LISBOA, APESAR DE TUDO...
Por Nuno Brederode Santos
HÁ AGENTES QUE ENCARAM a sua intervenção política como uma aventura responsável que se premeia a si mesma ao ser vivida. Há outros que a concebem como uma carreira, um crescendo de situações pessoais feito de cálculos, prudências e cautelas e cujo prémio está fora ou para além dele. Aqueles escasseiam, estes abundam. O realismo manda reconhecer que todos são necessários. Mas não é proibido gostar mais dos primeiros. António Costa voltou a provar estar entre eles.
Da banca, dizia um velho banqueiro, Cupertino de Miranda: "Sem risco, este negócio é imoral". António Costa transferiu o ditame para a política e trocou a Administração Interna por uma nova aventura responsável: a presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Em 1989, Sampaio inaugurou o salto sem rede de um líder do maior partido da oposição a esse lugar. E já então António Costa teve um papel de relevo. Dessa experiência resultou a "descoberta" da importância política e do poder que vinham com a presidência da cidade capital. Agora, quando estes últimos anos vinham confinando o cargo à prepotência burocrática, ao desenrascanço sem regras, à pedinchice financeira e aos turvos improvisos negociais, ele resolveu dar a cara e aceitar os riscos - que são reais - para restituir a Lisboa a elementar dignidade de se saber governar.
Alguns adversários já o criticaram por abandonar o Ministério da Administração Interna. Creio que o elogio que assim lhe fazem não terá sido intencional. Mas, não havendo insubstituíveis, o mérito que se exige aos dificilmente substituíveis é que facilitem a sua substituição. Quem conseguiu fazer tanta falta no MAI não tem direito, ao menos, a esse benefício da dúvida?
Sugeriram também que seria curioso vê-lo amanhã na câmara a desdizer a bondade de uma Lei das Finanças Locais que, se não fez, inspirou. Mas, em entrevista à TVI, ele matou no ovo essas veleidades: "Penso hoje o mesmo que pensava há quatro dias".
Discutem ainda se Sócrates correu com ele ou se ele abandonou Sócrates. Sempre acontece quando uma decisão é boa e surpreende. Este afã biográfico, esta arqueologia das mentes, acabam por conter em si uma homenagem: procuram sujar nas motivações presumidas o que não conseguem sujar nos resultados comprovados.
O PS fez um bom negócio. Porque, se é certo que a responsabilidade política do caos instalado no governo da cidade é por inteiro imputável ao PSD, também o é que a progressiva desintegração do PS na oposição camarária se foi tornando notória. Uma imagem global videirinha e sem grandeza. Divisões inexplicadas em votações importantes. Saídas, quezílias, perdas de confiança política e tantas mudanças de cara que o eleitorado não conseguiu reter nenhuma. Forte no Governo, mas também no partido, era Costa quem tinha os meios para fazer o indispensável: mudar tudo, não deixar pedra sobre pedra. Com a rapidez e a precisão do faroeste (na versão Sérgio Leone), ele demonstrou essa intenção: primeiro com os mandatários, depois com a composição da lista - nomeando quem escolheu e com largueza de critério. Porque os critérios partidários a nível local serão muito respeitáveis para os militantes, mas desde que preservem a transparência e não se afirmem à custa dos direitos dos munícipes. E, afinal, consegue alguém imaginar um aparelho concelhio a tentar condicionar a liderança de Costa na câmara?
É claro que está tudo a começar e que a campanha, em sentido estrito, nem isso. Que o êxtase fácil dos basbaques não é boa mezinha para as maleitas da cidade. Que, para quem não nasceu num falanstério nem vai morrer no eldorado - como quase todos nós -, não faltarão as oportunidades e o espaço para a crítica, plural e diversa. Felizmente. Mas pôr algum entusiasmo cívico na abulia fatal a que chegámos e ver florir alguma cor no cinzentismo de alma de quem habita Lisboa já nem releva da caridade, mas da sobrevivência pura e simples.
«DN» de 20 de Maio de 2007
Etiquetas: NBS
5 Comments:
Nuno Brederode Santos:
Li este artigo com o mesmo encantamento com que lia os «Factos e Documentos» na Seara Nova, há quatro décadas.
Parabéns.
Este artigo de Brederode Santos não era necessário. Então António Costa não é socialista !? É ! Logo... possui a superioridade moral e intelectual com que a Providência dotou os socialistas.
