23.6.07

Até que a morte nos separe

Por leitora devidamente identificada
UMA JUNTA MÉDICA DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES obrigou uma professora, de 63 anos de idade e mais de 30 de ensino, doente de leucemia, a interromper o seu atestado médico e a retomar o trabalho, durante “31 dias de agonia, entre vómitos e desmaios em plena aula”, como testemunha o seu colega J. Sousa Dias (Público, 16 /06/07), vindo a morrer pouco depois.
A decisão desta Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, fazendo tábua rasa dos documentos, relatórios e atestados de outros médicos e especialistas – prática generalizada e constante deste organismo –, pela sua desumanidade, repugnante e criminosa, veio mostrar com toda a crueza o procedimento brutal e arbitrário a que centenas de profissionais são sujeitos, mas que tem tido pouca visibilidade por se passar na privacidade de um gabinete, entre o doente (que está sozinho e vulnerável) e os três médicos que compõem a Junta.
Conhecendo todos os dados profissionais do requerente e o historial da sua doença ou incapacidade, comprovada por relatórios e atestados médicos exigidos, a decisão da Junta deve ser tomada a partir dessas informações, segundo uma “tabela” oficial que quantifica o grau de incapacidade do doente, tabela reformulada há pouco tempo de modo a dificultar ao mais alto grau, a aposentação por motivos de doença.
Conheço apenas um caso com um final feliz, porém abundam as histórias de muitos colegas que, tal como eu, foram tratados como vigaristas, insultados e humilhados por essas Juntas, em alguns casos com tal grosseria e brutalidade que mais parecia estar o doente num interrogatório de torcionários, do que diante de médicos que fizeram um juramento humanitário. O processo, o método e a postura destes profissionais parece obedecer a um esquema encenado – há um que não fala, outro que insulta e o terceiro que ri.
Com 62 anos de idade e 34 de descontos e de profissão devotada integralmente ao ensino e aos alunos, com um currículo que tem pouco a invejar seja a quem for e, tendo dado à escola, durante anos a fio, incontáveis horas de trabalho extra não remuneradas, além do meu horário, com raríssimas faltas e sem poupar energias, nem saúde, agravando a minha deficiência, porém insistindo e perseverando até ao limite das minhas capacidades, quando já não posso exercer esse trabalho com um mínimo de dignidade, sou confrontada com uma espécie de tribunal de acusação que me trata como criminosa e aos meus médicos, profissionais seríssimos (assim como aos médicos das Juntas da DREL que confirmaram a incapacidade), como vigaristas fraudulentos.
Desconhecerá a Ordem dos Médicos o que se passa nestes gabinetes, à porta fechada? Tendo os médicos da Junta o poder absoluto de recusar a aposentação, se não dizem sequer em presença do doente qual é sua decisão, porque se empenham então neste acto gratuito de humilhação? Por sadismo ou sensação mesquinha de poder? Por ordens superiores, a fim de desencorajar os pedidos?
Tratar-se-á de uma nova estratégia economicista do Governo, em que os velhos e doentes vão ser forçados a trabalhar até à morte, para o Estado não ter de lhes pagar a reforma? Peço, então, que se ponha na lei o direito à eutanásia e ao suicídio assistido, como alternativa.
Aposentação? Só quando a morte nos separe.

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Somos uma terra de 8 ou 80:
Tão depressa temos milhares de pessoas com baixas fraudulentas (e que deviam estar a trabalhar), como casos destes.

O que sobressai cada vez mais é a grande insensibilidade desta gente. E não estou nada optimista.

23 de junho de 2007 às 20:57  
Anonymous Anónimo said...

Já tinha lido no Público, há dias.
É preocupante.

23 de junho de 2007 às 21:21  
Anonymous Anónimo said...

Lê-se no «JN»:

Eram já quase 11 mil os desempregados que declararam estar doentes ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), em Maio, um aumento de mais de 80% quando comparado com o primeiros cinco meses do ano passado. Desde o início deste ano que o número de pessoas sem trabalho e que mete baixa tem disparado. A data colide com a entrada em vigor das novas regras de atribuição de subsídio de desemprego e a coincidência não passou despercebida no IEFP, que logo em Março detectou o aumento anormal das baixas.

