22.8.07

ELOGIO DOS CINCO DE MATOSINHOS

Por Baptista-Bastos
SABE-SE O NOME DO RESPONSÁVEL pela construção, em Portugal, de dez estádios - três, quatro ou cinco dos quais não servem, rigorosamente, para coisa alguma. Parece que o azebre os invade e as ervas daninhas os espreitam, com persistência implacável. A impunidade corre mais do que depressa. Quero dizer, nestas modestas palavras: ninguém vai preso, ninguém é apontado à execração popular. Até há quem seja promovido e chegue a altas funções na Nação. A asséptica castidade dos jornalistas "desportivos" impede-os de comentar a pouca-vergonha. E quando a imprensa, ou parte dela, abdica de criticar, aniquila o que a fundamenta: o compromisso pedagógico.
Metade do custo desses estádios resolvia muitos problemas sociais. Mas vivemos de programas sem memória e isentos do sentido de realidade. A festa insone tem sido abrilhantada por políticos medianos, que substituíram a grandeza pela grandiosidade, os projectos pelas aparências.
Façamos uma equação sóbria: quantos milhões se poupariam, quantos problemas encontrariam solução plausível, acaso as frotas de carros de topo de gama dos ministérios, dos municípios, dos diversos serviços da administração pública não fossem, amiúde, substituídas? A dieta do "tenha paciência" e dos "sacrifícios necessários" é-nos aplicada, com deliciosa intimidade e duvidosa eficácia, pelo ministro Teixeira dos Santos. Anteriormente, outros, da mesma pasta, insistiram no mesmo. É uma inspiração sucessiva, que só toca no batente dos que andam com o coração desnivelado, incerto e aflito.
A banalidade das deficiências, a vulgaridade das injustiças, a indiferença com que acolhemos a mentira, o nepotismo, as promessas incumpridas, as fortunas alcançadas sabe-se lá como, os obscenos lucros dos bancos, as exigências agressivas - compelem-nos a receber com espanto e enlevo o que seria de admitir como normalidade.
Eis porque desta coluna modesta e vaga ergo a minha louvação aos cinco administradores do Hospital Pedro Hispano, de Matosinhos, que renunciaram a ter carro de serviço, destinando essa importância (175 mil euros, no total) à compra de equipamentos necessários à unidade de neurocirurgia. O exame das coisas atrás ditas leva-nos a considerar que as excessivas vantagens concedidas a quem exerce o poder não são consentâneas com as dificuldades dramáticas pelas quais o País atravessa.
Claro que tudo é relativo. Porém, há uma relatividade que não é pacífica, por exemplar. E esta atitude dos cinco de Matosinhos sobrepuja o habitual, porque o habitual tem sido o luxo perdulário do Poder. Eles também ensinaram que as mentalidades podem ser mudadas.
«DN» de 22 de Agosto de 2007

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4 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

Já tive oportunidade de, noutro local, manifestar o meu aplauso à atitude dos elementos da Administração do Hospital Pedro Hispano, mas ainda bem que que tal apreço é manifestado por alguém como Baptista Bastos e neste local.

22 de agosto de 2007 às 21:37  
Anonymous Anónimo said...

Eu também aplaudo de pé a atitude destes administradores.
Espero que sejam um exemplo a seguir por outros individuos, nas diversas instituições públicas.
Mas este país sofre tanto de megalomanismo que não me parece que alguém siga o exemplo. Muito gostava que me provassem o contrário.

22 de agosto de 2007 às 23:54  
Anonymous Anónimo said...

Estas sao atitudes que nem devem merecer louvaçao. Deviam ser naturais. O que nao é natural é gastar tanto dinheiro em viaturas para serviço de pessoas com ordenados bem acima da média.

23 de agosto de 2007 às 09:07  
Blogger bananoide said...

É de louvar, de facto.
Ter um "carro de serviço" para aqueles administradores é uma questão de status e uma "benesse" substancial. E eles abdicaram de uma parte razoável do seu status para dar equipamentos àquele Hospital.

Se outros o fizessem, estaríamos melhor em muitos aspectos.

Atente-se ao primeiro parágrafo da pág. 130 do seguinte documento, o Relatório e Contas 2006 da REN:

Clicar aqui

Podem também, por mera curiosidade, ver o quadro de remunerações no fim da página 129.


Um abraço

23 de agosto de 2007 às 22:04  

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