Jorge Pacheco de Oliveira
Compreende-se que Lisboa (como capital do País, gerida por pessoas indicadas por partidos), seja TAMBÉM palco de lutas partidárias. É assim em todo o lado, é natural, e não tem nada de mal.
O problema é quando deixa de ser TAMBÉM para a ser o objectivo principal.
«Vamos derrotar Sócrates e a sua política!» - berrará o PCP.
«Estas eleições serão uma grande manifestação de apoio ao governo!» - berrarão pessoas como Jorge Coelho.
O certo é que Lisboa não fica melhor nem pior com Coligações de Direita ou com Coligações de Esquerda, pelo menos tal como as temos "gramado":
Já a experimentámos todas, e todas levaram a Cidade a um estado tal que só me sinto bem quando posso fugir dela:
ETERNAMENTE porca, desorganizada, com trânsito caótico, estacionamento selvagem e pedintes profissionais; grafitada, com uma PSP que não faz aquilo para que lhe pagamos e, acima de tudo, cheia de pessoas que não a amam.
E, pairando acima disso tudo (leia-se: dos problemas REAIS dos lisboetas) uma classe política que apenas se preocupa consigo mesma: «Costa afirmar-se-á ou não?»; «Roseta esvaziará o B.E.?»
O artigo seguinte parece-me certeiro:
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O maior problema de Lisboa,
Jornal Público
10.05.2007
Paulo Varela Gomes
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Lisboa é um assunto demasiado sério para ser deixado à elite lisboeta, responsável por a cidade ter chegado onde chegou
A julgar por quase todos os comentadores, jornalistas e lisboetas opinativos, os maiores problemas de Lisboa são o descrédito político da actual maioria camarária e o estado das finanças locais.
Na minha opinião, estes são problemas importantes mas secundários. O maior problema de Lisboa são os fazedores de opinião de Lisboa, precisamente esses que dizem que os maiores problemas de Lisboa são... etc e tal. Na verdade, achar que o problema de Lisboa tem que ver com maiorias camarárias ou finanças é indicativo de uma extraordinária miopia política e cultural que mostra muito precisamente o seguinte: Lisboa é um assunto demasiado sério para ser deixado aos lisboetas. Não me refiro à maioria dos lisboetas, aos lisboetas das 9-às-5, mas sim à elite lisboeta, aos fazedores de opinião lisboetas, aos seus colunistas, jornalistas, cineastas, escritores, poetas, músicos, actores - todos aqueles e aquelas que mostram Lisboa a si mesmos e aos outros, são ouvidos sobre Lisboa, fazem a "imagem" de Lisboa.
São estes e estas que têm a responsabilidade de ter deixado chegar Lisboa ao estado a que chegou ao longo de sucessivas gestões camarárias de gente sem visão e sem rasgo, incluindo Jorge Sampaio, João Soares, Santana e Carmona.
A elite (e os jovens, os jovens...) de Lisboa têm essa responsabilidade porque, iludidos pelo aumento da oferta cultural e de entretenimento que a cidade sem dúvida vem experimentando nas últimas décadas, não viram - literalmente não viram e não vêem - a degradação do espaço público, a fealdade crescente, a decadência brutal da qualidade de vida de Lisboa, uma das cidades menos user friendly da Europa, certamente a mais descuidada, suja, anárquica e rasca das suas capitais.
A elite de Lisboa, aos gritinhos de contentamento com o "cosmopolitismo" da sua cidade, nem ao menos tem o discernimento de detectar o paternalismo condescendente com que os estrangeiros olham para o terceiro-mundismo dos graffiti, do lixo, dos carros estacionados por toda a parte, dos edifícios em cacos, do horror dos subúrbios, da vergonha das entradas na cidade, da porcaria dos transportes públicos, do inferno do trânsito.
Esta elite, toda satisfeita, deixou a política de Lisboa aos políticos de Lisboa. E estes são tal e qual aquilo que Pacheco Pereira escreveu no PÚBLICO de 5 de Maio último, num dos mais certeiros e dramáticos textos alguma vez produzidos sobre a política portuguesa (Pacheco Pereira esqueceu-se do PCP, cujo aparelho lisboeta é do mesmo género que os do PSD e do PS; esqueceu-se até do facto de que a posição camarária dos comunistas em Lisboa constitui um dos factores históricos mais importantes da acomodação do PCP ao regime; pelas sinecuras da Câmara Municipal de Lisboa, o PCP passou a estar disposto a vender a alma. E vendeu-a várias vezes).
