14.8.07

A Direita dos interesses rejubila e o país amocha

Por Alfredo Barroso
(...)
JN: São vagamente conhecidas as suas zangas com Mário Soares, na altura em que era chefe da Casa Civil do Presidente da República. Qual dos dois era o osso mais difícil de roer?
AB: Ao longo de mais de trinta anos de estreita colaboração política, alguns atritos pessoais eram inevitáveis. Foram zangas, como diz, e não braços-de-ferro de roer os ossos.
JN: Foi, apesar de tudo, uma das pessoas a tentar demovê-lo de se candidatar às últimas presidenciais?
AB: Não tentei demovê-lo, nem tentei empurrá-lo. Achava que ele não devia candidatar-se, mas nunca lho disse, por considerar que eu não tinha esse direito e que lhe cabia a ele tomar uma decisão. É um assunto arrumado, do qual só guardo más recordações.

JN: Que leitura fez do país no dia da derrota?
AB: A leitura óbvia: a de um país cujo eleitorado confirmava uma clara viragem à direita. Grande equívoco tinha sido considerar a vitória do engenheiro Sócrates nas eleições legislativas como uma vitória da esquerda. Era bom que fosse, mas não foi.

JN: Essa «esquerda moderna, que se diz muito amiga dos pobres, mas prefere deitar-se com os ricos» (http://sorumbatico.blogspot.com) está a conduzir o país para onde?
AB: Está a conduzir um país resignado e sem alternativas credíveis para patamares de maior desigualdade e precariedade. A direita dos interesses rejubila, obviamente. E o país anónimo refila, mas amocha.

JN: Irrita-o exactamente o quê em José Sócrates?
AB: Já não tenho idade para me irritar. Apenas lamento que o PS seja hoje um instrumento de defesa dos grandes interesses financeiros e de empobrecimento da classe média e dos trabalhadores em geral. Quando vemos um avocat d’affaires como José Miguel Júdice a teorizar sobre a «esquerda moderna», está tudo dito sobre o estado actual do PS.

JN: Quer explicar-me o que diz ser «a técnica da banda gástrica», que o Governo está a aplicar ao País?
AB: Dantes, em períodos de crise económica, os trabalhadores tinham de apertar o cinto mas mantinham a esperança de vir a desapertá-lo. Hoje, o objectivo é apertar o estômago dos trabalhadores para que eles se desabituem de querer comer mais no futuro. Só ao capital financeiro é permitido comer à tripa forra e engordar sem limites.

JN: Ao fim de 20 anos de colaboração no DN, e de nove no Expresso, foi «varrido». Foi um divórcio de comum acordo?
AB: Regra geral, os cronistas convidados não se casam com os jornais. Ficam dependentes das «opções editorais» das suas direcções. Não as contesto, mas devo interpretá-las. E concluo que sou politicamente incorrecto e incómodo para os poderes do dia. Além de ter manifesta vocação para a dissidência. O facto de ter tido escandalosamente razão no que escrevi contra a guerra do Iraque e contra os Governos do engenheiro Guterres, foi um precedente que me tramou numa imprensa dirigida por «cristãos novos».

JN: Acabou a liberdade de imprensa em Portugal?
AB: Claro que não. Mas é evidente que quase todos os órgãos de comunicação social estão ideologicamente alinhados e controlados pela direita. Há alguns esquerdistas de serviço, que funcionam como uma espécie de «idiotas úteis» e «avalistas» nos jornais de direita. Mas os desalinhados e os dissidentes são banidos e marginalizados.

Extracto da entrevista dada ao «Jornal de Notícias» e publicada em 14 Ago 07 (rubrica «Farpas»), motivada pela crónica «E Viva o ‘precariado’!», afixada recentemente no «SORUMBÁTICO» [v. aqui].
A versão integral pode ser ler lida no blogue «Traço Grosso», [aqui].

