30.9.07

ACONTECEU NO OESTE

Nuno Brederode Santos
AS SINUOSIDADES, as delongas e o desfecho do processo de Lisboa parecem ter-se confirmado como a gota de água que entornou Marques Mendes. Homem cem por cento do sistema, para o bem e o mal, ele esgotou-se na proclamação de princípios e valores que depois, na prática, geriu com cedências pragmáticas e conciliações de "realpolitik". Teve princípios para Isaltino e encolhas para Jardim. Mas nem sempre explicou bem os princípios e quase nunca conseguiu disfarçar as encolhas. Como aqui escrevi, ele hesitou, tergiversou, ousou e cedeu. Este caminho longo, de bússola incerta, fez-lhe perder o apoio activo de alguns dos seus melhores. E acabou pactuando a tolerância omissiva de um baronato que melhor se revê em Cavaco ou Barroso e que o aceitou só como gestor de conjunturas infelizes. O martirológio pessoal de Alexandre Relvas, depois de desafiado pelos adversários a dar a cara na campanha, foi a sua única (e inútil) paga. Não há felicidade nem brio que valham tal pacto.
MM não estaria a caminhar para o sucesso. E, nesse sentido, talvez tenha feito o PSD perder tempo. Mas, num horizonte maior do que o de 2009 em que só ele acreditava, trilhava "sentiers batus", terrenos bem conhecidos e, por isso, reformáveis. Assim tivesse sabido levar o institucionalismo às últimas consequências. Mas não foi capaz. E agora o PSD arrisca uma aventura que o fará plausivelmente perder ainda mais tempo e que - o que mais importa - causará os maiores atrasos e perturbações ao "aggiornamento", ainda incipiente, de um mais saudável protagonismo dos partidos nesta democracia.
Essa aventura tem o rosto de Menezes. Um homem que, perante as dificuldades de encontrar um discurso e uma via que recuperem o centro que Sócrates absorveu, promete, com estonteante leviandade, combater pela esquerda o "conservadorismo" do PS: pelo poder da rua e pelo investimento público. E como, nas grandes arrancadas para o poder, um político se define por quem mais cedo lhe deu a mão, não deixa de ser extraordinário que tão genuínos propósitos esquerdizantes se apoiem em Ângelo Correia, Arlindo de Carvalho, Mendes Bota, Martins da Cruz, Nuno Delerue e santanistas como Helena Lopes da Costa ou Rui Gomes da Silva (ou ainda Ribau Esteves, a revelação política da candidatura, que eu observei e anotei como uma das figuras salientes do posicionamento mais conservador no referendo ao aborto).
Mas na sexta-feira à noite, nas imagens do Sheraton, não se falava de ideias ou projectos. Era a vingança do pequeno cacique e a pressa das "bases" em regressar a um qualquer poder. Era a ânsia ilusória do mais fraco, do eterno enganado, em escolher os deputados e os autarcas, enquanto não pode "eleger" os seus ministros. Era a vertigem ingénua de castigar os notáveis, que cumprem oposição entre castiçais e alcatifas. Era a madrugada libertária de todas as aventuras despóticas, que tantas vezes o são apesar de tudo e todos, a começar pelo próprio déspota. Porque não é ele quem irá impedir as reconciliações. São os basismos que desenfreou. É verdade que, por vezes, o aventureiro enfrenta a sua própria aventura. Mas aí, quando perde, é devorado e, quando ganha, tem de se apoiar nos que venceu. Aos apressados, a vida faz-se pagar com tempo. Aos ambiciosos, com frustrações e desencanto.
Não vale a pena é começar logo a mudar o tom de muita da opinião publicada. Como é o caso de passar a ver, no que durante a campanha, era balbúrdia no Oeste, uma "afirmação de vitalidade partidária". Das urnas não emerge um critério de verdade, mas só de legitimidade. Dir-se-ia que há políticos e comentadores que receiam ter dito o que disseram. Não é caso para tanto. Até porque, a dois, quatro ou mais anos de vista, tudo isto dá mais chatice que tragédia. Não dá cisões, porque a experiência já mostrou serem depurações feitas por conta e iniciativa das próprias vítimas. E, mais contemplativamente, porque, adaptando a sabedoria popular, Deus nos livre do que o país aguenta.
«DN» de 30 de Setembro de 2007

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3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Santanista, a Helena Lopes da Costa !?
Mas o NBS conhece bem a HLC?
Jorge Oliveira

1 de outubro de 2007 às 14:32  
Anonymous Anónimo said...

Este homem só logra inspiração quando se ocupa da crítica do PSD, depois de, anos a fio, no Expresso, se ter especializado num único tema : Delenda Cavaco !

Afinal, acabou por ter de gramá-lo como PR. Parece que agora já o aceita melhor.

No entanto, sempre que ouve o termo PSD, lá vêm os reflexos condicionados que lhe desatam a verve e a língua.

Longa vida, apetece dizer, a este incansável cronista de uma só motivação !

Será que NBS nunca encontra nada para criticar nos putativos socialistas, travestidos de neo-liberais, especialistas em recomendar as virtudes do óleo de fígado de bacalhau aos portugueses enfastiados da modernidade socrática

1 de outubro de 2007 às 22:37  
Blogger António Viriato said...

Por lapso, não ficou identificado o comentário anterior. O seu a seu dono.

António Viriato_01-10-2007

1 de outubro de 2007 às 23:34  

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