23.6.07

ABAIXO A IGUALDADE


Por Carlos Fiolhais

Minha crónica de ontem do jornal "Público". Nem de propósito: a prova de Física de ontem tinha um erro que o Ministério da Educação reconheceu (ao contrário de outras vezes). Os exames deviam ser feitos com mais cuidado!

ESTAVA O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO EM CURSO quando uma reunião geral de alunos exigiu a um professor universitário a divulgação do modelo do exame. Ele assim fez, escarrapachando nas vitrinas não só uma série de problemas como também a respectiva resolução. Divulgados os resultados, um aluno viu o seu nome na pauta com um rotundo R à frente. Ficou tão espantado que correu a pedir uma justificação ao professor. Os enunciados eram os mesmos e ele tinha respondido tal e qual estava afixado... O professor mostrou-lhe então a prova. O aluno, que não gostava de exames, tinha simplesmente decorado (ou copiado?) tudo o que estava na vitrina, sem reparar que os valores numéricos dos problemas tinham sido alterados.

É natural que os alunos não gostem de exames. Os professores também não. Mas os exames, aqui ou em qualquer parte do mundo, são necessários. Mais: são indispensáveis para ver o que é que se aprendeu. No nosso ensino superior temos exames a mais. Em contraste, no nosso ensino básico e secundário, temos decididamente exames a menos. Os exames nacionais têm estado quase reduzidos aos do 12º ano (as chamadas “provas de aferição” não são exames: eram feitas apenas por amostragem, são anónimas e não contam para o percurso escolar do aluno; e os exames do 9º ano são muito limitados, contando só 30% para a nota). E, o que é pior, os poucos exames que há têm sido mal concebidos: às vezes não passam de meras charadas e chegam a conter erros grosseiros (o mais famoso ocorreu num exame de geometria descritiva, no qual uma recta só poderia ser tangente a uma circunferência com o auxílio de um “lápis grosso”!). Em resultado dessa escada com um só degrau, os alunos chegam ao ensino superior sem o traquejo que apenas pode ser dado por um sistema de avaliação progressivo e rigoroso. Como podem jovens que não fizeram treinos nem suficientes nem suficientemente árduos entrar de repente em jogos de alta competição?

A revolução de há 33 anos ainda não deu, na educação, frutos que nos contentem. O sistema educativo mantido pelos sucessivos governos não gosta nada de exames, de provas bem feitas que permitam a selecção dos melhores. Não gosta sequer da palavra avaliação. Mas, se todos nós temos iguais direitos (incluindo o direito à educação de qualidade), não somos de modo nenhum iguais. Os exames permitem apurar as diferenças. Uns, porque se esforçaram mais, aprenderam mais, ao passo que outros aprenderam menos. Claro que não conta só o esforço, mas também a capacidade. E não são só os alunos que são diferentes: os professores e as escolas também são. É justo que o mérito individual ou colectivo seja recompensado.

O actual governo tem-se agitado na área da educação, mas não tem sido capaz de alterar substancialmente o sistema educativo arreigado. Lá conseguiu manter umas tímidas provas nacionais no 9º ano vindas do governo anterior (este ano muito fáceis, para benefício das estatísticas), mas não se atreveu a criar exames antes disso. Meteu os pés pelas mãos nas provas de Física e Química do final do secundário no ano passado, pois foi logo evidente que muitos alunos tinham sido discriminados. Diminuiu o papel regulador e certificador dos exames nacionais do 12º ano (veja-se o caso da Filosofia). De facto, pouca gente se apercebeu que os exames nacionais no fim dos estudos secundários estão a desaparecer, uma vez que essas provas vão servir apenas para o acesso ao ensino superior. Quer dizer, como outros antes dele, o actual Ministério da Educação deu umas no cravo e muitas na ferradura.

Porque é que não há mudanças de fundo, nomeadamente no sentido de implantar uma avaliação consequente? Pior do que não gostar, a máquina do ministério abomina os exames. Ela tem muita gente que, tal como o aluno cábula, teria sido reprovada em qualquer exame sério (veja-se o caso da senhora à frente da DREN). A maior parte dessa gente alimentará talvez a doce ilusão de que somos todos iguais. Ora eu não quero ser igual a eles! E tenho a certeza de que não estou sozinho...

«Público» de 22 de Junho de 2007 - [PH]

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8 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Durante anos e anos, os exames de Física I e II do IST eram à base de umas 50 perguntas, sempre as mesmas (as "calistas"), cula resolução se comprava, já impressa, por 50$.

Uma delas, era acerca de um pêndulo que oscilava longitudinalmente num vagão que acelerava.
No ano em que eu fiz exame, saiu esse problema; só que, em vez de acelerar, o vagão travava, pelo que era necessário tocar o sinal da aceleração.
Como se está mesmo a ver, foram inúmeros os que escarrapacharam o problema "calisto", sem lerem, sequer, a pergunta.
Aliás, muitos levavam já folhas de exame escritas, que metiam à sorrelfa...

