25.8.07

UM BURACO NO CALENDÁRIO - Parte I

Por Carlos Fiolhais

ESTAMOS TÃO HABITUADOS a considerar o tempo como contínuo (semelhante a um rio que corre sempre, sem nunca se interromper) que a noção de buraco no tempo nos aparece como algo estranha. Mas houve, de facto, um “buraco no tempo” no século XVI. Bem, não que o tempo se tenha interrompido, tendo parado de fluir (com as pessoas, por exemplo, a deixar de envelhecer).
O que aconteceu foi um pouco mais prosaico, mas, apesar de tudo, muito raro: o calendário foi ajustado, tendo-lhe sido retirado dez dias, a saber de 5 a 14 de Outubro de 1582. Estes dias simplesmente não existiram, pelo que ao dia 4 de Outubro de 1582 sucedeu o dia 15 de Outubro do mesmo ano. Uma vez que a mudança foi determinada por uma bula papal, ela aconteceu por toda a Europa católica, sob a influência do papa, e, portanto, também em Portugal. Deve ter sido muito confuso...
Por que carga de água houve que mudar o calendário? O calendário em vigor na altura datava do tempo do líder romano Júlio César e estava manifestamente em desacordo com as observações astronómicas. É o céu que rege a marcação do nosso tempo na Terra. Ao olharmos os astros mais à nossa volta, verificamos regularidades segundo as quais construímos o calendário. Assim, o ano tem por origem o tempo que a Terra demora a dar uma volta completa em torno do Sol. O mês é aproximadamente o tempo que a Lua a dar uma volta completa em torno da Terra. Uma semana é aproximadamente o tempo que demora cada fase da Lua (quarto crescente, lua cheia, quarto minguante e lua nova). Um dia é o tempo que a Terra demorar a dar uma volta completa em torno do seu eixo. Se, por acaso, vivêssemos à volta de uma outra estrela e tivéssemos um outro satélite natural, as nossas unidades de tempo seriam naturalmente diferentes.
Ora acontece que o ano não contém exactamente 365 dias, isto é o tempo de translação da Terra não é um múltiplo inteiro do seu tempo de rotação. É por isso que possuímos anos bissextos, com um dia a mais no final de Fevereiro de quatro em quatro anos. Mas mesmo esse truque não chega para resolver o problema, pelo que alguns anos que deviam ser bissextos não o são, fazendo-se assim um outro pequeno ajuste do calendário à astronomia. O calendário juliano tinha desajustes (o calendário de Júlio César), pelo que a certa altura houve mesmo que o alterar. O papa Gregório XIII nomeou uma comissão de peritos para o aconselhar na mudança. Reunido o consenso dos especialistas, foi finalmente redigida a bula que “eclipsou” alguns dias do mês de Outubro. Escolheu-se Outubro, porque haveria nessa altura menos festividades religiosas: seria, por exemplo, um desconsolo para os crentes subtrair dias associados a santos importantes.
(Continua)
«DE RERUM NATURA», 17 de Agosto de 2007-[PH]

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Portanto, a dominação filipina durou menos 10 dias do que eu pensava...

25 de agosto de 2007 às 08:37  

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