20.1.07

A paternidade é um espermatozóide?

O TRIBUNAL DE TORRES NOVAS acha que a paternidade é uma extensão do acto sexual, como se os filhos viessem agarrados aos espermatozóides. Por isso, numa sentença que entra directamente para a galeria das maiores barbaridades já cometidas neste país, enfiou com um homem na prisão durante seis anos por ele se atrever a dizer que é sua uma criança que criou desde os três meses de idade e que faz cinco anos daqui a 23 dias. É um exemplo extraordinário de cegueira judicial, que no futuro certamente será estudado nas escolas de Direito. Porque, em última análise, o que o tribunal de Torres Novas decidiu é que os direitos de um pai biológico são mais importantes do que a felicidade de uma criança. E isso é inaceitável.
O processo através do qual o sargento do Exército e a sua mulher receberam a bebé pode até ser duvidoso, mas o facto é que o pai biológico só se mostrou interessado em ficar com a filha quando confirmou a paternidade através de testes de DNA, tinha ela já mais de um ano de idade. Por essa altura, a menina estava há cerca de nove meses em casa dos pais adoptivos, que com certeza lhe aplacaram as cólicas, mudaram as fraldas, aturaram o nascer dos dentes, apoiaram os primeiros passos, resistiram às noites sem dormir. Aqueles nove meses não são nove meses - são nove anos, são as fundações do afecto e do amor que os pais sentem pelos seus filhos. Quem, nessas condições, abandonaria a criança por ordem de um qualquer tribunal, para ela ser entregue a um homem que nunca antes vira?
Até admito que o pai biológico esteja em grande sofrimento interior, e todas as noites verta lágrimas sobre os peluches que gosta tanto de mostrar à comunicação social. Mas o seu sofrimento não é comparável ao trauma que a criança sofreria se agora fosse arrancada aos únicos pais que conhece. Pai é quem cuida dos filhos, não é quem os faz, e é inconcebível que um tribunal defenda o primado do espermatozóide sobre anos de afecto e de amor. Libertar o sargento Luís Gomes não é só um acto de justiça - é uma obrigação moral, que a todos compromete.
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João Miguel Tavares - «DN» de 20 Jan 07 - [PH]

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Como toda a gente sabe o Entroncamento é conhecido como a terra dos fenomenos. Certo?
Ora, Torres Novas fica mesmo ali ao pé.

24 de janeiro de 2007 às 14:06  

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