16.9.07

Quem tira também põe

Por Alice Vieira
CHEGO DE BRASÍLIA, ainda meio atordoada com aquela cidade (fora de qualquer conceito que se possa ter da palavra "cidade", mas isso fica para outra crónica), e leio nos jornais que passageiros portugueses que vinham da Venezuela foram acusados de transportar droga nas malas. Claro que, depois de algum tempo, verificou-se que não era bem isso, as etiquetas tinham sido trocadas, os bandidos eram outros.
Mas, até se chegar a essa conclusão, as pessoas foram incomodadas, a viagem atrasou-se, e acho que não deve ser agradável para ninguém passar por traficante de droga nem que seja por breves minutos. E, como toda a gente sabe, muitas vezes a inocência é difícil de provar. Não foi, desta vez, o caso - e ainda bem.
De cada vez que leio notícias semelhantes, lembro-me sempre da minha viagem até Caracas, há cerca de três anos.
Eu nunca tinha visto um aeroporto como aquele, pelo menos no dia em que eu cheguei, com as malas voando pelos ares e a atropelarem-se umas às outras, e funcionários no meio delas, erguendo-as nos braços, perguntando, aos berros, a quem pertenciam, e atirando-as a quem dissesse ser o dono.
Um perfeito número circense.
Era de noite, a viagem tinha sido longa, e se não fosse ter aparecido o sr. Daniel Morais (anjo da guarda de todos os portugueses na Venezuela, os quais, depois da sua morte recente, se devem sentir completamente órfãos), não sei como teria de lá saído.
Mas saí, cheguei ao hotel, e abri a mala.
Acho que devo ter ficado uns bons minutos de boca aberta, e sem saber o que fazer.
Porque a mala estava perfeitamente virada do avesso. Parecia que um tsunami tinha entrado por ela adentro (e logo eu, que me gabo de ser diplomada na arte de fazer malas). Os sacos dos artigos de higiene sem nada lá dentro, e champô, gel de banho, água-de-colónia, pasta de dentes, etc., misturados entre blusas e calças, as quais se encontravam convenientemente enrodilhadas pelo meio de livros e papelada.
O estojo das canetas também aberto - e das canetas nem rasto.
Uma caixa pequena onde costumo levar brincos e anéis (perdoar-me-ão estas vaidades femininas) também aberta - e dos brincos e anéis nem rasto.
Claro que era tudo bijutaria barata, mas não é isso que está em causa.
Se calhar devia ter feito qualquer coisa, mas não fiz, talvez porque o valor dos objectos roubados não o justificasse, talvez porque não queria chatices.
Mas o que mais me preocupou então (e agora) foi pensar que, assim como tinha havido alguém que mexera na minha mala e de lá retirara coisas - também podia ter havido alguém que mexesse na minha mala para lá deixar o que entendesse. Droga, por exemplo.
E como provar que não me pertencia?
Se me esforço sempre por viajar com pouca bagagem, a partir desse dia a mala que levo, seja para onde for, é suficientemente pequena para ficar ao meu lado na cabina.
«JN» de 16 de Setembro de 2007

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