16.8.07

TORGA: ESQUECIDO E PRESENTE

Por Baptista-Bastos
AINDA BEM QUE O GOVERNO ESTEVE AUSENTE nas homenagens a Miguel Torga. O Governo não tem nada a ver com Torga. E, se pouco tem a ver connosco, nada tem a ver com a cultura. O Governo desconhece que a cultura é um dos interesses da política e que a política é uma disciplina da cultura. Embora ajam em esferas diferentes. Um político inculto possui algo de deformado. E um homem culto que se diz indiferente à política revela amolgadelas de carácter: mente porque, em rigor, defende pareceres desonrados. O Governo não se lê porque não lê. Para actuar em consonância com a ética da cultura seria necessário que pensasse culturalmente.
Não dei conta de nenhuma manifestação de desagrado, por módica que fosse, daqueles destemidos intelectuais, apoiantes discretos ou descarados deste Executivo. Aguardam benesses e sinecuras, atenções. Há ministros e adjacências que, habitualmente, fazem parte de júris de prémios, e para atribuição de "bolsas"; são "comissários" de feiras e de "embaixadas" culturais; designam adidos; decidem sobre quem vai ou não, aqui e acolá, representar a "cultura" portuguesa; os escolhidos pertencem sempre ao mesmo grupo, dispõem de idêntico sainete, cortejam iguais gostos, nomeiam os mesmos autores. Nada de correr riscos desnecessários.
Os destemidos intelectuais são brandos, cuidadosos, cautos, prevenidos. Também eles nada têm a ver com Miguel Torga, que nada teria a ver com eles. São paixões em tudo opostas, desordens do espírito só explicáveis pela natureza abúlica de uma gente que embaça e desacredita, moralmente, os testamentos herdados.
Observamos os nomes destes cúmplices no silêncio e certificamos que traíram os antecedentes, sem os substituir ou sequer lhes suceder. Os contemporâneos de Torga eram: Aquilino, Tomaz de Figueiredo, Jorge de Sena, Nemésio, Pessoa, Pascoaes, Miguéis, Almada, Raul Brandão, João de Araújo Correia, Ferreira de Castro, Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, Domingos Monteiro, José Gomes Ferreira, Armindo Rodrigues, Eugénio de Andrade, Sophia, Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho, Abelaira, Mário Dionísio, Namora, José Cardoso Pires. Foram estes que, em diversos momentos, reafirmaram o perfil da pátria medular e cívica.
Em meados dos anos de 60, Jorge Amado, de visita a Portugal, encontrou-se com Ferreira de Castro, amigo de sempre. A RTP quis fixar o momento. Com altiva dignidade, Castro apostrofou: "A televisão, que ignorou Mestre Aquilino, não me filma, certamente, porque a proíbo!"
Esta gente era a minha e a nossa gente.
«DN» de 15 de Agosto de 2007

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1 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

Que falta faz hoje um Ferreira de Castro (bem como um Aquilino). Muito poucos (nenhum, provavelmente) teriam a "ousadia" de Ferreira de Castro.

16 de agosto de 2007 às 19:01  

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