11.3.07

Timor na Praça do Município

AS FACÇÕES DIGLADIAM-SE, a desordem reina, ninguém consegue dirigir nada e as esperanças de uma qualquer solução ou acordo são nulas. Não, não estamos a falar de Timor. Estamos a falar do município de Lisboa.
Ao lado dos Estados falhados os municípios falhados. Sem hipótese de intervenção externa que restabeleça um simulacro de ordem.
Não vale a pena culpar pela situação o Sr. Carmona.
Já toda a gente percebeu que ele está lá inteiramente por acaso: ia a passar na rua e alguém o convenceu ir para aquele lugar. Ele tentou e depois desistiu.
Também não valer pena falar de culpa in eligendo de quem o pôs lá. Santana Lopes é politicamente inimputável e Marques Mendes não podia afastar ao mesmo tempo o Sr. Isaltino (a quem o PS tratou de abrir caminho), o sr. Valentim e também o sr. Carmona. Jogou no mal menor e perdeu.
Além disso, aquelas ligações suspeitas com certos empresários da construção civil são uma tradição persistente no município de Lisboa. Vem tudo do tempo do PS. Não veio o Sr. Domingos Névoa de Braga, um dos municípios mais socialistas (num certo conceito de socialismo) do País?
Tudo isto nos faz regressar a Timor: como é possível que aí se não encontre uma solução política para a guerra civil?
Como é possível também que em Lisboa se não discuta como vai ser reabilitada a Baixa e os bairros tradicionais (a única coisa que Lisboa tem para mostrar a quem desembarque por aqui) em vez de quem é, e quem ainda não é, arguido?
A questão imediata é saber se não haverá nenhum munícipe razoavelmente honesto e com um mínimo de experiência de gestão para arrumar aquela imensa confusão e pagar aquelas dívidas; as circunstâncias desaconselham gestores públicos tipo Mega Ferreira com grande talento para gastar o dinheiro dos contribuintes deixando muitas obras e muitos milhões de contas por pagar.
Disso já tivemos que chegue.
A outra questão é pensar a imensa fraude que é o poder autárquico criado pela Constituição de 1976: o panorama global vai desde o puro e simples peculato até à empresa municipal criada exclusivamente para assaltos à mão jurídica ao bolso dos contribuintes.
Ao menos nestes casos a lei é religiosamente cumprida: o que é que impede um município que de criar uma empresa municipal com três administradores e dois assalariados para publicar o jornal do concelho? O que é que impede a EPUL de contratar uma imobiliária para alienar as suas construções?
Do ponto de vista estritamente legal, levando em conta os amplos poderes que detém o gestor de uma empresa municipal, até se pode concluir que estes senhores, de uma maneira geral, observam uma certa contenção. Há casos em que se limitam a receber remunerações e ajudas de custos por funções inexistentes sem se apropriarem de nada.
Contra tudo isto não há Tribunal de Contas que nos valha. Mesmo que o ministério público não arquivasse os processos e o sistema judicial tivesse uma função dissuasória o poder local, com esta estrutura constitucional, seria sempre um cadáver apodrecido a poluir o sistema político português.
«Expresso» 10 Mar 07

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este post tem a curiosidade de vir logo a seguir ao de Pedro Barroso em que este aborda as "formas de tratamento".

Aqui, S. Sanches refere-se ao Eng. Carmona Rodrigues como "Sr. Carmona", talvez para compensar o facto de as pessoas tratarem o Sr. Sócrates por "Engenheiro" o que, à face da lei que define quem tem direito a esse título, não é...

Ed

11 de março de 2007 às 11:38  
Anonymous Anónimo said...

(...) a imensa fraude que é o poder autárquico criado pela Constituição de 1976 (...)

O autor do artigo acertou no essencial.

O poder autárquico é um autêntico cancro que se instalou no país após o 25 de Abril.

Jorge Oliveira

11 de março de 2007 às 15:24  

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