiu na rifa?

Um ministro do ambiente que propõe parar os táxis 1 dia por semana e a anedótica redução dos 120 para 118km/h nas autoestradas! - por sinal, ajudado de imediato por Manuel Pinho apanhado a 212km/h!

A CML sobe o preço dos parquímetros para - diz ela - reduzir a entrada de carros em Lisboa, apenas aumentando (como posso ver daqui da janela) o estacionamento selvagem.
Quanto aos fiscais da EMEL, que iam passar a fazer mundos e fundos, não vejo NEM UM há vários dias.

Entretanto, um dia destes, um ministro foi notícia (e assunto de reportagem) na TVI porque vai de comboio para o emprego!

3 de novembro de 2006 às 15:36  
Anonymous Anónimo said...

Costuma dizer-se que «O Homem (só) aprende por catástrofes» mas isso, mesmo assim, é uma versão optimista da realidade.

O problema é que as catástrofes ambientais só por acaso afectam quem as provoca - as consequências são quase sempre diferidas, no espaço e no tempo.

Mesmo que não houvesse quaisquer margens para dúvidas, o Homem não está disposto a abdicar, por sua livre iniciativa, do que tem AQUI e AGORA em favor do bem-estar de alguém que há-de viver em 2100.

3 de novembro de 2006 às 15:50  
Anonymous Anónimo said...

Relativamente às catástrofes anunciadas pelo relatório Stern, é bom ter alguma cautela na apreciação. Convem ler, por exemplo, esta crítica de Bjorn Lomborg :
http://www.opinionjournal.com/extra/?id=110009182

Jorge Oliveira

4 de novembro de 2006 às 07:10  
Anonymous Anónimo said...

Choque ambiental


Esta semana começou com a divulgação, em Londres, de um relatório científico que aponta para a necessidade de serem tomadas medidas urgentes de controlo da poluição, perante o risco de o desequilíbrio climático conduzir a Terra a uma catástrofe sem retorno. E a semana acaba com a divulgação de um outro estudo científico que prevê a extinção de todas as espécies marítimas em meio século, se entretanto não mudarmos o modo como exploramos esse recurso natural.

Obviamente, é sempre possível adoptar perante este tipo de estudos algumas atitudes cínicas, que podem ir da desvalorização total até à recentragem do debate em questões periféricas, do tipo "a culpa é de Bush, que não ratificou o Protocolo de Quioto".

A verdade é que, nos últimos anos, se multiplicaram os alertas dos cientistas acerca das maleitas que assolam o planeta. E todas as previsões, mesmo as mais benevolentes, apontam no mesmo sentido: com este modelo de vida e de desenvolvimento, não há Terra que aguente.

Se ouvirmos os discursos da generalidade dos líderes políticos, ou se lermos as conclusões das principais cimeiras internacionais, notaremos que as preocupações ambientais entraram definitivamente na agenda. Elas ajudam até a ganhar eleições, na medida em que atraem para a política pessoas que com ela se desiludiram por outros motivos, e começam mesmo a ser motor de alguns negócios. O discurso do ambiente é, de alguma forma, um discurso "do bem", nessa medida similar ao da solidariedade ou, por exemplo, do combate à pobreza.

Mas, curiosamente, os "consensos naturais" à volta de causas nobres parecem estar destinados ao fracasso, como se nestas matérias funcionasse um qualquer paradoxo do tipo "quanto maior a preocupação sobre um assunto maior é também a possibilidade de ele se resolver".

O discurso ambientalista torna-se, por isso, vazio, na medida em que se esgota na mera preocupação - dos governos aos cidadãos, parece bastar que exista a preocupação, não sendo necessário fazer mais nada.

Obviamente, não é assim. E, obviamente, governos e cidadãos terão de se tornar mais activos, sob pena de ajudarem a cumprir as previsões mais catastrofistas dos relatórios científicos. Em última instância, será necessário mudar o nosso paradigma de qualidade de vida, baseado no desperdício. Em vez de, um dia, sermos obrigados a uma ruptura violenta, não seria melhor começarmos a tomar, desde já, algumas das medidas sobre as quais parece existirem os tais consensos?
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João Morgado Fernandes (DN de 4 Nov 06)

4 de novembro de 2006 às 10:07  
Anonymous Anónimo said...

Vale a pena ler as respostas do Ministro do Ambiente às (poucas) perguntas que o Expresso lhe pôs (pág 18):

P:Limitações para a entrada de carros nas cidades?
R: Nem pensar!

P: O que fazer com o excesso de poluição?
R: Compram-se direitos para poluir mais!

Etc

Estamos, pois, MUITO bem entregues.

4 de novembro de 2006 às 14:59  
Anonymous Anónimo said...

A reacção de muitas pessoas às mais do que previsíveis alterações climáticas é como a do optimista que vai a cair de um 20º andar e que, à medida que vai passando pelas janelas, vai pensando:

«Ora... até aqui, tudo bem!»

8 de novembro de 2006 às 12:44  

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