Etiquetas:

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Eu aprecio a atitude de Alfredo Barroso. Além do mais, revela bastante corajem.
Mas fico sem saber o que é, para ele, a "direita". Sobretudo, quem são as pessoas e/ou grupos sociais que personificam essa "direita".
Isto porque no dia em que sair de casa com a fusca carregada, convem saber em quem vou disparar.
Jorge Oliveira

15 de agosto de 2007 às 00:00  
Anonymous Anónimo said...

De salientar a referência à cândida-candidatura de Mário Soares:

Toda a gente lúcida percebia que o homem não podia ganhar, o que ia ficando cada vez mais claro à medida que a campanha decorria.

Que raio de cegueira atacou o homem (tão lúcido noutras coisas!) para não peceber isso?!

E os amigos mais próximos? Será que lhe encobriam a realidade?

Alfredo Barroso (seu amigo e familiar) afirma que «Achava que ele não devia candidatar-se, mas nunca lho disse (...)».
Imagino que o mesmo terão feito outros, contribuindo assim para o isolamento que é tão típico em "pessoas importantes", com resultados desastrosos quando estão em causa pessoas com grandes responsabilidades políticas.

Duarte R.

15 de agosto de 2007 às 12:41  
Anonymous Anónimo said...

Como já vêm o barco a meter água , ja o começam a abandona-lo ! com a justificação que o barco esta muito voltado para a sua direita...

sintomas!

16 de agosto de 2007 às 05:15  
Anonymous Anónimo said...

O comentário anterior não se aplica a Alfredo Barroso.

Quem tenha estado atento ao seu percurso político, sabe que nunca pactuou com o governo actual.

Ed

16 de agosto de 2007 às 08:05  
Anonymous Anónimo said...

O comentário de "Tric" pode ser verdadeiro para outras pessoas, mas para A.B. não é. Basta ter ouvido as suas intervenções na SIC-N para se perceber isso.

Além do mais, foi o seu anti-socratismo que fez com que, ao fim de tantos anos, fosse corrido do «DN» (juntamente com Medeiros Ferreira, outro crítico), onde, no entanto, continuam a escrever Fernanda Câncio, António Vitorino, N. Brederode Santos e M. Bettencourt Resendes, pessoas do PS que "não fazem ondas".

16 de agosto de 2007 às 08:42  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

A metáfora dos ratos que saltam do navio quando pressentem o naufrágio iminente é verídica mas, neste caso, está duplamente desajustada:

Nem Alfredo Barroso está (só agora) a demarcar-se do "socratismo", nem o "barco socratista" está em vias de se afundar.

Se a primeira constatação pode não ser evidente, a segunda é-o, na medida em que ainda vamos ter Governos-PS por muitos anos, e por dois grandes motivos:

O primeiro, é que Sócrates está a pôr em prática as receitas do PSD e do CDS, de forma mais expedita do que os próprios.

O segundo, é que as alternativas não se apresentam credíveis:
Marques Mendes limita-se a dizer "preto" quando o governo diz "branco" (e vice-versa) e o CDS desapareceu.

O que sobra (BE e PCP), apenas serve para "dar o sal", tão necessário à política como à vida.

Quanto aos "desastres ambulantes" que são alguns ministros bem nossos conhecidos, eles funcionam como o lastro que se põe nos navios:
Peso demasiado leva-os para o fundo, mas "com conta, peso e medida" ajudam a manter o equilíbrio. E não há nada como fazer-se rodear por um pequeno naipe de incompetentes para, por contraste...

16 de agosto de 2007 às 11:53  
Anonymous Anónimo said...

Ó meu amigo Medina! Então o Sócrates está a pôr em prática as receitas do PSD e do CDS !? Quais receitas? Há muito que pelo menos o PSD não tem receitas nenhumas... Se os palpites que a actual direcção do PSD divulga são receitas para alguma coisa, que não seja entreter, vou ali e já venho.
Jorge Oliveira

17 de agosto de 2007 às 09:14  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

J. A. Lima, no �SOL-online�, refere-se ao teor desta entrevista:

http://sol.sapo.pt/blogs/jal/archive/2007/08/18/Soarismo-e-Cavaquismo.aspx

20 de agosto de 2007 às 15:56  

Enviar um comentário

<< Home