23 de junho de 2007 às 09:13  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

À boa maneira do Estado Novo, o «Correio da Manhã» de hoje, em vez de dar relevo ao facto, inadmissível, de um exame com erros, salienta:

«A rápida reacção do Ministério da Educação, ao divulgar de imediato a falha às sociedades envolvidas nos exames e aos órgãos de comunicação social, foi aplaudida pelos professores, que recordaram toda a polémica que o exame de Química e Física gerou em 2006».

23 de junho de 2007 às 09:16  
Anonymous Anónimo said...

O título desta crónica presta-se a confusões, porque ninguém contesta a justiça da igualdade DE OPORTUNIDADES.

Uma vez ela garantida, vem então o resto.

E aí, sim:

Igualdade será tratar por igual o que é igual, e diferentemente o que é diferente.

23 de junho de 2007 às 10:10  
Anonymous Anónimo said...

O Prof. Carlos Fiolhais tem toda a razão. E é bom que pessoas com a craveira de Fiolhais comecem a pôr o dedo nestas feridas. É apenas necessário ter um pouco de corajem, uma atitude que, em Portugal, parece ter ficado, digamos, limitada ao anonimato dos blogs.
Jorge Oliveira

23 de junho de 2007 às 13:12  
Anonymous Anónimo said...

Em tempo : Coragem e não corajem.
JO

23 de junho de 2007 às 13:14  
Anonymous Anónimo said...

Faz falta quem saiba ir contra a corrente, quando é caso disso.

D. Ramos

23 de junho de 2007 às 15:44  
Anonymous Anónimo said...

" Todos aqueles que agora gritam "Aqui Del-Rei" sobre a Educação actual, foram os que tiveram passagens administrativas no 25 de Abril, passaram directamente do 7º ano (11º actual) para a faculdade, sem fazerem qualquer tipo de exames e a licenciatura foi um estantinho, sem nunca serem avaliados; e não nos podemos esquecer dos muitos retornados que chegaram a Lisboa a dizer que tinham feito o exame do 7º ano, sem qualquer tipo de comprovativo; foram aqueles que passaram o Ano Propedêutico chumbados a todas as disciplinas excepto às nucleares, porque o Ministério alterou as regras após os resultados dos exames; foram aqueles que fizeram os exames do 2º Ano do Curso Complementar (11º ano), o que toda a gente sabia dois dias antes , e o que o veio substituir depois, acabando por se fazer a média dos dois resultados (quem levou feito o primeiro apanhou 20 valores e só foi preciso assinar o segundo para passar e ir para a faculdade). E não nos podemos esquecer das constantes RGAS (Reunião Geral de Alunos). A maioria acabou por fazer carreira nos partidos e estão agora com belas reformas, apesar de estarem muitos deles no activo. O problema do Ensino são os intelectualóides de meia tigela que acham que até ao nono ano se devem considerar todos os alunos como futuros engenheiros e matemáticos; são os intelectualóides que acham que os alunos têm de gramar com bêbado do Camões, o xungoso do Pessoa e o escabroso do Saramago." – Quitéria Barbuda in "A Verdadeira Geração rasca", revista "Espírito", nº 16, 2005.


www.riapa.pt.to

23 de junho de 2007 às 18:09  
Blogger francisco feijó delgado said...

A grande questão é que o conceito de igualdade é profundamente mal compreendido por muita gente, nomeadamente os senhores que "gerem" a educação.

O facto de uma pessoa não ter vocação para estudar ou tirar uma lincenciatura, não faz dela menos pessoa ou pior pessoa (ao contrário do que uma certa campanha publicitária oficial faz dizer). Da mesma maneira que eu até posso estar preparado para tirar um doutoramento no MIT, mas certamente não tenho capacidade NENHUMA para jogar ao lado do Cristiano Ronaldo no Manchester. Ninguém me quereria lá e muito menos me pagariam para tal. Ora então porque há de o Estado pagar para isso?

O pior é que se queriam ilusões, se vendem promessas, que em tudo são promessas falsas. Enganam-se as pessoas. Enganam-se aqueles a que não se lhes diz a verdade e enganam-se aqueles a quem se tira oportunidades, para se poder continuar a fingir que todos somos iguais.

Todos nascemos com os mesmos direitos. Mas todos nascemos diferentes, em locais diferentes, com condições e heranças diferentes. Isto deve ser dito, encarado e tratado como deve ser. Porque ser-se carpinteiro é tão digno como ser-se engenheiro. Eventualmente as responsabilidades serão diferentes, mas a vida não é fácil e eu, por mais que queira, nunca poderei jogar no Maracanã.

23 de junho de 2007 às 18:20  

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