A inaudita história do excursionista distraído
Por Carlos B. Esperança
O GRUPO, com mais de meia centena de casais, distinguia-se de uma companhia de circo pelo carácter facultativo e improvisado dos números a exibir. Era uma viagem de recreio proporcionada pela empresa aos empregados e aberta a acompanhantes.
A véspera fora divertida. Durante a tarde, o Pimentel, excelente criatura e jogador inveterado, não resistiu à aposta com que foi desafiado para recolher algumas moedas no lago junto ao hotel. Foi vê-lo a combinar o valor em cervejas e a despir-se de imediato ficando em cuecas, que simulavam bem um calção de banho, e…zás, entrou no lago e recolhia-as quando turistas americanos, hospedados no mesmo hotel, lhe atiraram outras moedas julgando ser aquela a ocupação do velho profissional da indústria farmacêutica.
A véspera fora divertida. Durante a tarde, o Pimentel, excelente criatura e jogador inveterado, não resistiu à aposta com que foi desafiado para recolher algumas moedas no lago junto ao hotel. Foi vê-lo a combinar o valor em cervejas e a despir-se de imediato ficando em cuecas, que simulavam bem um calção de banho, e…zás, entrou no lago e recolhia-as quando turistas americanos, hospedados no mesmo hotel, lhe atiraram outras moedas julgando ser aquela a ocupação do velho profissional da indústria farmacêutica.
Antes do jantar de gala no casino do hotel – o Palace de Lucerna –, enquanto Von Karaian, velho nazi e excelso regente de orquestra se afligia com o nosso ruído e a demora do táxi que o levaria à sua orquestra, íamos apinhando o átrio e apreciando os trajes de cerimónia que o jantar no Palace exigia.
O Hortênsio falava alto, por hábito, mas perdeu o pio quando o Júlio saiu do elevador com um fato igual ao seu, ambos da fábrica de Coimbra, que vendia ao público, onde o preço e a coincidência de gostos os levou em ocasiões diferentes. Sentiram-se uniformizados e passaram o jantar amuados, com as respectivas mulheres coradas, aumentando a boa disposição. Aos outros, claro.
Mas foi na manhã seguinte que aconteceu a mais hílare situação dessa viagem à Suíça, protagonizada pelo Sousa Dias. O Sousa Dias era alferes quando uma bala simulada lhe cegou um olho, o que pode suceder e a ele aconteceu. Foi reformado das Forças Armadas, ao serviço de quem sofrera o acidente, com cento e tal escudos mensais. Valeu-lhe a multinacional farmacêutica onde auferia um vencimento digno que, depois do 25 de Abril, passou a acumular com o de major, posto onde pouco se demorou para acompanhar na promoção ao posto seguinte os oficiais do mesmo curso da Academia Militar.
O Sousa Dias era um poço de boa disposição e excelente humor que repartia com amigos e desconhecidos.
Na véspera da saída de Lucerna e da viagem ao Monte Títlis, onde são perpétuas as neves e intenso o frio, a guia da agência de viagens avisara que a saída seria às seis horas e que as malas estariam no corredor às cinco e meia a fim de os bagageiros as carregarem para os autocarros.
O pequeno-almoço, dada a hora matinal, era servido no quarto, onde, para além dos viajantes agasalhados para temperaturas negativas que os aguardavam na montanha, apenas ficaria a bagagem de mão.
À hora marcada as malas estavam nos porões dos autocarros e os passageiros nos respectivos lugares. Enquanto a guia contava os passageiros alguém gritou com ar aflito: falta o Sousa Dias!
Do casal nem sinais. A espera parecia infinda e o desassossego devolveu à rua os excursionistas.
Alguém notou que numa janela do hotel havia gestos aflitos a clamar. Era o Sousa Dias, só podia ser ele. Da rua faziam-lhe gestos para que viesse, da janela vinha o pedido para irem lá.
No impasse alguém se dispôs a regressar ao hotel e apurar o motivo do atraso.
Dois voluntários partiram a esclarecer o insólito atraso. A porta já estava aberta e, sentada na cama, a Maria de Lurdes escondia a cara sem se perceber se era choro, riso ou ambos que a prostravam. O Sousa Dias, cheio de camisolas, cachecol, casaco de lã, cuecas, meias grossas, tinha ao lado umas imponentes botas de montanha à espera de um tenente-coronel que entrasse nelas.
Com ar comprometido pediu aos emissários que lhe devolvessem as malas. Não sabia de qual precisava. Na pressa das arrumações tinha despachado as calças que jaziam no porão de um dos autocarros.
«Jornal do Fundão» - 10 de Maio de 2007O Hortênsio falava alto, por hábito, mas perdeu o pio quando o Júlio saiu do elevador com um fato igual ao seu, ambos da fábrica de Coimbra, que vendia ao público, onde o preço e a coincidência de gostos os levou em ocasiões diferentes. Sentiram-se uniformizados e passaram o jantar amuados, com as respectivas mulheres coradas, aumentando a boa disposição. Aos outros, claro.
Mas foi na manhã seguinte que aconteceu a mais hílare situação dessa viagem à Suíça, protagonizada pelo Sousa Dias. O Sousa Dias era alferes quando uma bala simulada lhe cegou um olho, o que pode suceder e a ele aconteceu. Foi reformado das Forças Armadas, ao serviço de quem sofrera o acidente, com cento e tal escudos mensais. Valeu-lhe a multinacional farmacêutica onde auferia um vencimento digno que, depois do 25 de Abril, passou a acumular com o de major, posto onde pouco se demorou para acompanhar na promoção ao posto seguinte os oficiais do mesmo curso da Academia Militar.
O Sousa Dias era um poço de boa disposição e excelente humor que repartia com amigos e desconhecidos.
Na véspera da saída de Lucerna e da viagem ao Monte Títlis, onde são perpétuas as neves e intenso o frio, a guia da agência de viagens avisara que a saída seria às seis horas e que as malas estariam no corredor às cinco e meia a fim de os bagageiros as carregarem para os autocarros.
O pequeno-almoço, dada a hora matinal, era servido no quarto, onde, para além dos viajantes agasalhados para temperaturas negativas que os aguardavam na montanha, apenas ficaria a bagagem de mão.
À hora marcada as malas estavam nos porões dos autocarros e os passageiros nos respectivos lugares. Enquanto a guia contava os passageiros alguém gritou com ar aflito: falta o Sousa Dias!
Do casal nem sinais. A espera parecia infinda e o desassossego devolveu à rua os excursionistas.
Alguém notou que numa janela do hotel havia gestos aflitos a clamar. Era o Sousa Dias, só podia ser ele. Da rua faziam-lhe gestos para que viesse, da janela vinha o pedido para irem lá.
No impasse alguém se dispôs a regressar ao hotel e apurar o motivo do atraso.
Dois voluntários partiram a esclarecer o insólito atraso. A porta já estava aberta e, sentada na cama, a Maria de Lurdes escondia a cara sem se perceber se era choro, riso ou ambos que a prostravam. O Sousa Dias, cheio de camisolas, cachecol, casaco de lã, cuecas, meias grossas, tinha ao lado umas imponentes botas de montanha à espera de um tenente-coronel que entrasse nelas.
Com ar comprometido pediu aos emissários que lhe devolvessem as malas. Não sabia de qual precisava. Na pressa das arrumações tinha despachado as calças que jaziam no porão de um dos autocarros.
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