Visto da margem
Por Nuno Brederode Santos
NADA TENHO CONTRA UM MUNDO de heróis e vilões, desde que ao homem comum, que me prezo de ser, esteja reservado um espaço livre, onde a virtude e o vício possam, em humana pequenez, viver juntas a sua essencial fraternidade. É prosaico, eu sei. Falta-lhe o tiro do canhão, o grito, o sangue, o martírio e a paixão que treslouca e cega. Mas é um cantinho confortável em que os dias se sucedem e vão dando as mãos uns aos outros. E não recusa as grandes áreas épicas para os cósmicos confrontos que anjos e demónios se comprazem a travar.
Vem isto ao caso quando Luís Filipe Menezes, Ribau Esteves e uma agência de comunicação deram notícia ao nosso pequeno mundo de que esta última iria aconselhar, a título permanente, o PSD e o seu grupo parlamentar, com atribuição de espaços e presenças fixas na Assembleia. Logo Santana Lopes - que, apesar de uma argúcia intuitiva e táctica, ainda experimentou a chefia de um governo durante cinco meses, antes de entrar em gestão - esclareceu publicamente que isso estava "out of the question", porque cabe "à política o que é da política". No Parlamento, não haverá qualquer espaço físico para tal aconselhamento e a agência só é bem-vinda como arquivista e documentalista - coisas que naturalmente a dita agência, melindrada, recusou, acrescentando que, daí em diante, só Ribau Esteves falaria do assunto. Mas este disse também que não falaria, nem agora nem de futuro, de tais "intimidades" partidárias. Claro que tudo se saldou em declarações recíprocas de Menezes e Santana, segundo as quais - e como diria o grande metafísico da Vestefália - "tudo corre pelo melhor no melhor dos mundos possíveis". Mas isso não chegou para dissimular o incidente, nem penso que tal fosse a intenção de todas as partes envolvidas.
Sem qualquer juízo moralista, que me parece totalmente descabido, o que sucede é que Menezes quis recuperar o terreno perdido para Santana. Necessitando, ou julgando necessitar, dos votos dele na guerra contra Marques Mendes, Menezes cedeu-lhe a liderança do grupo parlamentar, que, como o CDS de Ribeiro e Castro demonstrara, é a mais formidável cidadela armada de quem quiser enfrentar um líder que não é deputado. Logo então quis desvalorizar esse entendimento, mas Santana baptizou-o de "acordo de colaboração institucional" (o que só seria megalómano se os factos não estivessem a dar-lhe cada vez mais razão).
Daí que, a pretexto de uma esdrúxula "modernidade" que parece excitá-los por igual, Menezes tenha concebido uma jogada de recuperação. Mandar em Santana (e nos seus deputados), supostamente através de uma agência profissional, a qual, porém, seria tutelada por Ribau. A ideia, afinal simples, era reafirmar o secretário-geral - até ver, seu homem de confiança - como número dois do partido e cavar uma trincheira entre ele e o líder parlamentar. Talvez ela nem fosse má em si mesma, e quer Ribau quer a agência entusiasmaram-se como adolescentes. Mas Santana viu o lobo. Ele sabe que não é o grupo parlamentar que paga os tais conselhos. E que, para lhe aconselharem gravatas, talvez Mário Soares, mas não Ribau. E, enfim, que entre quem se sujeitou ao voto - qualquer voto - e quem o pretende substituir por saberes que medram à porta fechada, a escolha está feita: deputados, políticos e cidadãos, todos preferem a claridade, por frágil que seja, à obscuridade, onde a manipulação faz o seu ninho. Não tinha que enganar. A Menezes, a Ribau e à agência só restava gerir os cacos e a debandada. Santana sabia, de ciência certa e vida consumida, que, uma vez trazido o caso a público, ele seria vencedor em toda a linha. E foi.
Escusado será dizer que não há aqui qualquer escolha. Menezes e Santana representam, no essencial, o mesmo: um PSD que só pode ter futuro em condições que nem ele, nem o regime podem prever ou controlar; um PSD aventureiro e berlusconiano, com uma ideia vaga das instituições; um partido ressabiado e vingativo para com alguns dos seus que o país respeita; e uma tribo que se galvaniza no propósito de vingar memórias e matar fantasmas exclusivamente seus. Ao amigo que me perguntou se, no caso, eu não "estava com Santana", continuo a dizer: "A cem por cento. O que não tem - nem para mim, quanto mais para os outros... - a mais pequena importância."
«DN» de 27 de Janeiro de 2008
Etiquetas: NBS
2 Comments:
Este tema das "agências de comunicação" é também abordado por António Barreto no seu «Retrato da Semana», no «Público» de hoje.
Como habitualmente, será aqui afixado.
Chama-se, no entanto, a atenção para o seguinte:
Essas crónicas de A.B. que, até agora, têm sido afixadas no SORUMBÁTICO apenas às segundas-feiras, passarão a estar disponíveis aos domingos à noite.
achei o blog bastante interessante...
gostaria também de recomendar este:
http://designinteligente.blogspot.com/
abraços
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