«ACONTECE...» - O Jornalismo que temos, a Televisão que existe (Parte I)
Uma longa entrevista
a Carlos Pinto Coelho
1. Qual é, na sua opinião, o papel que a televisão actualmente exerce neste mundo globalizado?
Mas a própria globalização já é um efeito da televisão! Basicamente, o meio televisivo permaneceu intacto, antes e depois de “globalizar” o planeta. Ou seja, as suas virtualidades não saíram afectadas pelos efeitos que provocou, antes se potenciaram. Digamos que a aproximação e o apagamento das distâncias vieram, paradoxalmente, dar maior relevância ao que é individual e local, dando-lhes dimensões e fronteiras antes impossíveis. Ou seja, o que a televisão faz (ou pode fazer) é espalhar identidades, projectá-las e, assim, favorecer o surgimento de novas identidades, por contágios ou mimetismos.
Estes movimentos são, como sabemos, muitas vezes subliminares e, pela rapidez com que se multiplicam, quase sub-reptícios. A produção de efeitos sucede-se em tal avalancha que o agente motor torna-se muitas vezes impossível de dominar ou controlar, no que isso tem de sedutor, inebriante e também pérfido. O galope do devir televisual é já imparável, impositivo, e por isso fascinante e desafiador.
2. Como olha hoje o jornalista Carlos Pinto Coelho — pioneiro na revolução que foi criar um «telejornal» cultural em Portugal — para a informação que se produz nos três canais generalistas?
2. Como olha hoje o jornalista Carlos Pinto Coelho — pioneiro na revolução que foi criar um «telejornal» cultural em Portugal — para a informação que se produz nos três canais generalistas?
A vida das televisões fez-se e faz-se de momentos descontinuados e bruscas mudanças de rumo, raramente por sedimentos harmónicos e plausíveis. Há sempre muita coisa junta a determinar esta ou aquela mexida, muitos factores casuísticos a governar súbitas alterações de padrões, figurinos ou mesmo protagonistas. Quantas vezes a verdade de um novo capítulo reside mais no acaso ou na inspiração desgarrada de um incompetente, do que na decisão reflectida de um profissional experiente.
A informação dos canais generalistas está, globalmente, prisioneira de uma lógica de agenda comum que sufoca qualquer veleidade de inovação, frescura e espírito de descoberta. Escravas do pavor de falhar o óbvio, as editorias dos telejornais não têm reservas de energias criativas para ir buscar o outro lado dos dias e ver para além do olhar. Não vale a pena desfiar aqui a lista dos clássicos porquês esta situação – a corrida às audiências fáceis, frágeis, cada vez mais empobrecidas e cada vez menos exigentes, a péssima porta de entrada para os jovens jornalistas, por sua vez oriundos de muita escola de vão de escada, e o mais que de menos bom por aí se instalou. Não vale a pena porque, de cada vez que tudo isso se invoca, é sempre inútil e nada muda.
Está o jornalismo das televisões mais tecnicamente maduro, mais isento, mais apelativo graficamente? Sim. Por mim, continuo, militantemente, à espera da dupla maravilha (empresário e editor) que há-de chegar, numa manhã de nevoeiro, para arrasar a monotonia dos conteúdos e fazer-nos reviver momentos exaltantes de jornalismo televisivo como foram, entre outros, o da fundação da Informação 2 na RTP ou o nascimento do Jornal da SIC.
3. Qual a explicação para o facto de a cultura continuar a ser o parente pobre do jornalismo no nosso País?
3. Qual a explicação para o facto de a cultura continuar a ser o parente pobre do jornalismo no nosso País?
Simples: a falta de cultura dos que têm poder editorial, que os leva a configurar os seus públicos à imagem dos seus próprios horizontes intelectuais. E quanto menos actualidade cultural houver no jornalismo, menos público lhe sentirá a falta. Esta gente (leia-se, os que têm poder editorial) não pára um instante para pensar que os media são a maior escola de um país que tem crianças e adolescentes.
4. Os telejornais em «prime time» dos três canais nacionais alongam-se muitas vezes em mais de 90 minutos. Acha que o sensacionalismo tomou conta dos principais blocos informativos?
4. Os telejornais em «prime time» dos três canais nacionais alongam-se muitas vezes em mais de 90 minutos. Acha que o sensacionalismo tomou conta dos principais blocos informativos?
Digamos que esta questão ficou globalmente tratada acima, quando disse o que penso sobre os critérios editoriais que se praticam na generalidade dos jornais televisivos, onde se inclui o desgosto por quaisquer manipulações, incluindo as do sensacionalismo. Quanto à seca dos intermináveis telejornais, a RTP já deu um tímido passo exemplar. Falta o resto e faltam os outros canais. O que está é, de facto, um provincianismo deplorável. (Mas o povo gosta, insistirão os eternos cabeçudos…)
(A Parte II será afixada ainda hoje)
Entrevista concedida à jornalista Ana Clara e publicada com sua autorização.
Etiquetas: CPC
1 Comments:
No que respeita à globalização... nada a fazer.
Com os meios existentes disponíveis ao cidadão comum, alguém na China inventa uma coisa, coloca na Internet e no mesmo dia, no outro lado do Mundo, alguém adora a ideia, manda um email e partem para a aventura de um negócio.
Pode ser uma mal ou um bem, ainda não sei.
Quanto ao Jornalismo/Cultura... eu vejo o telejornal da 2. Está visto porquê, não é?
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