13.4.08

Albarde-se o burro

Por Nuno Brederode Santos
SE O BURRO VELHO não se deixa albardar, o cigano vende o burro e a albarda em separado. E, como que filosofando, diz ao comprador surpreendido: "Albarde-se o burro à vontade do dono."
Só mesmo no PREC se viu tanta direita sem abrigo. Sem partido onde se acolher. Quem lê jornais, toma a bica, vai às compras e tem colegas, na escola ou no trabalho, já sabe, ou já sentiu, isto mesmo. Presumo que também quem vai ao futebol, onde a maioria dos meus amigos, fiéis à Segunda Circular, vai dar alpista ao masoquismo. Há uma visão do mundo, uma sensibilidade e uma consciência de interesses que situam muita gente na direita. Gente má e gente boa, porque não há virtude em estado puro. Mas não há partido que lhe dê expressão política ou via de acesso à vocação de poder.
O CDS refugia-se num somatório casuístico de aspirações corporativas ou sectoriais (partido da "família", dos "contribuintes", da "lavoura", dos "idosos", dos "feirantes") e, para melhor se assegurar de que ninguém lhe adivinha qualquer futuro político autónomo, proclama-se de centro e centro-esquerda (mesmo que os neoliberais de Pires de Lima disponham, por acto régio, do alvará de "tendência"). Mataram César com medo do Império e entronizaram, eles próprios, um Imperador.
O PSD meteu a proa no maelström dos improvisos. O leme já não comanda a rota. Fala para o cosmos, para o mundo, para a História, como se os portugueses de hoje veraneassem em tais sítios. A cada sondagem - aquelas coisas que, ainda em Março, demonstravam "consistentemente" como a barca já "cheirava a poder" - a desorientação é maior. As mesmas ideias vão e vêm, tendo apenas o cuidado de ir mudar de nome e de roupa. É o caso dos "roteiros", as voltas do chefe pelo País, baptizadas em imitação das de Cavaco e concebidas para ofuscar aquelas com que o líder parlamentar queria ofuscar o chefe. É o caso da "nova Constituição", um propósito reafirmado para apaziguar a condicionalidade crescente do apoio de Jardim. O PSD local terá gostado. Mas o PSD nacional não consegue explicar no continente o que fazer com os limites materiais de revisão da actual Constituição, nem como vai arranjar os dois terços de votos no Parlamento (a menos que já não queira só ganhar, nem só a maioria absoluta, mas aponte, sim, para a homérica cabazada de obter 67% dos votos nas legislativas). O pior, contudo, é isto ser dito a uma semana da visita à Madeira do Presidente da República, ou seja, de quem foi investido pelo voto popular na obrigação de defender a que temos. E é sobretudo o caso da nova versão do que fazer com os impostos: é a "harmonização fiscal" (a "quase (?) indexação") com a Espanha. Já que, como tantos outros Estados, transferimos para a União as políticas monetária e cambial, o melhor agora é transferir para Espanha a política fiscal. Eles que decidam, que nós vamos atrás. Isto acena com a descida do IVA, mas esconde (ou, o que é pior, esquece) a subida do IRS e do IRC. Mas, pior ainda: os leigos - que seremos quase todos, mas esmagamos os especialistas em qualquer votação universal - presumem que a política fiscal seja um instrumento que se vai acertando à medida dos ditames da política económica. Portanto, a Espanha tem, ou tenta ter, a que melhor serve a sua economia. E questiona-se: como é que a política fiscal concebida para a (até há pouco) pujante economia espanhola serve agora tão bem a ainda frágil economia portuguesa? E se o Estado é para "desmantelar" em seis meses (primeira versão, em princípios de Março) ou para reduzir à sua função reguladora, conservando apenas uma intervenção nas "funções de soberania", que seriam os negócios estrangeiros, a defesa, a justiça e a segurança interna (nova versão, em princípios de Abril), então por que bulas iremos ter uma carga fiscal decalcada da de um Estado que continua a pagar ensino e saúde públicas? Nenhum marketing resguarda quem quer que seja de tão contumaz ligeireza. Nenhum povo, na Europa de hoje, regressa à tribo e à multidão para correr atrás de acrobatas verbais e saltimbancos do pequeno écran.
Essa direita inorgânica e órfã, que passeia as suas penas rua-abaixo, rua-acima, vai ter de se decidir. Ou compra o burro como está, e albarda-o à sua vontade, ou parte para outra.
«DN» de 13 Abr 08

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1 Comments:

Blogger Jorge Oliveira said...

"Há uma visão do mundo, uma sensibilidade e uma consciência de interesses que situam muita gente na direita".

Explique lá o que é isso. Ou pensa que basta uma tirada dessas para arrumar as pessoas em prateleirinhas? De facto, arrumar os adversários na "prateleira" é o que o PS melhor sabe fazer.

Os (pseudo) intelectuais de esquerda, gente de grande coragem na língua e na caneta, mas pouca nos punhos (tirando o Jorge Coelho que agora os abandona, mas esse também não era reconhecido como um grande intelectual) estão habituados a debitar o seu discurso ideológico vazio sem contestação, talvez porque pensem que os outros são uns "palermas", como bramava o Ferro Rodrigues na Assembleia da República. Mas há palermas que os topam.

14 de abril de 2008 às 08:22  

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