17.8.07

«ACONTECE...» - O Jornalismo que temos, a Televisão que existe (Parte II)

Uma longa entrevista
a Carlos Pinto Coelho


5. A lógica do mercado e a privatização da maior parte dos órgãos de comunicação social contribuiu para degradar a qualidade da informação jornalística que hoje se produz?
Até este momento, não. Pelo contrário, o saldo das primeiras privatizações foi salutar para a qualidade do jornalismo por via da concorrência. E, como se sabe, o mercado não tem lógicas que não se alterem, a cada momento, quando há argúcia, inteligência e afoiteza.
6. Como analisa o serviço público de televisão que temos actualmente?
Uma análise não caberia neste espaço. Direi apenas que a RTP chegou ao termo de um ciclo e agora precisa de iniciar um novo. O que passou foi um ciclo de socorros de urgência, executados com mérito e elogiados por toda a gente, incluindo os próprios que os realizaram. O governo Durão Barroso fez aquilo que a tibieza dos anteriores governos socialistas não permitira: injectou dinheiro e vontade política q.b. na resolução do cancro financeiro em que a RTP agonizava. A empresa curou-se e prosperou. Está feito. Salvou-se a empresa. Agora é preciso refundar o serviço público, que quase se perdeu no vendaval necessário dessa revolução. Digamos, sem preconceitos nem injustiças, que aos competentes mecânicos que souberam restaurar com brio uma mansão em derrocada, deverão agora suceder-se residentes de outra estirpe e vocação. Mais do que uma empresa, a RTP tem de ser um inequívoco farol.
O que aí está hoje é um serviço público interessante mas irregular na RTP 2 (que alívio poder chamar-lhe outra vez pelo seu nome próprio!), intermitente na RTP 1, tímido na RTP Internacional, flácido na RTP África e incógnito na RTP N. É tempo de pôr isso tudo com regra, visto que já há meios bastantes.
A robustez da RTP 2 reside sobretudo na excelência da sua programação infantil e juvenil, onde o serviço público é matricial sem mácula. Está, depois, na grande qualidade do seu cinema e das séries estrangeiras, documentais e de ficção, que é seu timbre desde há mais de duas décadas e continua a ser o mesmo eterno bordão de glória para os seus sucessivos directores. Subsistem (espero que, ao menos estes, por muito mais tempo) o modelo de entrevista praticado por Ana Sousa Dias e um programa semanal de divulgação cultural. Mas oferece apenas um único telejornal diário, que tem mudado de consistência e de figurino ao longo dos tempos, qual patinho feio da família, sem grandes meios nem carta de alvedrio. E carrega ainda (deseja-se que por pouco mais tempo), espalhada por toda a sua grelha, os farrapos dessa aventura amadorista que se chamou “abertura à sociedade civil” e se esboroa dia a dia na sua própria inconsistência. Ou seja, há aqui grande espaço e instância para uma funda reforma da programação, inovadora, criativa, com garra. Revigorante e inteligente. Que a nova direcção não tarde com ela.
A RTP 1 cumpre muito bem na Informação – viva, criativa, isenta (com as ressalvas que deixei sobre o que me parecem ser as falências do actual jornalismo televisivo português em geral). Mas não consigo descortinar que serviço público existe na esmagadora maioria dos segmentos que a actual Direcção de Programas concebeu para horário nobre – concursos & outras “franchisings”, danças-comigos, telenovelas e chutos na bola. Que televisão comercial não faz o mesmo? E que directores de Programas são estes, que hoje dirigem a principal antena da TV pública de um Portugal doente de iliteracia, abandono escolar e juvenil desinteresse pelas coisas da cultura, como se dirigissem a Rádio Monte Carlo ou a ARD alemã? Quem lhes explica que a televisão é a forma das mentalidades infantis e juvenis, que falam nos recreios das escolas sobre o que viram na TV? Que gente é esta, capaz de convocar conferências de imprensa para se gabar de altos “sharings” ganhos a golpes de… concursos, jogos de futebol e quejandos? Se isto continua, terei de dar razão a Pacheco Pereira naquilo em que mais discordo dele – a saber: se esta mentalidade primária persistir em dirigir programação na RTP 1 (que não a Informação, insisto), então feche-se de vez o serviço público de televisão. O que existe é tão linear como a magreza intelectual dos que o concebem e pedantemente dirigem. Nada justifica o dinheiro dos contribuintes, escondido na conta da electricidade.
Quanto aos dois canais internacionais da RTP a história é muito longa, e dela me ocupo no livro que preparo, com vagar, para publicação na Texto Editores. Porque fui protagonista do berço de ambos os canais, direi aqui, tão somente, que hoje tem pessoas de grande competência a dirigi-los mas que toda a sua génese e estrutura são essencialmente políticas. Repito, por isso, a minha convicção – tantas vezes afirmada em público – de que os canais públicos internacionais de Portugal devem estar fora da RTP, num organismo autónomo, como acontece na boa experiência de outros países europeus.
Enfim, não basta imaginar um canal TV de notícias e decretá-lo por ordem de serviço. A RTP N é disso exemplo. Existe, tem lá dentro alguns dos melhores jornalistas da casa, mas não é um corpo televisivo sólido na oferta de uma grelha diferenciada, competitivo na cobertura intempestiva dos acontecimentos e surpreendente num modo original de os trabalhar. A RTP N é um “mais do mesmo” (leia-se Sic Notícias), para pior. Quis ser um canal de notícias, por ordem de serviço. Assim como aquela boa mulher da aldeia que, pela primeira vez, apareceu ao marido com pintura nos lábios para ficar bonita. Mas então porque é que não ficaste? Perguntou o homem.

