29.9.07

Da Birmânia ao Irão

Por Rui Tavares
1. UMA ÚNICA VEZ NA VIDA conheci uma pessoa oriunda da Birmânia. Antes de ter fugido do seu país, tinha sido uma professora de inglês numa faculdade de engenharia de Rangun, a antiga capital. Após a repressão às manifestações pró-democráticas de 1988, em que a sua faculdade participou na linha da frente, regressara à sala de aula para a encontrar vazia. Os alunos que não tinham sido assassinados estavam quase todos presos ou desaparecidos.
Pouco se conhece da Birmânia actual. Os militares que governam o país mudaram-lhe o nome oficial para Myanmar, segundo a minha interlocutora por razões de superstição. Isto não é impossível: também recentemente a junta militar mudou a capital de lugar numa data considerada astrologicamente auspiciosa. Mas politicamente é também conveniente, como agora, estar longe dos grandes centros populacionais e da possibilidade de uma revolta.
Os birmaneses revoltaram-se nos últimos dias. As manifestações podem ser de dez mil pessoas, mas há quem fale em cem mil ou até três vezes mais do que isso. Os birmaneses estão sozinhos. Não aparecem na televisão nem pesam nas estratégias internacionais. Correm todos os riscos. Podem conquistar a democracia ou ser massacrados. A nós cabe-nos, pelo menos, não os esquecer. E aos nossos líderes cabe dar tudo por tudo, nestes dias, para que 1988 não se repita.
2. O SR.AHMADINEJAD foi a Nova Iorque e a possibilidade de que aceitasse o convite para falar na Universidade de Columbia causou escândalo entre políticos e opinadores. Na FoxNews, canal populista de direita, vi-os apoplécticos. Uma comentadora defendia que ele não deveria sequer poder ir à Assembleia Geral das Nações Unidas e, já que estamos nisto, as próprias Nações Unidas deveriam sair do território dos EUA. Uma visita do “homenzinho esquisito” ao lugar do atentado de 11 de Setembro, que acabou desmarcada, era nada menos que um insulto. E o convite da Universidade era a prova de que a esquerda em geral e os intelectuais em particular não passavam de traidores apostados em branquear o regime iraniano. No seu conjunto, estas reacções sugeriam uma desconfiança injustificada em relação ao discernimento do público.
Ontem foi o dia. Ao invés de branquear o regime, o reitor da Universidade criticou ferozmente a falta de liberdade no Irão e lembrou o nome de presos políticos. Ahmadinejad teve de responder a todas as perguntas directas sobre Israel, o Holocausto, as armas nucleares. Aguentou-se relativamente bem perante uma plateia difícil, até ao momento em que lhe perguntaram sobre a perseguição aos homossexuais. Empertigado, respondeu: “não há homossexuais no Irão, não temos esse problema, não sei quem lhe disse isso”. A plateia explodiu numa gargalhada e o homem viu-se ridicularizado.
Foi mais uma demonstração de algo que intrigava Montaigne, num dos seus ensaios: como as pessoas que se julgam importantes falam com mais à-vontade de guerras e mortos do que de corpos e sexo, que é coisa que toda a gente tem ou faz.
«Público» de 26 de Setembro de 2007 (extracto)-[PH]

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O que Ahmedinejad de facto disse:

Lost In Translation: Ahmadinejad And The Media

By Ali Quli Qarai

First I want to make some remarks about that now world-famous statement of President Ahmadinejad at Columbia: “We do not have homosexuals in Iran of the kind you have in your country.” The American media conveniently ignored the second, and crucial, part of his sentence as something redundant.

Francamente, até agora, apesar de muitas vezes não concordar com a sua opinião, sempre a ideia de que era uma pessoa rigorosa o que pelos vistos e tristemente, não corresponde à realidade.

É pena!

29 de setembro de 2007 às 23:18  
Anonymous Anónimo said...

Francamente, até agora, apesar de muitas vezes não concordar com a sua opinião, sempre TIVE a ideia de que era uma pessoa rigorosa o que pelos vistos e tristemente, não corresponde à realidade.

É pena!

29 de setembro de 2007 às 23:20  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Obrigado pelo seu comentário, que vai ser reencaminhado para o autor-convidado, Rui Tavares

30 de setembro de 2007 às 08:46  
Anonymous Anónimo said...

Myanmar é o nome adoptado em 1989, a partir da redução de seu nome (em birmanês, Pyidaungzu Myanma Naingngandaw, "União de Myanmar") e que é reconhecido pela ONU.

30 de setembro de 2007 às 10:47  

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