Na altura, o instituto planeava analisar os casos dos desempregados que meteram baixa, para averiguar até que ponto seriam suspeitos de uma tentativa de fraude. E admitia, mesmo, pedir juntas médicas à Segurança Social. Ontem, contudo, não foi possível apurar junto do IEFP que passos foram, efectivamente, dados para apurar quantos destes desempregados estão, de facto, doentes.

Certo é que o número não pára de aumentar. Janeiro arrancou com 7200 inscritos e daí em diante foi sempre em crescendo, até chegar quase aos 11 mil em Maio.

Como ultrapassar a lei

Desde Janeiro que já não é possível a um desempregado recusar um emprego (desde que cumpra os critérios da lei) ou faltar a convocatórias do IEFP, sob pena de perder o direito a receber subsídio. Além disso, para dificultar a vida às pessoas que declaram estarem desempregadas mas têm um trabalho, a nova lei que rege esta prestação social determina que o desempregado se tem que apresentar quinzenalmente ou num centro de emprego ou num local devidamente acreditado.

A obrigação de aceitar um posto de trabalho ou de se dirigir ao IEFP cessa a partir do momento em que a pessoa está doente. E se o instituto sempre teve registo de desempregados de baixa, a verdade é que os números observados este ano ultrapassam o histórico.

Foi este o facto que despertou a atenção das autoridades a partir de Março, mês em que se completou um ano desde o final do cruzamento de dados entre o IEFP e a Segurança Social e que foi possível começar a comparar directamente os dados.

23 de junho de 2007 às 21:55  
Anonymous Anónimo said...

Que país é este? Ou melhor, que tipo de cidadãos somos nós, se é que somos cidadãos de algum país que não seja este "de-faz-de-conta"? Dois anos de maioria absoluta bastaram para o governo socialista(?) de José Sócrates fazer tábua rasa de quase tudo o que se tinha conseguido, em matéria de direitos e respeito pelo ser humano, nos trinta anos do 25 de Abril.
E as saudades do ditador Salazar voltaram (não ganhou ele o concurso do melhor português?)e com esta maioria socialista voltaram também as ratazanas pidescas (sem a PIDE, o que as torna ainda mais repugnantes) - os bufos, os delatores, os caluniadores e os invejosos.
Além de perdemos o direito a uma melhor educação,justiça e saúde, perdemos também o respeito, ou nunca o tivemos, dos nossos actuais governantes, assistindo-nos o dever único de sofrer calados e submissos as ofensas e as campanhas difamatórias das nossas tutelas (enquanto funcionários públicos), que o fazem como estratégia de rebaixamento do sujeito perante a opinião pública, para com isso o poderem privar dos seus direitos, por vezes arduamente conquistados. Estamos a perder também o direito ao trabalho e, por fim, quem trabalhou toda a vida, descontando pesados tributos para o país e para a sua reforma, mas se encontra incapacitado para continuar a fazê-lo, depois dos 60 anos e de mais de 30 anos de serviço, está condenada a arrastar-se até preencher a "tabela" ou atingir a nova fasquia dos 40 anos?
Porque, a encruzilhada em que se encontra esta profissional é o de não lhe concederem a aposentação por incapacidade, para não lha pagarem na íntegra, mas também não lhe permitem reformar-se com penalizações, antes do prazo definido pela tutela.
E perdemos, por fim, o direito a expressar a nossa opinião, de criticar o que deve ser criticado, e alguns de nós que nunca se esconderam no anonimato ou por trás de um pseudónimo, ganham sobretudo a vergonha de ter de se calar, por medo de dar a cara quando se está mais fragilizado e nas mãos da mais arrogante arbitrariedade, mediocridade e prepotência.
Deana Barroqueiro

23 de junho de 2007 às 22:05  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

«(...) não lhe permitem reformar-se com penalizações, antes do prazo definido pela tutela».

????

De facto, não há limites para o absurdo...

