A meio do rio
Nuno Brederode Santos
INFORME-SE E ENDOIDECE. Atente bem nos jornais, oiça a rádio, veja a televisão. Viva uma típica semana do pós-presidência europeia. Foi assim em 1992 e em 2000. Mas, por muito que alguns para isso alertassem desde finais de 2005, ninguém parece querer lembrar-se. Tudo parece novo e é vivido ao minuto. Às oposições, isso serve para que tudo pareça ser do seu mérito. E o Governo também não se dá por achado, para não dar parte fraca. O império do minuto instalou-se e não se consegue ver o dia, o mês, o ano. A conjuntura, que é a dos três quartos de uma legislatura, parece um matagal cerrado: vista de cima, as copas das árvores abraçam-se e não deixam ver o terreno; vista do chão, os olhos esbarram nos troncos, quase sobrepostos, das primeiras árvores e a informação não é maior.
Um esforço de serenidade e atenção requer, por isso, um outro, que é o de tentarmos uma distância que ninguém tem. Mas não vou deixar de tentar (talvez até para o comprovar).
Esta legislatura pode apresentar o quê?
Em primeiro lugar, lidou com uma prioridade que não é cara aos cidadãos, mas que, no quadro de um projecto europeu, é a mãe de todas elas: a contenção do défice. Objecta-se que tal assentou em receitas como a subida em flecha do encaixe fiscal, mais do que numa redução duradoura da despesa pública. Mas é um facto, do qual, aliás, nenhum dos governos anteriores se aproximou sequer. E um facto que dá, à economia real, um tempo suplementar de reacção. É certo que, se este não vier a acontecer na dose bastante, pode vir a comprometer o esforço todo. Mas também o é a necessidade de se abrir tal oportunidade.
Em segundo lugar, reformou-se a Segurança Social. E entre os optimistas, que acreditam que ela aí está, assegurando o que é possível do modelo social europeu por mais cem anos, e os pessimistas, que dizem que terá de haver nova reforma no prazo de trinta anos, a verdade é que, tal como estávamos, ela não durava quinze. E, o que é mais, reformou-se sem as retroactividades a que recorreram vários países europeus e nos moldes de um automatismo que imuniza o cidadão das flutuações humorais do poder político.
Fez-se depois, no plano institucional, uma boa reforma do Parlamento. Uma reforma difícil, porque exigia uma maioria absoluta que quisesse pensar mais no regime do que em si mesma ou a boa vontade simultânea dos dois maiores partidos - e nenhum destes requisitos alguma vez se verificou. Agora o partido maioritário resolveu abdicar das suas vantagens imediatas e pensar um pouco em termos do futuro de todos. A frenética animação que se instalou na Assembleia tem tudo a ver com isto.
E, finalmente, cumpriu-se a contento a presidência portuguesa da UE. Sendo que, mesmo os adversários da nossa presença nela, nunca advogaram que dela nos libertássemos por indecente e má figura.
Pelos critérios quase contabilísticos com que o próximo futuro avalia as legislaturas, nem era preciso tanto para que esta - que ainda vai a pouco mais de meio - estivesse justificada.
E aqui chegados, a pergunta é: por quê, então, os protestos: na rua, no interior, nas corporações? É só défice de informação, que é a tese preferida de todos os Governos? Penso que não. Creio que houve uma deficiente avaliação das congénitas resistências à mudança e um excesso nas promessas (em que toda a oposição incorre). Há reformas que pedem já os sacrifícios mas ainda patinam, porque não eram compagináveis com o esforço de combate ao défice, não eram possíveis antes dele ou a par dele. Há medidas de mero apoio a esse combate que são dissimuladas em reformas. Há uma tendência nefasta para seguir a ideia do menino holandês: se tirar o dedo do buraco na parede do dique, todo o país é inundado.
Agora era o bom momento para mostrar ao país tudo isto. O que está feito; e o que está atrasado e porquê. As razões de alguns erros cometidos e as daqueles que necessariamente ainda se irão cometer. Recriando com o País a quase cumplicidade que ele já ofereceu e que agora, mais do que nunca, exige.
Creio que o desenvolvimento do que aqui escrevi é a melhor fórmula para se escrever um texto que não agrade a ninguém.
«DN» de 13 de Janeiro de 2008
Etiquetas: NBS
5 Comments:
"O país cai, o pessimismo dos portugueses cresce e a economia está praticamente em coma. O ano de 2008 vai ser mau e, provavelmente, péssimo..."
Público
Vasco Pulido Valente
"Infelizmente, parece que os homens em geral e os portugueses em particular não são como os animais. Não aprendem."
Púlico
António Barreto
" Informe-se e endoidece..."
DN
Nuno Brederode Santos
Eu estou mais com o Nuno. Aceitar a dose de intoxicação que o Vasco e o António nos andam a lançar é o caminho mais curto para a doidice.
A crónica de António Barreto (de hoje, no Público) será aqui afixada amanhã cedo.
As políticas de esta legislatura vistas do lado dos Miseráveis, dos Tornados Miseráveis e dos Excluídos, são MISERÁVEIS!
Vistas do lado dos Eduardos Pittas dos Grandes Luxos Restaurantivos e Intelectuais e dos Nunos Brederode Santos do Não-Hostilizemos-o-Sr-Sócrates-Coitado, pessoas com o distanciamento crítico de não terem distanciamento crítico nenhum com amigalhaços na berlinda, são apenas formidáveis nos passos em frente acabados de enunciar.
O Tom das Políticas não lhes interessa. O lado Plástico e Oco-Propagandístico e activamente desconsiderador das Pessoas Comuns não lhes interessa: é a frieza das Reformas. Eu até concordo que em três anos se agiu mais a fundo que em quinze anos de Cavaco e Guterres, e isso, no sentido do rigor embora com algum déficit enganoso, foi bom, mas os diagnósticos de António Barreto e de Vasco Pulido Valente ajudam a compor TODO O QUADRO da gritante Altivez Afiada, Servida a Sádico do PM e de muitos dos seus Ministros, e a paspalhice atitudinal e cívica dos portugueses em face desses que, neste momento, os Governam. É junto ao solo que se vê melhor. Quem pretender pairar sobre a copa da árvores cerradas de esta floresta ficará contente por afinal haver floresta e não quererá reparar nos Troncos Sofredores que vamos sendo.
Estou mais com o António Barreto e com o Vasco Pulido Valente e com o Baptista-Bastos: é preciso contundir a crassa passividade dos cidadãos portugueses e puxar o Manto Absolutista ao Absoluto Sócrates. É preciso fazer muito mais que apenas essas Análises Frias, indiferentes às vítimas incandescentes de essas chamadas Reformas.
Abraço
PALAVROSSAVRVS REX
Tudo bem, mas o Verão está a acabar e é preciso ver se os frutos vingaram e se são comestíveis.
Estivesse o PSD no governo e tivesse feito estas duas chicuelinas, a do referendo e a do aeroporto, não tenho a menor dúvida de que Nuno Brederode Santos estaria a encher páginas sobre o assunto, a desancar o PSD.
É por isso que insisto em dizer que NBS não faz outra coisa senão fretes ao governo do seu partido.
Sinceramente, não aprecio opiniões condicionadas. É que sendo condicionadas, não são verdadeiras opiniões.
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