7.6.08

Em busca da unidade perdida

Por Antunes Ferreira
ORA PRONTO. O povo laranja já tem novo líder, que, afinal é nova, ainda que já de certa idade. Manuela Ferreira Leite inaugura, assim, um edifício político que é muito maior do que a sede na Rua de São Caetano: é a primeira cabeça feminina à frente, não apenas do PSD, mas dos partidos políticos neste Portugal dos Pequenitos.
.. Chega ao poder com uma vantagem diminuta. Os três candidatos a sério (Patinha Antão não era, como nunca foi, nada) dividiram os votos por três e ficaram à beirinha uns dos outros. O que é lá com os militantes, ninguém tem nada com isso no que concerne à vida do partido. Ninguém, está visto, do restante pessoal – que é muito.
.. Toda a gente, incluindo a nova Presidente(a?) começou a apelar à unidade. Realmente era um partido – partido. Mas, apelos são uma coisa, unidade é outra. Se calhar as diferenças que vão de uns votantes aos outros são difíceis de ultrapassar. Mas, repete-se, esse é um problema (ou vários) que diz respeito aos militantes das três setas.
.. O diabo está sempre atrás da porta. Mal as vozes unionistas se acabavam de ouvir e logo um dos derrotados decidiu romper hostilidades. Adivinhava-se que seria Pedro Santana Lopes que se fartara de andar por aí. Avançou logo com a sua demissão de chefe do Grupo Parlamentar e apontou para eleições à queima-roupa.
.. Ferreira Leite não gostou. Lá para os finais deste mês vai acontecer o Congresso em Guimarães, quiçá na esperança que Afonso Henriques ajude, a golpes de montante, a chegarem os filiados à tão propalada unidade. Que, para o caso, já muitos dizem ser a união possível. Mau, Manuela. Assim, as coisas começam menos bem, para não dizer mesmo bastante mal.
.. A chefiar um Governo já este nosso País teve uma Senhora: a engenheira Lourdes Pintasilgo. Recorde-se que foi uma iniciativa presidencial, pois António Ramalho Eanes foi o detonador da situação. Ou seja, antes das hostes partidárias, já as tropas governamentais detinham o exclusivo da originalidade.
.. Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo, de seu nome completo, nascera em
Abrantes, a 18 de Janeiro de 1930 e viria a falecer em Lisboa, no dia 10 de Julho de 2004, e foi engenheira e dirigente política portuguesa. Para além do facto de ter sido a primeira Primeira-Ministra, pois chefiou o V Governo Constitucional, foi também a segunda mulher Primeiro-Ministro em toda a Europa, a seguir a Margaret Thatcher.
.. Era uma mulher de profundas convicções católicas, pendendo para a esquerda. Presidira à Juventude Universitária Católica Feminina entre 1952 e 1956, e foi dirigente da Pax Romana — Movimento Internacional dos Estudantes Católicos entre 1956 e 1958. Daí que tenha publicado algumas obras referentes ao papel da Igreja Católica na sociedade e ao papel das mulheres na vida política e pública.
.. No chamado «Estado Novo» tinha sido procuradora à Câmara Corporativa entre 1965 e 1974. Mas, logo após o 25 de Abril, integrou os II e III Governos Provisórios, como Ministra dos Assuntos Sociais. Foi ainda embaixadora na UNESCO e deputada, do Partido Socialista, ao Parlamento Europeu, em 1987. Seria, ainda, candidata a Presidente da República Portuguesa em 1986, ano em que fundou o Movimento para o Aprofundamento da Democracia.
.. Teve o escriba um bom relacionamento com a engenheira Pintasilgo, com quem manteve largas conversas em diversas ocasiões. Tenho a certeza de que nos dávamos muito bem, apesar de ela me criticar o facto de ter sido católico e ter abandonado. Foi para a acirrar que passei a utilizar a expressão «fui católico, mas curei-me».
.. Temos agora a doutora Manuela Ferreira Leite. Com o fardo de ter sido já ministra das Finanças e ministra da Educação, onde os resultados não foram por aí além brilhantes. Em busca da unidade – ou do tempo perdido? O Marcel Proust que me perdoe, mas entendo esta expressão correcta, como sempre entendi, desde que li À la Recherche du Temp Perdu, em sete volumes, como é sabido, obra escrita entre 1908/1909 e 1922 e publicada de 1913 a 1927. Era, então, menino e moço, só que ninguém me levara da casa dos meus pais.
.. De acordo com o que saiu a público, Santana Lopes já terá abdicado dos seus propósitos quanto às eleições no Grupo Parlamentar. Não se sabe se a decisão do enfant terrible será mais para lamentar. Tudo o que se seguirá, antevê-se complicadote para o já citado povo laranja. Dois galos e uma galinha para o mesmo poleiro é uma inflação acima do Pacto da União, esta Europeia.
.. Mais a mais, quando o povo luso se preocupa, a partir de hoje, com o percurso dos «nossos» no Europeu na Áustria e na Suíça. Que até mesmo para os laranjas tem carradas de interesse e importância magna. Face a isto, doutora Manuela, não há nada que resista. Unidade sim – mas em torno da equipa do Felipão, do Ronaldo e dos outros. Viva, portanto, a unidade! Na generalidade, já que na especialidade são outros quinhentos mil réis, como dizia o Victor da Cunha Rego.

