4.10.07

A QUADRATURA DO CIRCO

O Estado inteligente
Por Pedro Barroso
FALTAM SEMPRE cem ou cinquenta metros. Por vezes, menos - vinte. Por problemas vários – ligados, em norma, com a definição administrativa dos limites concelhios – a estrada fica incompleta e o alcatroamento termina mesmo ali.
E lá ficam no tempo, rindo-se perdidamente, ambos os incompreensíveis e absurdos terminais; a vinte metros um do outro. E nós todos sem perceber porquê.
Na minha terra, recentemente, houve uma verba destinada a alcatrão que serviu para revestir a estrada no troço abandonado, esquecendo que o trajecto novo era já outro, devido à construção recente de um viaduto sobre a linha de comboio.
A velha e abandonada passagem de nível de má memória ficou divertidíssima a assistir ao erro cartográfico. Rindo-se por dentro, alcatroadinha de fresco. A volta de estrada que a substituiu, pelo contrário, ficou esperando pelo reconhecimento legal da sua atribulada existência, covas ao sol e à chuva, como pertence.
Assisti a inaugurações de piscinas que tiveram de ser partidas na semana seguinte, por perdas de água, marcação errada, azulejos imperfeitos, má construção, estoiro dos motores de filtragem, problemas na bomba, etc. A dos Olivais, de longínqua e indelével memoria para a minha infância, foi na altura emblema de modernidade do Estado Novo.
A inauguração teve direito a reportagem em directo na TV e tudo, se bem me lembro. Verificou-se mais tarde que não podia ser olímpica por um erro de 18 cm na largura!
Costumo dizer que me deram de presente de aniversário – pois ambas em Novembros simpáticos – uma auto-estrada do Norte (A1) e, três anos depois, uma outra (A23), passando na minha freguesia. Querido Estado, que agradável lembrança a vossa!
Mas o melhor viria agora, tão poucos anos depois, pois, com tão doutas e extraordinárias capacidades de programação, todos os viadutos estão a ser escrupulosamente destruídos. Verificou-se com espanto que, para alargamento em mais uma faixa, eram necessárias outras passagens superiores, com suportes mais afastados e novos viadutos.
Juntemos a isto, se tiverem a bondade:
*os novos faraónicos Estádios de futebol, convertidos em elefantes brancos que ninguém aceita;
*as enigmáticas estradas paralelas, duplicadas, desaguando em pontes que ainda estão em projecto, etc;
*o permanente tapa e destapa geral das obras públicas;
*a rectificação das bermas feitas no ano passado por, na altura, o orçamento não ter previsto passeios, que agora sim, um ano mais tarde, já foram aprovados;
*as obras de conservação de pontes que não contemplam a verificação cabal dos fundamentos e sopés;
*a construção desajustada de estádios, piscinas e pavilhões gimnodesportivos em locais onde estiolam e se degradam, sem frequência, nem utilidade, nem manutenção;
*o investimento em milionária pista sintética de Atletismo para competições internacionais indoor, aquando do Campeonato da Europa, retirada de imediato, e hoje a apodrecer em estaleiro, para que o mesmo Pavilhão possa albergar devidamente Tony Carreira e outros grandes eventos culturais;
*as pequenas e grandes obras locais que em meia dúzia de anos se têm de desfazer e refazer várias vezes; o gás, depois a água, depois a TV cabo, depois os esgotos…
*os restauros de edifícios públicos que tornam Santa Engrácia numa célere e frenética obra de reconstrução;
*o prometido e sempre datamente lembrado teleférico, bem como a requalificação geral para a Serra da Estrela, de que todos os anos se fala e nunca acontece;
*o arranjo final do Metro do Tejo – com o histórico Cais das Colunas à espera;
*a recuperação do incêndio do Palácio da Ajuda, que parece ter começado pelas casas de banho, mas infelizmente parou;
*a estafada e tão necessária ponte Belém-Trafaria, o TGV, o mirífico Aeroporto Ota-Alcochete, que tanto avultam e falados são nos media quando a política está parada e é preciso avançar com uma promessa de vulto;
* todos os canis camarários provisórios que esperam há trinta anos por um novo espaço;
*o adiado alargamento eficaz e articulado de hospitais a rebentar pelas costuras;
*a inauguração adiada de serviços de hemodiálise em alguns hospitais, com tudo pronto e a funcionar, à espera, provavelmente, de ano de eleições;
*a eficaz utilização da tão proclamadamente protegida energia solar e eólica, que tantos parques tem - com todo o equipamento instalado - e sem funcionarem ou com tão pouca rentabilidade real;
*o gasto estúpido de papel em derramas e coimas de alguns cêntimos, numa prolixa e absurda máquina fiscal que persegue um euro ao cidadão cumpridor meramente atrasado – e desculpa um milhão ao tubarão capitalista efectivamente evasivo.
Estou cansado, fico por aqui.
Marquês de Pombal, volta. Tudo perdoado.
Deste modo o Estado tem de ter graves brechas financeiras. Que admiração.
Qualquer Empresa que fosse – gerida assim – abriria falência em três meses, com toda a naturalidade! Se cada um de nós gerisse a sua família, a sua vida, a sua casa, as suas compras, os seus gastos deste modo, ficaria, muito em breve, ou suicida ou preso.
Daí o ultra famoso Deficit orçamental e tanto esforço a cada ano para o controlar.
E tanta carga fiscal. E tanto descontentamento.
Por isso – por uma gestão caótica e desequilibrada que não respeita nem entende a diferença entre essencial e acessório – o Estado mantém Palácios a cair, monumentos às escuras, urbanismos pindéricos, um povo inculto, escolas com falta de material, hospitais carentes, tribunais exíguos, bombeiros insatisfeitos, a nossa Cultura faminta e muitas das estradas afinal ainda com buracos.
E gosta pouco que o interroguem sobre tudo isto.
Pudera. A organização de prioridades é um caos. Logo, um negócio escuro, opaco.
Os gestores também não nos dão a sensação de estarem lá para serem competentes. Se falharem, circularão apenas para outro lado. E o jogo dos lugares torna-se uma dança de vaidades. Nada mais.
Timidamente, falou-se há um tempo que os Presidentes de Municípios passariam a ter o seu número de mandatos limitados, para que deixassem de ser pequenos sobas locais, prolongando vícios e alastrando influências. Mas, de súbito, tudo ficou calado.
O país dorme? Não sei; mas parece vegetar.
Subitamente – ao ler um anúncio no Mensageiro de Alter, imagine-se!... – Descubro a explicação para tudo isto. O equilíbrio perfeito!
Firma funerária Calado & Calado. Passe a publicidade, claro.
Que enorme achado! Eis a solução para tudo!
Com efeito, ao que parece, um sócio é Calado. O outro também. E o cliente ainda mais!
Que é assim que vamos ficar um dia, já o sabemos.
Mas será assim que queremos viver?

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3 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

O título é um contrasenso, pois o Estado é, por definição, pouco inteligente.

5 de outubro de 2007 às 21:45  
Anonymous Anónimo said...

Pois. É isso mesmo. A incompetência no seu melhor. Se fossem obrigados a pagar os prejuízos que causam, eu queria ver como era. Mas quem paga somos nós...

6 de outubro de 2007 às 17:10  
Anonymous Anónimo said...

caro amigo R. da Cunha

Pois,...precisamente! Releve-se a sua inteligência. Foi exactamente o que se pretendeu dizer, com ironia...
O texto parece-me suficientemente irónico e explicativo para que não haja confusões.
Obrigado pela sua leitura,
P B

8 de outubro de 2007 às 13:46  

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