21.8.07

O Paulinho dos tribunais

Por J. L. Saldanha Sanches
OS CIDADÃOS têm recusado os seus votos a Paulo Portas. Pois bem: Paulo Portas, mediante uma decisão judicial, vai obrigar os cidadãos (enquanto contribuintes) a indemnizá-lo.
Se não lhe queremos dar votos, vamos ter de lhe dar dinheiro.
A história é tão abstrusa quanto simples: as notícias sobre comportamentos menos dignos, que, mais uma vez, vieram para os jornais sujar o nome imaculado de Paulo Portas terão sido, segundo este afirma, a causa da sua derrota eleitoral em Lisboa.
A publicação de tais histórias constitui uma violação do segredo de justiça pelo qual o Estado é responsável. Logo o Estado (nós, contribuintes) tem de o indemnizar.
As acções de responsabilidade contra o Estado podem ter diversos fundamentos: se um cidadão for lesado por qualquer comportamento pelo qual se possa responsabilizar o Estado (a derrocada de uma ponte não devidamente vistoriada) ou for vítima de uma qualquer catástrofe, os contribuintes podem ter de pagar. Neste último caso, com fundamento na solidariedade social. Outros casos são mais discutíveis: a responsabilidade do Estado por omissão legislativa tem levado aos maiores abusos e pode ser a base de uma actividade de pura captação de rendas («rent seeking»).
No entanto, uma figura com responsabilidades políticas a procurar obter indemnização do Estado por acto ilícito de um seu agente atinge um grau de descaramento até agora inédito.
Simplificando, a única razão pela qual os contribuintes podem ser obrigados a suportar os custos de uma indemnização atribuída por culpa do Estado é que, num certo sentido, todos somos responsáveis pelo mau funcionamento da coisa pública.
Mas alguém que é deputado e já passou pelo Governo tem certamente um grau de culpa muito mais intenso que o simples cidadão de cujos impostos vai sair a quantia a atribuir ao indemnizado. O deputado Paulo Portas já deveria ter apresentado na Assembleia da República um qualquer projecto de lei que criasse um regime de segredo de justiça equilibrado e impedisse a sua violação; e o CDS-PP já teve a pasta da Justiça.
A ministra era Celeste Cardona. Mas Paulo Portas é a última pessoa a poder usar essa desculpa. Tem demasiada co-responsabilidade em qualquer disfunção existente na Justiça para poder exigir ao conjunto dos cidadãos (o que é o Estado?) que o indemnizem pelo seu possível mau funcionamento. Se a sua acção for tomada a sério pelos tribunais vai ser possível aos políticos que são derrotados nas eleições introduzir acções contra o Estado, por exemplo, pelo mau funcionamento da Educação: uma vez que apenas a ignorância dos eleitores pode justificar a derrota de um partido com tão exemplar programa. Obtendo uma decisão judicial que corrija as decisões (naturalmente ignaras) do eleitorado.
Com esta acção, Paulo Portas mostra assim que continua a ser um dos criativos políticos portugueses. Agora quer obter nos tribunais o que antes procurava nas feiras. Ainda que se tenha esquecido, depois de concedida a indemnização ao CDS/PP, os cidadãos poderão vir junto dele accionar o direito de regresso.
«Expresso» de 11 de Agosto de 2007

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7 Comments:

Blogger bananoide said...

Perdoem-me a distracção, mas esta acção em tribunal tem a ver com o quê concretamente?

É por causa dos recibos alegadamente fictícios e do milhão de euros recebido?

Um abraço

21 de agosto de 2007 às 12:29  
Anonymous Anónimo said...

Isso do milhão de euros mal explicado também o anda a atazanar, mas neste caso julgo que tem mais a ver com o paradeiro de 24 - 30 milhões de euros de comissões que foram pagas para a compra dos submarinos.
Na altura, Portas era Ministro da Defesa.

Anda tudo muito confuso (passe o eufemismo...) porque mesmo a ESCOM (do Grupo Espírito Santo, e que foi quem geriu a coisa) também não explica nada.

Ed

21 de agosto de 2007 às 12:42  
Blogger bananoide said...

Bom, em qualquer dos casos isto poderia ser apenas a normal "contra-acção" que alguém interpõe para defender a imagem.´

Um exemplo prático é quando o fulano A processa o fulano B por difamação, depois de o fulano B ter processado o fulano A por agressão.

Parece-me que neste caso não será bem assim, porque se o objectivo fosse defender a imagem, não seria preciso pedir indeminização.

Enfim, cada um sabe o que faz, mas com a posição que está a tomar, corre o risco de antagonizar ainda mais o eleitorado, tal como Miguel Portas com a "simpatia" à Verde Eufémia na acção de destruição do campo de milho transgénico.

O que se anda a passar com os políticos portugueses? Andam a pesar mal o impacto das suas acções ou é o eleitorado que anda mais atento?

Um abraço

21 de agosto de 2007 às 13:02  
Blogger bananoide said...

Ah: o título da crónica está demais!

21 de agosto de 2007 às 13:02  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Os políticos mais importantes (e não só os portugueses) vivem rodeados de amigos, familiares, yes-men, assessores, bezuntas, etc, que criam uma barreira entre eles e o cidadão-comum. Nadam, pois, numa espécie de mundo-paralelo, afastados das realidades e das verdadeiras preocupações do vulgo.

Isso está asociado à impossibilidade de se verem de fora e impede-os, também, de perceber quando estão a dar "tiros no pé".

Exemplos claros disso são Mário Soares (quando se candidatou a PR), Santana Lopes (a toda a hora) e algumas das "estrelas" de Sócrates (para já não falar do próprio) que, de tão divorciados do povo, são absolutamente incapazes de perceber como é que esse mesmo povo os vê.

21 de agosto de 2007 às 13:16  
Blogger Eduardo Ramos said...

A sério. Eu queria comentar...
... mas não consigo... eu tento... mas ... não consigo parar de rir...
... será do nervoso?

21 de agosto de 2007 às 13:46  
Anonymous Anónimo said...

Que absurdo!
Mas.. mas..

21 de agosto de 2007 às 15:53  

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