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3 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

O NETO DE MANUELA FERREIRA LEITE

Por João Miguel Tavares («DN» de 3 Jun 08)

NÃO PERCEBO porque é que toda a gente anda para aí a dizer que os 38% de votos que Manuela Ferreira Leite obteve nas eleições para líder do PSD são curtos, senão mesmo "insuficientes". Curtos? Insuficientes? A mim parece-me extraordinário que 17.342 pessoas tenham decidido votar na mais contrariada das candidatas contrariadas desde que os gregos inventaram a democracia. Se tivermos em conta a falta de empenho da senhora na campanha, a falta de jeito nos debates e o cultivo até ao extremo da pose que-chatice-estava-eu-aqui-tão-sossegada-a-ver-a-novela-e-agora-tenho-de-ir-mandar-no-PSD, Manuela Ferreira Leite saiu-se muitíssimo bem. E se no futuro as suas filhas deixarem de lhe dar netos em plena campanha eleitoral, talvez ela consiga realmente interessar-se pelo País e fazer dele a sua prioridade.

Eu gosto de Manuela Ferreira Leite, OK? Se eu fosse militante do PSD era certamente nela que teria votado. E pelo andar da carruagem nacional, é cada vez mais provável que seja nela que eu vou votar em 2009. Mas o seu alegado "desinteresse" pelo cargo, cujo cume foi atingido pela história do nascimento do neto, destrambelha-me a pituitária. É muito comovente uma avó largar tudo para ir a Londres fazer cutchi-cutchi numas bochechas ainda por estrear. Mas o que eu espero de uma candidata a primeiro-ministro de Portugal é a capacidade de colocar o País à frente da família. Com certeza que o último dia de campanha de umas eleições do PSD não é propriamente um grande assunto de Estado, mas é toda a rábula - incluindo a versão "olhem que se calhar não posso ir ao debate" - que torna a coisa tão irritante. Porque não se trata apenas de um fait-divers: o alegado desinteresse pessoal de Ferreira Leite é mais uma derivação cavaquista do homem (neste caso, da mulher) providencial, que estava ali pela Figueira a rodar o carro e ficou uma década a mandar no País. Não porque lhe apetecesse - que horror! -, mas porque teve de ser.

Ora, Cavacos já temos dois: um em Belém e outro, mais desbotado, em São Bento. Não precisamos de um terceiro à frente do PSD. Manuela Ferreira Leite tem um caminho duríssimo pela frente, desde logo porque um partido que volta a dar 30% ao desvairado Santana Lopes e produz um líder como Luís Filipe Menezes, que até na altura do adeus se limita a destilar ódios e ressabiamentos, não pode estar bom da cabeça. E para fazer face a isto é preciso uma genuína vontade de pôr senso na moleirinha dos indígenas e algum prazer em fazer política. Se os portugueses sentirem que Manuela Ferreira Leite tem tanto desejo de liderar a oposição como Amy Winehouse teve de subir ao palco do Rock in Rio, então ela não irá longe. Manuela Ferreira Leite ganhou. Está de parabéns. Se ela mostrasse, já não digo um sorriso, que seria muita loucura, mas um mínimo de contentamento, a honra não lhe caía na lama e eu dormiria bastante mais descansado.

7 de junho de 2008 às 13:03  
Blogger Jorge Oliveira said...

Da Engª Lurdes Pintassilgo, o que mais recordo é aquele servicinho que ela prestou ao Mário Soares, quando concorreu às presidencias para retirar votos ao Salgado Zenha.
Com o clã Soares não há coincidências nem acasos. Se não fosse a oportuna candidatura da senhora, quem passava à segunda volta era o Zenha e não o Soares.
É importante ter estas coisas presentes para se entender a política à portuguesa.

7 de junho de 2008 às 15:16  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

De L. Pintassilgo lembro-me só que acabou com a portagem na Ponte de Vila Franca...

7 de junho de 2008 às 15:21  

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