8.6.08

Depois da festa

Por Nuno Brederode Santos
ESCREVEMOS SOBRE O QUE NOS INTERESSA, o que calha e apetece. Mas nenhum de nós se livra da sua pequena contingência pessoal, feita de afectos, memórias e cultura (e já agora, não querendo ofender ninguém, de uma boa dose de acaso). O que a mim interessa, calha e apetece é admitir que me tomou de assalto a guerra interna do PSD, que condiciona muito mais o nosso futuro colectivo do que a esquerda gosta de reconhecer.
.. Uma espécie de pudor pragmático tolheu-me e cingiu-me a mais não dizer do que muito recear uma solução baseada nas candidaturas tentadas de Luís Filipe Menezes e Alberto João Jardim ou na candidatura falhada de Santana Lopes. Mas guardei algum recato - que até nem é fácil de explicar racionalmente - quanto às de Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho, por entender que ambas se propunham fazer o jogo do regime que escolhemos.
.. Agora, que o PSD de direito disse nas urnas da sua vontade, não vejo que mal vem ao mundo em admitir a posição pessoal que (res)guardei. Pareceu-me ser Passos Coelho potencialmente o melhor candidato e Manuela Ferreira Leite a encarnar a melhor candidatura. Ele, por procurar com desassombro a afirmação pessoal no nicho de um ideário neoliberal que, nem por trazer coerência teórica, gozou de alguma oportunidade num país sem essa tradição e onde tudo se joga no empenho, no apoio e no subsídio do Estado. Mas ele também, ao entendê-lo, abriu as portas a compromissos nada lineares com tudo o que era o aparelho de Menezes e aos seus ressentimentos para com Santana Lopes. Tornou assim mais turvo o que era claro - mesmo se, com juras não desmentidas, recusou contrapartidas ou promessas. Ela, porque, ao impor um deserto de concessões, pode ter feito passar, de contrabando, um deserto de ideias e convicções. E, ao impor um zero de memória pessoal, tentou impor um zero à memória colectiva. Mas não se duvida de que quis e quer jogar as regras do jogo que o país sufragou, nas instâncias e na altura próprias.
.. Globalmente, não fiquei nada insatisfeito. MFL ganhou - de acordo com todas as regras que o próprio partido entendeu serem bastantes para o juízo dos militantes (e que tornam ininvocáveis, a partir de dentro as considerações sobre uma maioria absoluta, que pressupunha uma segunda volta). E Passos Coelho propôs a aliança que a origem da sua candidatura exigia, mas que eventuais e indesejáveis compromissos teriam impedido. Assim se projecta uma maioria de que só Santana Lopes se poderia ter demarcado (e demarcou).
.. Nada disto impede, porém, que nos interroguemos sobre o que aí vem. Já nem falo de Santana, que, nem por ser - demonstradamente, na prática e comprovadamente, nas urnas - um péssimo candidato a primeiro-ministro, deixa de ser um notável guerrilheiro político: a trapalhada, de ressaibos cavalheirescos, que ele montou a propósito da data da eleição da nova direcção parlamentar aí está a exibi-lo. Falo, sim, de alguns candidatos tardios à partilha dos despojos da vitória, que, acolhidos na boleia de Passos Coelho, querem, com ela, fazer impor os seus pontos de vista. Valha o exemplo do presidente do PSD/Porto, Marco António Costa, que já vai dizendo, a propósito da oposição de MFL à regionalização: "Nunca dou o primeiro tiro" - ideia simpática - "mas também não recuo nas obrigações que assumi perante os militantes". E, de caminho, lembrou que, "no distrito do Porto, dois larguíssimos terços dos militantes não se reconheceram na candidatura da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, nem sufragaram a sua estratégia". Para ele, a legitimidade regional que encarna sobrepõe-se à de MFL, que é - meramente - nacional. Contudo, sobre a mesma regionalização, ele recusa a ideia de Santana Lopes e do PSD algarvio de começar pela criação de uma região-piloto no Algarve. Porque, aqui, na courela alheia, já a lógica e a legitimidade são nacionais, e não regionais.
.. Talvez na aliança, que se projecta, entre Passos Coelho e Ferreira Leite, caiba a ele varrer, entre outras, esta testada. Mas, se o não fizer, cabe a ela. Porque, caso contrário, não haverá tão cedo liderança nacional, nem credibilidade, nem perspectivas de alternância. Aceitem tudo e todos no caldeirão da grande concórdia e estará lançada a contagem descendente para a próxima crise.
.. Os anglo-saxónicos dizem que "one man's meat is another man's poison" (mais ou menos, o que, para um homem, é carne, para outro é veneno). A serpente Ouroboros supera isto, mordendo, com o seu veneno, a cauda que liberta o seu antídoto. Só que, assim, Ouroboros não se mexe. E, sem mexer, não há partido que vingue.
«DN» de 8 de Junho de 2008

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1 Comments:

Blogger touaki said...

Pelo exemplo dado anteriormente - a propósito de Meneses (lider eleito democraticamente e com toda a legitimidade para levar o partido às eleições de 2009), todo e qualquer miulitante tem o direito de contestar MFL e de lhe sabotar o trabalho, quanto mais não seja colocando as "setas" do símbolo do PSD para baixo!

8 de junho de 2008 às 19:06  

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