9.11.07

A QUADRATURA DO CIRCO

Por Pedro Barroso
Carta aberta
ao Exmo. Sr. Eng.º Jardim Gonçalves


Eminência,

Peço desculpa por não ter respondido há mais tempo às suas simpáticas missivas e extensos relatórios e orçamentos, mas tenho andado ocupado a ganhar a vida e nem sempre disponho de tempo e disposição para lhe responder como Vª Ex.ª merecia.
Com efeito, a imagem de simpatia e simplicidade que emana de si é uma prova inequívoca de um prolongado e sincero trajecto de cristandade e de devoção ao próximo.
Por outro lado, a instituição que Vossência construiu – e projectou como ninguém na galáxia interbancária – é digna de relevo e encómios e tornou-se paradigma bastante da sua humildade, generosidade, amor aos pobres, visão de futuro e funda competência.
Sou, com efeito, seu cliente há mais de quarenta anos, não exactamente seu, mas de todos os banqueiros, de todas as nostálgicas e saudosas instituições que, desde o velho e pequeno Lisboa & Açores, me fizeram partir o mealheiro de menino e descobrir as secretas e sempre magras alegrias do aforro bancário.
Vim a desaguar mais tarde no também já saudoso e austero BCP no seu severo estilo cinzento e tristonho, onde se contavam os sorrisos como espadas e as mulheres haviam desaparecido por insondáveis mistérios da Criação.
É sabido - quando o juro de depósitos desceu em pouco tempo, vertiginosamente de 12 % para uns discretos 5% - que novos tempos de estratégia bancária se avizinhavam. Foram momentos que todos os aforradores recordam, em que tudo o que representava dividendo se converteu graciosamente em dívida, num sempre criativo exercício de desenrasca nacional em que é sabido sermos todos experts por nascimento e lusitana conformação. Houve também, salvo erro em 87, um crash bolsista total.
Momentos de pânico para o grande, pequeno, médio ou ridículo capitalista, como eu.
A culpa nunca poderia ser sua mas, como sabemos, de uma conjuntura amarga e difícil. Muitas noites de insónia para os banqueiros honestos e preocupados como V. Exª e, seguramente, muito sofrimento e contenção pessoal.
E assim, em poucos anos, do imperturbado ranking financeiro de outrora, tempos começavam de loucura imprevisível, baixo rendimento, concorrência acesa, enfim, ímpias emergências de uma nova banca ambiciosa.
Mas nisso… oh como Vossência tem sido mestre! Como sabe dar e tornar a baralhar cartas! Todos o sabemos e estamos-lhe pessoalmente agradecidos.
Olímpico e frio? Não! Apenas extremoso e imaginoso gestor de bens alheios.
Aliás, sempre segui com grande atenção os seus sucessivos flops e êxitos, vividos com a camisola de uma instituição que há tanto tempo vesti, e à qual há tanto tempo devo a prestimosa guarda de meus parcos haveres.
É como tal, que vou sofrendo com os desaires e vibrando com as vitórias.
Menos lucros e maus resultados por problemas de definição societários!?
Mas que importa isso face ao êxito do exercício do Millennium na Polónia?
Tenho, com efeito, sentido momentos de desânimo e embaraço, quando os amigos, no café - habituados a uma linguagem futebolística - puxam por mim para que eu explique tudo.
Os resultados semanais, o preço exorbitante dos novos equipamentos, as Opa’s hostis, as junções, o mau perder, as destituições, as outorgas e perdas sucessivas de confiança, as zangas internas da Opus Dei, as nomeações apressadas, os ganhos e perdas em Bolsa, os desfalques perdoados à família e respectivas e putativas reposições, o mal-estar generalizado nas sedes e balcões.
E interpretam tudo comparativamente, como se fossem lesões de jogadores-chave do plantel, chicotadas psicológicas, mudanças de treinador, favorecimentos suspeitos, maus resultados, corrupção de arbitragens.
Os marotos não deixam escapar nada, e eu, sinceramente, já não sei como lhes responder. Pedia, portanto, face a tão difícil fidelidade, a atenção de Vossência para o seguinte:
De produtos que Vossência me tem retidos, tento há seis meses resolver um problemazito de dinheiros sem o conseguir. Para ajudar um filho, comprar uma junta de bois, mudar de casa ou pôr um apartamento em nome da minha manicura, não interessa. Talvez, até, para guardar a massa no colchão, hábito antigo e nem sempre seguro, mas que me dá mais ou menos os mesmos juros que neste momento Vª Ex.ª me oferece.
Em vão tento falar com o gerente da agência onde depositava capitais e confiança. O homem, descorçoado, desautorizado, perplexo com as guerras das altas esferas e sem instruções, nem para resolver a compra de tapetes para o rato, não sabe o que me dizer. E, evasivamente, está sempre ou em escrituras, ou em reuniões várias, ou em férias, ou doente. Aqui para nós se eu fosse empregado do seu Banco também andava muito doente.
