Corpos e almas
PROPÔS-SE ESTE GOVERNO subordinar o que lhe vai na alma às urgências orçamentais e financeiras que condicionam todos os corpos e almas do regime. A intenção não é nova e até já fez as suas baixas: Durão Barroso tentou o mesmo e desistiu, Santana Lopes quis fingir que não era nada e foi desistido. As dificuldades actuais da oposição de direita não resultam só de PSD e CDS estarem em oposição a uma maioria absoluta, mas também do facto de eles terem perdido a sintonia com o seu eleitorado. Este aceita e quer (globalmente, pelo menos) que se endireite o que estruturalmente se entortou, repondo-se um ponto de partida que permita a saudável e plural competição de todos os programas partidários. E suspeita que a oposição, numa casuística sem rumo nem agenda, apenas quer o fracasso da governação, como se fosse o PS o único a sofrer-lhe as consequências.
Mas, para o Governo e para o PS, não há um cenário de recuo, nem inteligente, nem inteligível. Como na historieta do homem que nada até meio do rio e, por cansaço e receio, volta à margem de partida, para só então se aperceber de que, com o mesmo esforço e risco, teria já passado à outra margem. A lógica de mudança, que a direita nem fez passar do discurso, terá de fazer o seu caminho, mas dentro de parâmetros e salvaguardas que não a comprometem.
Primeiro: a continuidade das políticas sociais que defendam os mais pobres dos efeitos imediatos das reformas. Algo se fez, contra muitas previsões, mas mais se terá de fazer. Segundo: a enunciação de um desígnio para a próxima legislatura que, por já não estar tão subordinado às contingências financeiras, permita ao PS concorrer com um programa próprio e demarcado, e não como mera guarda avançada de uma frente nacional contra a crise. Se estas coisas não forem feitas, o PS que, em 2009, se sujeitasse ao juízo popular não teria uma alma para mostrar e propor ao País.
Boa parte disto joga-se em 2007. Pior: em parte de 2007. Porque a preparação da presidência portuguesa deverá intensificar-se bem antes do mês de Julho e o Ministério dos Negócios Estrangeiros terá de ser apenas o coordenador no terreno de esforços que largamente o transcendem, porque requererão o empenhamento de vários outros ministérios. E a partir daí não há que esperar senão a gestão do curso do que já foi reformado, pois mexer no que é estrutural a um ano de eleições é um lirismo que nem a quadra comporta.
«DN» de 31 Dez 06
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4 Comments:
Cito o autor :
(...) a oposição, numa casuística sem rumo nem agenda, apenas (...)
Digo eu :
Casuística, substantivo feminino (antes da TLEBS), significa "parte da teologia que estuda os casos de consciência pelas regras da razão e da religião".
Era mesmo isto que o caro Brederode Santos queria dizer ... ?
Jorge Oliveira
Caro Jorge,
De facto, essa é a definição que se encontra, p. ex., no dicionário da TEXTO EDITORA.
Mas vê lá esta frase do romance «O Navegador Solitário», de João Aguiar (pág. 265):
«... pronto a votar casuisticamente, em futuros actos eleitorais, na formação ou no candidato que a minha consciência sugerisse», ou seja: Votando num ou noutro, caso a caso.
Continuando:
No entanto, no CIBERDÚVIDAS há uma pergunta e uma resposta que dizem o contrário do que eu atrás referi:
«casuisticamente não significa caso-a-caso»
Caro Medina
É pena que o autor do texto não se pronuncie. Certamente não necessita da tua procuração.
Jorge Oliveira
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