26.1.08

Wonderland

Por Antunes Ferreira
O PORTO RESPIROU, ALIVIADO. E continua a respirar na paz do Senhor. Sossegou. O Porto, cidade, e o Porto PC. Explico, para que não se manifestem dúvidas, solicitando a uns quantos que desafivelem os sorrisos ínvios e insidiosos que já tinham afixado nas respectivas faces. A Soeiro Pereira Gomes ficou muda e queda – impassível. Impossível? Nada. O País, curioso e cusco, interrogou-se através de um enigmático porquê. Com direito a pontos de interrogação e exclamação geminados.
Esse hausto simultaneamente portuense e portista tem uma explicação. Simples. Na terça-feira o futebolista internacional português Ricardo Quaresma renovou até 2011 o contrato com os tripeiros. Tudo em pratos limpos – até ver. O ilustre cidadão de etnia cigana – sem qualquer intuito discriminatório, muito menos xenófobo – declarou-se muito contente com o facto e até aproveitou a ocasião para confessar que existia um carinho mútuo entre si e o clube.
Quaresma que tinha sido assobiado faz hoje oito dias no estádio do Dragão, exigira no final da partida com o Desportivo das Aves o fim desse tipo de apupos sonoros e disse que os adeptos tinham pesadelos com ele. Isso deixou nos espíritos uma dúvida atroz: teria ele avisado da possibilidade de deixar o clube no final da temporada?
Tudo parece ter terminado em bem. Parece, sublinha-se, que nisto dos futebois o que é hoje pelas dez horas da matina é branco, pelo almoço, à uma da tarde, é negro e ao lanche é cinzento. E, muito possivelmente, à janta já é castanho camurça.
Se extrapolar ainda é permitido, deixem que vos diga que já não vou nessas andanças. Um homem, chiça, tem o direito de mudar de opinião. Parafraseando a terminologia do hemiciclo, na generalidade e na especialidade. Com o Orçamento do Estado também assim acontece e – para além de disso não vir mal ao Mundo, na generalidade, para os Portugueses pode ser uma porra, na especialidade.
Não subsistam dúvidas. Nós somos assim, enxertados em corno de cabra, são mais de oitocentos anos acumulados de disse-que-disse-mas-não-disse. Já dizia o romano Sertório, depois de se ter transferido (não é sabido por quanto) para os lusitanos – vá lá entender-se esta gente. Não se governa, nem se deixa governar.
São muitos séculos a blindar tal maneira de ser. De dúvidas estão Portugal e a sua História cheios. De respostas miraculosas, também. Veja-se o caso do malfadado aeroporto. Antes, na Ota. Críticas quase absolutas. Agora em Alcochete. Críticas a roçar igualmente o absoluto.
Os deputados, não contentes com o tema obnóxio, decidiram ouvir o Presidente do LNEC que, em primeira mão, os informou (e igualmente os jornalistas) que entregara o essencial das conclusões do relatório sobre a aerogare muitos dias antes da decisão anunciada por José Sócrates.
Como se já não bastasse andar a Lusitânia inteira a glosar o jamais do Mário Lino – que virou jamé para o pessoal – e a gozar, concomitantemente o impagável ministro, vem agora à colação mais uma falta (há quem diga mentira) em que o Governo se deixou apanhar.
Querem mais? O bacalhau, perdão, o BCP/Millennium com todos, desde o Eng. Gonçalves que foi para o jardim carpir as mágoas, até ao Dr. Constâncio que devia ter feito e não fez, melhor, que o que fez de manhã era bem diferente do que afirmou na antecâmara de um cozido à portuguesa – e por aí fora. Pelo menos Oposição dixit.
E a queima dos resíduos sólidos? E o encerramento das Urgências hospitalares? E as acrobacias do Dr. Menezes e do Dr. Portas? E o punho cerrado (com c, acentuo) do Sr. Jerónimo de Sousa? E o exibicionismo do Dr. Louçã? E o Bragaparques? E o caso Casa Pia? E, e, e?
O Sr. Lewis Caroll – se tivesse atempadamente conhecido este cantinho à beira-mar plantado – poderia muito bem ter colocado aqui a Alice, o Coelho Branco, o Gato Risonho, o Chapeleiro Maluco ou a Rainha de Copas. Esta é, sem dúvida, a Wonderland, e com muita pinta. Bué de fixe, como dizem os meus netos.
Por isso, o episódio da estrela Quaresma teve tanta importância. Ou, mais precisamente, lhe deram tanta importância. Os romanos afirmavam, convictos, que de minimis non curat praetor. Bem enganados estavam. Tantas coisas boas nos deixaram e, neste particular, foi o porta-aviões ao fundo. Por cá, os pretores cada vez mais tratam das coisas menores. E com uma agravante: o Governo, qualquer que seja, é sempre mau, péssimo, por isso vá de o tratar de escacha pessegueiro.
Ainda assim, ninguém lhe apontou o dedo, culpando-o das declarações aparentemente contraditórias de Ricardo Quaresma. Ou da renovação do contrato, assinada pelo Sr. Jorge Nuno. Ou da distância quilométrica que os Dragões já levam sobre os seus perseguidores (?) na Liga.
Ponha-se a pau, Sr. Sócrates. Desta nossa gente, de nós, há que esperar tudo. Um destes dias, mal se precata, e o seu Executivo poderá passar a… Executado. E sem direito a indemnização, por alegada justa causa, muito menos a pensão de reforma... Bem ao contrário do que se passou com o Sr. Teixeira Pinto. Peanuts.

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2 Comments:

Blogger cadeiradopoder said...

Todos os Governos cometem erros, convém é ver se os erros são demasiados ou demasiado ostensivos para continuarem como Governo.
No caso do Quaresma, bem, aí tinhamos 6 milhões de tipos para fazer dessas declarações uma novela, por isso...

26 de janeiro de 2008 às 11:19  
Blogger Vitor Andrade said...

Excelente visão.

O problema já não é de agora ou de ontem, já vem da época dos reis!!

Enfim!!

Cumprimentos

27 de janeiro de 2008 às 16:05  

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