6.4.08

As gincanas do destino

Por Nuno Brederode Santos
DEBATER SOBRE A QUALIDADE da Democracia numa democracia com reconhecida qualidade é dar vida ao sonho de qualquer Governo. É sujeitar, não o Governo, mas todos os descontentes e até - por que não? - os agravados, a um exercício de consciência e de memória que redunda, não em revolta mobilizadora, mas no sorriso triste de quem sonhou demais e num olhar terno sobre a cabeça dos filhos que vão crescendo. Já nem me refiro, com isto, ao efeito das sondagens, que, como qualquer agastado proclama, "valem o que valem". De facto, o debate arranca a frio, com a ruidosa tremura de um motor diesel, sob o efeito de um "barómetro" que só afirma o que já todos sentimos: o PS sofre os efeitos da usura de governar para além da mera gestão (pouco mais de um ponto percentual), mas o PSD desce mais e é a oposição de esquerda que beneficia das descidas. Grita ao fantasma da ditadura que nunca credibilizou e ao qual, por isso mesmo, só são sensíveis os velhos, aqueles que bem sabem que, se ouvem gritos contra ela, é porque ela já cá não está para os impedir. Para trás, ficam cem mil que protestam na rua em Lisboa, mais uma miríade de pequenos incidentes quotidianos - coisas que a vida faz e que a CGTP e o PCP sabem pôr em cena.
O (actual) PSD quer aproveitar todos e, com isso, acaba desvalorizando todos. Cavalga ondas que não previu e não gerou. Solidariza-se com quem não pode senão recusar-lhe a solidariedade (mesmo que ao preço de pedir aos dirigentes do PCP que não passem do umbral do Hotel Vitória). Desorienta um apoio social que acredita na insuficiência do anticomunismo do PS e aceitou melhor as mocas de Rio Maior. Subestima - por desespero, e não por cálculo - o "Deus nos livre do que a gente aguenta" e acredita que a cor certa na gravata, mais o efeito Carla Bruni, se conjugados com uma presença obsessiva na televisão, uns fotogramas de matraquilhos num "bairro problemático" e umas visitas à terceira idade, facturam votos a granel. É o efeito placebo a ganhar esporas, quando o cavalo nunca foi ouvido.
Neste contexto, a actualização do ranking (internacional) da democracia portuguesa pelo DN, numa peça de João Pedro Henriques, seria um puro exercício de crueldade, se o não pudéssemos tomar como mera informação útil, à margem das conjunturas. Saber que nos classificam em 19.º lugar num mundo de quase duzentos Estados e acima da média na UE a 27, que olìmpicamente impera na tabela mundial, é um antidepressivo reconfortante. E é-o pelo absurdo e pelo excesso das interpelações do PSD. Porque há problemas em democracia. O que eles não são é problemas inerentes à democracia. A Suécia, primeira classificada (europeia, mas também mundial), tem de explicar a Lapónia. A Holanda, a servidão dos imigrantes. A Austrália, a periferia litoral da maior ilha do mundo, como é a vida em Alice Springs, a única cidade continental e interior de algum relevo. Só que aí as oposições denunciam os problemas e avançam soluções. Não escondem a falta delas por detrás da gritaria de que "a ditadura está de volta", dirigida a um povo a quem não disseram, na altura própria, que vivíamos nela. Claro que quem sabe disso já morreu, ou vai morrendo. Mas os avós não acabam sem contar aos netos como foi.
Sei do quanto isto pode desgostar Luís Filipe Menezes. Mas só merece a História quem a faz. Não quem a conta, nem quem posa para ela. O favor de um "paparazzo" não substitui o impacte de uma reforma social. A ambição de um político deve, de resto, começar por deixar marca no quotidiano do seu povo. Depois, ganha asas e cresce. Mas os grandes destinos obedecem aos princípios, sempre algo aleatórios, da oportunidade e do contexto: De Gaulle, Roosevelt e Churchill, à boleia de uma Guerra Mundial. Mendès France merecia? Julgo que sim, mas foi curta a oportunidade. Adlai Stevenson? Provavelmente, mas perdeu as eleições do Partido Democrático. Olof Palme? Deslumbrou o mundo, ao preço de virar o eleitorado contra si. Gro Harlem Bruntland? Faltou-lhe talvez país.
Enquanto a felicidade só puder ser medida pelo cotejo do que conseguimos perante o que projectámos, boa parte dela vai do bom senso que pusemos a projectar. A vida ensina, a gente aprende. Quem não aprende cai fora. É justo? Talvez não. Mas é assim. E, não sei porquê, mas acredito que, se alguém o vier a mudar, será com certeza quem não tiver interesse nisso.
«DN» de 6 Abr 08

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

SALTO NO CONHECIDO

(Alberto Gonçalves, em "Dias Contados", no "DN" de hoje)

A Entidade Reguladora apurou que a RTP, tutelada pelo Governo, dedica uma extraordinária quantidade de tempo ao Governo (56,23% na secção política dos "telejornais"). O facto de haver sempre ingénuos disponíveis para se espantar com estas ninharias podia ser discutido no Prós e Contras, subordinado ao tema "Os (Recorrentes) Descobrimentos Portugueses".

Um dos intrépidos descobridores é o dr. Menezes, que viaja imenso e se queixa de que o "seu" PSD é maltratado pela informação da RTP (uns pífios 17%). O dr. Menezes queixa-se de barriga cheia. Se existe uma remotíssima hipótese de um dia alcançar o poder (e, dados os imponderáveis do mundo, existe), a obscuridade é o único método viável.

Por inerência do cargo e estilo pessoal, na estação pública o eng. Sócrates não sairá de antena até Outubro de 2009. Na medida em que há "fundos" para generosamente distribuir e "desígnios" para repetidamente anunciar, o facto favorece-o perante os que acreditam no Paraíso (a maioria) e prejudica-o junto dos que duvidam.

Já o dr. Menezes não está sujeito a tais oscilações. Logo que ele ou algum elemento da sua notável corte surgem no televisor, o resultado é: 1) uma frase que faz as pequenas manchetes e as grandes anedotas do dia seguinte; 2) uma calamidade garantida.

Houve um período em que o dr. Menezes pareceu notar os efeitos que suscita e atenuou a exposição pública. Foi, tragicamente, um período breve. Devido a péssimos conselheiros ou masoquismo, o homem que se define como um "salto no desconhecido" e lamenta que os críticos não o conheçam (sobretudo no que respeita às viagens), decidiu dar-se a conhecer. Agora, para cúmulo, através de fins-de-semana na província, a "ouvir Portugal" e traçar "um diagnóstico ao país profundo". Naturalmente, a queda do PSD nas sondagens não promete parar.

É verdade que os "média" não dão a melhor "imagem" do dr. Menezes. Excepto os media que, à semelhança da RTP, quase não dão "imagem" nenhuma. Se gostasse um bocadinho de si mesmo, o dr. Menezes devia atacar os canais privados. Se gostasse muito de si mesmo, o dr. Menezes devia aproveitar a inclinação viajante, sumir para um daqueles desertos longínquos que tanto aprecia e regressar, de mansinho, na véspera das eleições.

O país profundo, embora desertificado, não basta: aí, além de ouvir Portugal, o dr. Menezes ainda se arrisca a que Portugal o ouça a ele.

6 de abril de 2008 às 11:52  

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