PALADAR GLOBAL
SABEM O QUE É um «vinho puta»? Uma jovem enóloga gaulesa, Alix de Montille, explica. Um «vinho puta» vem logo ao de cima: é um daqueles vinhos que trepam por nós imediatamente, inundam-nos, alagam-nos, depois largam-nos de repente e acabou-se. De facto, são vinhos produzidos com muita batota. São vinhos traidores. Mas, neste mundo moderno em que já não há tempo para nada, nem para envelhecer naturalmente os vinhos, as pessoas já estão habituadas e gostam de ser enganadas, porque procuram apenas o prazer imediato, mesmo que seja curto e se desvaneça rapidamente.
Tudo isto, e muito mais, é explicado com subtileza e pormenor em Mondovino, o filme-documentário realizado em 2004 por Jonathan Nossiter, exibido há poucos dias na RTP-1 em horário quase nobre. Parece que é só de vinhos que nele se fala mas, de facto, ficamos a conhecer bastante melhor os bastidores, os mecanismos e as consequências da globalização em curso, as suas vantagens, indubitáveis, e os seus inconvenientes, quase sempre devastadores. Vale mesmo a pena ver, porque se aprende com prazer.
Os protagonistas do filme são, fundamentalmente: a poderosa família Mondavi, cujo império vinícola se estende de Napa Valley, na Califórnia, à Austrália, à França, à Itália ou ao Chile, para só citar algumas vinhas já «colonizadas»; o enólogo ambulante, winewmaker e wine consultant francês Michel Rolland, mago da micro-oxigenação das pipas de carvalho novo, in loco ou via telemóvel; e o «Papa» da crítica de vinhos norte-americano, Robert Parker, que estabeleceu o «cânone» do sabor e do gosto – o «paladar global» – e é o feiticeiro que faz a chuva e o bom tempo, isto é, que influencia os preços no mercado mundial dos néctares. São todos amigos, sobretudo a dupla Parker-Rolland. Parker ainda chegou a incomodar os Mondavi com classificações pouco abonatórias dos seus vinhos, mas deixou-se disso desde que Michel Rolland – que já «faz vinho» em 12 países – foi contratado para «micro-oxigenar» as pipas dos Mondavi. Bruxos!
Há cerca de três décadas que o sabor dos vinhos está a ser globalizado e o gosto dos consumidores uniformizado pelo diapasão da tríade Mondavi-Parker-Rolland. E até já se fala em vinho «parkerizado». Vale tudo, inclusive a falcatrua, para produzir vinhos normalizados, aromatizados, coloridos, maquilhados, nivelados artificialmente em pipas de carvalho novo, com um sabor a baunilha, que agradem ao paladar de Parker.
Os vinhos de marca globais, quase iguais, prevalecem sobre os vinhos de terroir, com o sabor característico dos locais em que são produzidos e a boa acidez que permite que sejam guardados para maturarem durante vários anos. Há núcleos de resistência, na Borgonha, no Languedoc e na Sardenha, por exemplo. Mas os «colaboracionistas», que seguem os senhores de Napa Valley e querem «vinhos imediatamente fáceis de beber», chamam-lhes «terroiristes». É possível ser moderno e preservar as tradições. A questão é saber se é possível resistir ao poder do dinheiro e à ditadura do paladar global.
[Adapt. do «DN» de 10 de Nov 06]
Tudo isto, e muito mais, é explicado com subtileza e pormenor em Mondovino, o filme-documentário realizado em 2004 por Jonathan Nossiter, exibido há poucos dias na RTP-1 em horário quase nobre. Parece que é só de vinhos que nele se fala mas, de facto, ficamos a conhecer bastante melhor os bastidores, os mecanismos e as consequências da globalização em curso, as suas vantagens, indubitáveis, e os seus inconvenientes, quase sempre devastadores. Vale mesmo a pena ver, porque se aprende com prazer.
Os protagonistas do filme são, fundamentalmente: a poderosa família Mondavi, cujo império vinícola se estende de Napa Valley, na Califórnia, à Austrália, à França, à Itália ou ao Chile, para só citar algumas vinhas já «colonizadas»; o enólogo ambulante, winewmaker e wine consultant francês Michel Rolland, mago da micro-oxigenação das pipas de carvalho novo, in loco ou via telemóvel; e o «Papa» da crítica de vinhos norte-americano, Robert Parker, que estabeleceu o «cânone» do sabor e do gosto – o «paladar global» – e é o feiticeiro que faz a chuva e o bom tempo, isto é, que influencia os preços no mercado mundial dos néctares. São todos amigos, sobretudo a dupla Parker-Rolland. Parker ainda chegou a incomodar os Mondavi com classificações pouco abonatórias dos seus vinhos, mas deixou-se disso desde que Michel Rolland – que já «faz vinho» em 12 países – foi contratado para «micro-oxigenar» as pipas dos Mondavi. Bruxos!
Há cerca de três décadas que o sabor dos vinhos está a ser globalizado e o gosto dos consumidores uniformizado pelo diapasão da tríade Mondavi-Parker-Rolland. E até já se fala em vinho «parkerizado». Vale tudo, inclusive a falcatrua, para produzir vinhos normalizados, aromatizados, coloridos, maquilhados, nivelados artificialmente em pipas de carvalho novo, com um sabor a baunilha, que agradem ao paladar de Parker.
Os vinhos de marca globais, quase iguais, prevalecem sobre os vinhos de terroir, com o sabor característico dos locais em que são produzidos e a boa acidez que permite que sejam guardados para maturarem durante vários anos. Há núcleos de resistência, na Borgonha, no Languedoc e na Sardenha, por exemplo. Mas os «colaboracionistas», que seguem os senhores de Napa Valley e querem «vinhos imediatamente fáceis de beber», chamam-lhes «terroiristes». É possível ser moderno e preservar as tradições. A questão é saber se é possível resistir ao poder do dinheiro e à ditadura do paladar global.
[Adapt. do «DN» de 10 de Nov 06]
Etiquetas: AB
2 Comments:
Há um fenómeno semelhante de adulteração do sabor de outras bebidas, alcoólicas ou não. Trata-se de aumentar as quantidades de açúcar do produto de forma a ter um gosto mais "globalizado". Todas as bebidas se vendem mais, mesmo os célebres "amaretos" italianos a maior parte dos quais de amargo já não têm nada...
São sempre muito interessantes estas crónicas de A.B.
Porque será que no DN não metem estas imagem que, aqui, valorizam tanto os textos?
Enviar um comentário
<< Home