7. Onde fica o interesse do espectador na guerra de audiências?
Derrotado.

8. Que tipo de programas poderiam ser erradicados das grelhas televisivas?
Nenhum. Erradicar é um eufemismo para censurar e eu passei por experiências de censura que não desejo a ninguém. Outra coisa é acertar contas, às claras, com a boçalidade, a indigência intelectual ou a doce mediocridade de alguns programas. Aí, é simples: safamos os nossos filhos e netos e vamos dar um belo passeio com eles. Deixamos esses programas para consumo dos filhos e netos de quem pôs esses programas nas antenas.

9. Acha que as programações satisfazem a necessidade do público ou as pessoas consomem o que lhes é dado?
Todas as programações agradam sempre a alguém. Ninguém consome o que lhe é dado, se não se identificar com essa oferta. A arte e a sabedoria de programar televisão têm de partir destes axiomas. Sempre.

10. José Eduardo Moniz disse um dia que «a televisão portuguesa é melhor do que Portugal». Qual é o nível de televisão que se faz no nosso País?
Essa frase não faz sentido fora do contexto em que foi proferida e eu não conheço esse contexto. Comentá-la assim, seria irresponsável.

11. Como vê o futuro do audiovisual em Portugal?
Mais rapidamente do que noutras áreas (o futuro da banca em Portugal, ou da agricultura, ou do ensino, por exemplo) o futuro do audiovisual em Portugal será o que a globalização ditar e os consumidores portugueses permitirem. Se há indicadores insofismáveis, como o fim das televisões generalistas e um completo caos de ofertas em canais de comunicações alternativos, também continuará a haver territórios de escolha exclusivamente nacionais. E esses serão cada vez mais minoritários e, paradoxalmente, cada vez mais impositivos. O local, como disse no princípio desta conversa, vai formatar o global em termos imprevisíveis mas seguros. Não sei é com que carapaças. Mas a rádio estará sempre aí, mesmo que consumida através da Internet ou do telemóvel, e haverá sempre um televisor nas casas. Por cima de tudo, ganhará quem souber o que melhor fazer do seu tempo de vida.

Entrevista concedida à jornalista Ana Clara e publicada com sua autorização.

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2 Comments:

Blogger Eduardo Ramos said...

Já disse e continuo a dizer... a RTP 2 é um espécie de bálsamo para o cérebro. Podia ser melhor? Claro que podia. Vale a pena ser melhor? Pouco mais... pois a RTP 1 colmata a lacuna. Acho que as duas fazem uma.

Mas isto sou eu a dizer...

17 de agosto de 2007 às 16:53  
Anonymous Anónimo said...

O pior é que o "pagode" anda contentinho com o que tem na RTP. Nem sabe bem explicar por que gosta, nem por que não gosta, se quer outra coisa (não sabe qual) ou se quer mais cultura (não sabe qual), ou se a Informação deveria dar-lhe mais pesquisa e agenda nova (nem sabe o que é isso). Eu acho que o CPC e o Pacheco Pereira têm razão: feche-se a RTP. Fuqe o pagode com o telejornal da TVI e suas telenovelas. Já!

17 de agosto de 2007 às 19:12  

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