29.6.07

A QUADRATURA DO CIRCO

Crónicas da Arábia Inaudita
Por Pedro Barroso

OS AMIGOS DE BUSH usam saias.
Brancas, imaculadas. Como velas árabes ao vento do deserto.
Tal branco – alvo e sem mácula – contrasta com o pródigo chafurdar dos negócios de ouro negro. Mas o viscoso das explorações e poços não chega aos seus gabinetes e palácios. E encomendam mais um Rolls Royce pela manhã, tal como nós mandamos vir na pastelaria uma tosta mista.
Os amigos de Bush não têm alma. Rezam contudo diariamente a um deus de origem incertificada e distante – como todos os deuses, aliás – que lhes permite o luxo e a glória de mandar. Mas também o opróbrio de um povo entre o analfabeto e o estruturadamente controlado. Os amigos de Bush gostam do big brother, versão deserto.
Em tal deserto constroem sumptuosas e imprevisíveis surpresas, faraónicas construções, douradas casas de banho, mármores de Carrara (cuja pedreira já não existe há muito - são de Estremoz ou Borba mas enfim…) auto-estradas sem frequência previsível, até oásis artificiais onde se iludem nas areias generosas em cenários de Hollywood.
Não que precisassem.
Os amigos de Bush cobrem-se de ridículo com o fausto de embaixadas de 300 pessoas para acompanhar um qualquer principezinho de ar frágil e bexigoso. Se o médico lhe recomendar praia ele irá para Cannes, St Tropez, Nice. Se o príncipe tiver asma, ele avançará para a montanha, e os chalés em Aspen, St Moritz ou Chamonix vão esgotar com as suas comitivas de favoritas, massagistas pessoais, pedicuras e tutores variados para tão tutelada eminência.
Os amigos de Bush alugam o Tavares Rico completo, para não terem surpresas desagradáveis nem, supostamente, alarves comensais na mesa do lado, que possam não se saber comportar. E os talheres terão de ser de ouro certificado de origem. Não se sentarão nos aveludados cadeirões, sem que tudo tenha sido controlado, colocado, confeccionado e conferido por 30 guarda-costas, 20 cozinheiros, 10 camareiros e 40 mordomos.
Os amigos de Bush constroem piscinas para os seus cavalos nadarem e cientificamente muscularem os músculos ganhadores e milionários. Treinam as velhas e medievais artes da falcoaria. Imagem bela e cinematográfica de um país entre o mundo antigo e a história moderna. Entre o conflito eterno e vantajoso e o aliado forte que lhes tenta ocultar a exposição dos podres maiores de seu viver.
Porque os amigos de Bush tapam as mulheres, põem-lhes garrotes na opinião, tapam-lhes literalmente a boca, cobrem-nas da cabeça aos pés. Vestem-nas de negro nos 40º do deserto. Tudo em nome da moralidade. Da sua preservação. Da sua honra.
Vi uma médica ginecologista dar consultas e operar de cara tapada. Eu vi. Bem aventurados documentários que nos mostram para que não esqueçamos.
Mas os amigos de Bush são selectivamente civilizados.
Mandam os seus filhos estudar no ocidente. Em Oxford e Cambridge. Em Harvard. Em Paris. Eles querem o melhor para o seu país. Para o seu povo. Para as suas famílias. Para si. Oh, como os amigos de Bush são imaculados e generosos!
Os amigos de Bush usam saias. Brancas. E bigodes ou pêra adornante e regional.
Têm o culto de uma monarquia sem abertura, nem eleições, nem outra democracia que a eternização oligárquica e medieval. E de, ao mínimo detalhe, à mínima veleidade, ao mínimo desleixe informativo, imporem castração imediata a qualquer opinião contrária.
Os amigos de Bush não permitem que uma mulher conduza um carro. Não gostam sequer que ela trabalhe num emprego com outros homens. À face de sua visão, isso seria o descalabro do universo. A inversão do mundo. A autonomia pessoal das mulheres assusta-os. A sua inteligência também. Ao que parece, a sua própria boca lhes suscita eflúvios tais e urgências tais, que o melhor é tapá-las, não vá um homem não resistir a tamanha e tão exposta provocação.
Os amigos de Bush bebem chá e comem borrego. Culturalmente intocável.
Mas deixem-me ser mau.
Desconfiem sempre de um homem de saias brancas e antolhos viscerais, com uma corda na cabeça que vos surja a recusar um tinto de Pias, um Alvarinho gelado ou um Porto de cepa caseira.
Uma entremeada, um courato, uma carne de porco à alentejana, um paio de Barrancos.
Os amigos de Bush comem ouro às refeições e tapam as mulheres.
Eu gosto mais de ser… europeu.
Não sei se me entenderam.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pois...
Diante dum alemão sentimo-nos portugueses, diante dum saudita sentimo-nos europeus.
... E como cada vez mais somos postos, não só diante de sauditas, mas de americanos, chineses e indonésios, a tendência parece ser para que nos sintamos cada vez mais europeus.
Mas a excepção põe a regra à prova: como cabe aqui o facto de eu muitas vezes me sentir africano diante de um angolano?

29 de junho de 2007 às 23:11  

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