Os produtos que Vª Ex.ª nos impingiu durante anos feneceram, estiolaram e tornaram-se obsoletos. O banco que Vª Ex.ª nos dá hoje, é uma sombra da Instituição inatacável que já foi.
Não seguramente por má fé!... - Como poderia eu ousar dizer tamanha grosseria de um homem de Deus? - Será por distracção? Falta de arejamento? Má focalização? Hibridez técnica? Distanciamento dos clientes? Erros de cálculo?
Com efeito, constata-se que, entretidos nas guerras intestinas, nos restylings, nas definições de prioridades estratégicas, nas querelas internas entre alas moderadoras e taxas moderadoras, envoltos nas árduas lutas por opas hostis e assembleias de accionistas desavindos, os clientes começaram a ficar inexoravelmente para trás, longe do amor primeiro, da cativante simpatia no engajamento e da lisura e transparência de produtos financeiros e tratamento exclusivo que tanto nos distinguia e satisfazia.
O nosso dinheiro está assim simplesmente mal parado, assistindo ao ultrapassar diário de resultados superiores da concorrência. E nós só por inércia o aturamos.
Se eu um dia, talvez no muito longínquo ano de 2013, quiser ver, finalmente, a cor do meu dinheirinho que lhe emprestei, poderei então morrer feliz. Enfim, descansado e em paz. Totus felices. Isto faz-se?
Talvez já então a minha conta esteja perlada de sotaque espanhol, após uma junção qualquer com um parceiro igualmente esmoler e generoso, genuína e filantropicamente interessado no estado financeiro da classe média portuguesa.
Será decerto, nessa altura, demasiado tarde para discutir o assunto consigo, pois, mesmo que ainda andemos por aí, já não teremos discernimento, nem ouvidos, para perceber o que cada um de nós diga, mesmo gritando muito alto.
Portanto, já agora, não conseguirá por acaso Vossência mexer uns cordelinhos para eu ficar descansado mais cedo e com maiores proventos? Um milhãozito esquecido ou perdoado já dava jeito... Ora isso para si são trocos. Veja lá… Como vê, nem sequer quero exagerar.
Não demoro mais a sua atenção, mas já que tantas vezes adivinhei o mau curso e navegação errática deste Banco de minha especial devoção e funda estima, acho que deve ter sido até hoje Vª Ex.ª muito mal aconselhado por farisaicas e ímpias criaturas infiltradas, que apenas o rodearam para o explorarem e indicarem os caminhos do mal e da ignomínia.
E que apenas se benziam para o seduzir. Vade retro.
Por isso, se - em vez destes relatórios e cartas áridas e sem sentido, contendo razoados técnicos envolventes e prolixos, e as outras, sempre deprimentes sobre a minha situação financeira – Vª Ex.ª tiver a bondade de me oferecer, num prodigioso sopro de abertura e clarividência, o convite para Administrador do ainda seu inefável e carismático Banco, eu terei todo o gosto em anuir e tornar-me um seu fiel servidor, para o resto da vida.
Decerto com mais fervor clubista, fé grenat, amor contratual, saber de vida feito, conhecimento das dificuldades dos clientes, criatividade e canina fidelidade do que jamais teve da parte de nenhum outro colaborador.
E, já agora, se me permite a imodéstia, a expressar-se num português um pouco melhor do que o Berardo, francamente.
Se for preciso, até passarei a usar fato, ir à missa e a pôr gravata. Pense nisso.
Fico orando, ao seu dispor, atentamente, fiel e obrigado,
Agnus dei qui tollis pecata mundi misere nobis.
Caramba! Nada mais verdadeiro!

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3 Comments:

Blogger Pedro Tomás said...

Este texto está absolutamente genial!

Quer pela forma, quer pelo conteúdo.

Um abraço

9 de novembro de 2007 às 11:45  
Blogger fado alexandrino. said...

Li um bocadinho do texto.
Parece-me que o engenheiro Jardim Gonçalves nunca pediu ao escriba para abrir lá conta e muito menos lhe apontou um revólver para o fazer.
Se nada lhe pediu nada lhe deve.
Porque cargas de água o escriba acha que o engenheiro lhe deve seja o que for.
Vou aguarda sentado pela resposta.

9 de novembro de 2007 às 18:28  
Blogger R. da Cunha said...

Como diria o inefável Thomaz (que Deus haja), só tenho um adjectivo para qualificar o texto:gostei!
PS - Também comprou acções do BCP com financiamento do mesmo? Se sim, lamento por si.

10 de novembro de 2007 às 01:19  

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