23 de junho de 2007 às 22:12  
Anonymous Anónimo said...

"Por sadismo ou sensação mesquinha de poder?"
Não, não,nada disso - simplesmente para defender o tacho...
Sei do que falo, estive nos dois lados da barreira...

23 de junho de 2007 às 23:58  
Anonymous Anónimo said...

Será, VC, que os Méicos da Junta de Aposentações (não confundir com as Juntas Médicas da DREL que, quando recusam os pedidos, o fazem com gentileza e sem humilharem os requerentes)serão despedidos se derem as aposentações e ganharão créditos se as recusarem?
E sim, meu caro Medina Ribeiro, apesar de fazer 62 anos em Julho,ter 34 anos de serviço e acumular várias deficiências, só poderei pedir a reforma com penalizações dentro de 2 anos (e esperar longos meses pelo "Sim" da Caixa).
Como nunca entrei em esquemas de baixas e estou a ficar, durante períodos cada vez mais longos, sem poder andar, só me resta pedir licença sem vencimento e pagar os descontos que teria se estivesse a trabalhar ou de baixa, para que esse tempo conte para a reforma, caso contrário, nem aos 80 anos me poderei aposentar.
Deana Barroqueiro

24 de junho de 2007 às 00:41  
Anonymous Anónimo said...

O problema é que para fazerem o jeito a uns têm de cortar as vasas a outros. A fazenda não chega para todos. Há uma greve... metade das faltas são justificada com baixa. Todos nós, ou quase, conhecemos reformados por suposta «invalidez», doença crónica, etc.; que sabemos estarem razoavelmente sãos. Os esquemas das baixas intermitentes são bem conhecidos... Essa professora foi uma vítima destes abusos, e de uma política economicista, mas acobardada, que os procura manter em níveis «aceitáveis» sem os combater. A solução tem de passar pela separação de águas entre a medicina no sector público e privado, senão completa, pelo menos mais extensa. As baixas prolongadas e as juntas médicas só deveriam ser feitas por médicos com dedicação exclusiva. Em relação ao caso particular dessa infeliz professora devia ser aberto um inquérito. Mas é triste ver este caso ser explorado sem qualquer pudor por quem pretende afinal salvaguardar o sistema ineficaz que lhe deu origem.

24 de junho de 2007 às 01:53  
Anonymous Anónimo said...

Desde que a pessoa tenha, aos 55 anos de idade, 30 anos de descontos, pode reformar-se com as penalizações previstas na lei.
Estas penalizações eram de 4,5% por cada ano, e vão passar a ser (ou já são) de 6%.

Tem lógica, e foi o que sucedeu comigo, que me reformei antes dos 65 anos, aceitando a penalização legal.
Tudo bem, pois o cálculo é estatístico e feito em função da esperança de vida média e da carreira contributiva:
Quem se reforma mais cedo, recebe menos, e apenas há que fazer contas para que as coisas batam certo e o sistema não rebente por aí.

O problema é quando uma pessoa tem, p. ex., 62 anos de idade e "n" de descontos, mas não tinha, aos 55 anos, esses tais 30 de descontos.
Julgo que é o caso referido neste post, para o qual deveria haver soluções previstas que, não prejudicando ninguém (nem a pessoa em causa nem o Estado), fossem humanas.

Domingos

24 de junho de 2007 às 12:15  
Anonymous Anónimo said...

Esta situação específica deveria ser exaustivamente analisada e apuradas responsabilidades, se fôr caso disso. Nos termos em que tem sido publicado é na verdade escndaloso.
No entanto suponho que a Sra. Professora terá sido mal aconselhada no decorrer do processo, por exemplo em qualquer momento é possível recorrer ao mecanismo das providências cautelares, aos mecanismos disponibilizados pelos sindicatos, ou apelar directamente ao ministro, ou até à Presidência da República.
Nos casos em que o Sistema não corresponde ao que dele se exige, há que esperar que a Sociedade actue ATEMPADAMENTE em favor dos cidadãos.
Isto sem querer isentar de culpas os responsáveis, evidentemente.

24 de junho de 2007 às 13:19  

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