O abandono da política de Lisboa pela sua elite é espelhado exemplarmente naquilo que sucedeu ao Bloco de Esquerda, um partido que deveria ser eco dessa elite mas que está entregue de pés de mãos atados a um candidato.vereador com mentalidade de polícia.
Ora - e aqui é que está o busílis - Lisboa não é uma cidade qualquer. Lisboa não pertence aos lisboetas. Nem sequer aos portugueses. Lisboa é o único património genuinamente mundial existente em Portugal. Há pouquíssimas cidades que, simbolicamente, pertençam ao mundo inteiro. Portugal tem a sorte incrível, construída na história, de contar com uma.
É possível pôr de acordo muita gente em volta de uma lista reduzida de cidades reconhecíveis como património mundial simbólico. Na América do Norte, em boa medida graças ao cinema, este património é constituído por Nova Iorque, Los Angeles, talvez já Las Vegas e Miami. Na América Latina, temos a Cidade do México, Havana, o Rio, S. Paulo, Buenos Aires. Na África, o Cairo, Alexandria, Fez ou Marraquexe. Na Ásia, Istambul, Jerusalém, Bagdad (a das Mil e uma Noites do Califa e das mil e uma bombas das guerras de hoje), Delhi, Bombaim, Pequim, Xangai, Tóquio, talvez já Singapura. Na Oceânia, Sydney entra nesta lista como a cidade que ascendeu ao patamar simbólico graças a um único edifício, a ópera.
Tão-pouco na Europa - o sítio a partir do qual faz sentido pensar nestes simbolismos - há muitas cidades-símbolo: em Espanha, só Barcelona, talvez Sevilha (mas não Madrid). E Paris, Roma, Veneza, Nápoles, Londres, Berlim, Viena, Atenas, Moscovo, S. Petersburgo (enquanto durar a memória da revolução e da guerra).
É nesta liga do campeonato que se situa Lisboa. Não porque seja uma cidade monumental. Mas porque foi caput mundi nas imaginações do século XVI, porque viveu a nostalgia disso desde então, porque foi a cidade do terramoto de 1755, porque, potencialmente, é uma cidade capaz da maior beleza, não a dos monumentos ou a da grandiosidade, mas a da gentileza, da atmosfera, da memória física e simbólica de um mundo não centrado na Europa.
É isso que Lisboa anda a desperdiçar com autarcas medíocres, sem capacidade de imaginar um projecto para a cidade, e que a deixam degradar-se. É isso que está ameaçado pela estupidez tecnocrática desses autarcas que ameaça "modernizar" Lisboa de modo a fazê-la igual a todas as outras cidades.
Os lisboetas não são os donos de Lisboa. São, quanto muito, os seus locatários presentes. Têm como responsabilidade cuidar da cidade e passá-la em bom estado às gerações futuras.
A primeira coisa que devem fazer é pôr-se à procura de uma candidatura independente com um projecto para Lisboa como cidade mundial.
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Paulo Varela Gomes, Historiador
«São estes e estas que têm a responsabilidade de ter deixado chegar Lisboa ao estado a que chegou ao longo de sucessivas gestões camarárias de gente sem visão e sem rasgo, incluindo Jorge Sampaio, João Soares, Santana e Carmona».
Não podia estar mais de acordo com isso, q se lê no comentário anterior. Lisboa é uma espécie de quarto dos brinquedos com q a classe política se entretém.
Quantos, de entre eles, se preocupam mesmo c/ as realidades q fazem o inferno-real dos lisboetas?
Nem vamos mais longe: quantos deles andam regularmente no metro em hora de ponta?
Acredito q, lá no fundo, alguns se preocupem "um bocadinho".
Mas já lá estiveram todos os partidos e o q se vê (e fizeram) não dá quaisquer esperanças de q venha a ser diferente.
Ed
WWW.TSF.PT:
«O PS não autoriza que a ministra da Educação seja questionada, no parlamento, sobre o caso do professor suspenso e alvo de um processo disciplinar por ter dito uma piada sobre a licenciatura de José Sócrates. Toda a oposição exige a presença de Maria de Lurdes Rodrigues no parlamento».
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Isto não podia vir em "melhor altura", pois poucas situações - como esta - mostram no que podem dar as "maiorias absolutas" que agora, e mais uma vez, são pedidas.
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