Futebóis…
Por Pedro Barroso
A SELECÇÃO COMPORTA-SE BEM, até ver, no chão que conhece. Com bola e relva por baixo dos pés, os rapazes dançam bem. Com mais ou menos sorte no remate que o turco falhou e o checo não apontou ao sítio, a coisa vai. E o país exulta, como compete.
Mas o que estranho aqui, é que o patriotismo da selecção seja de etiologia tão controversa e pedagogia tão medíocre.
Além de Babel de uma lusitanidade precária e oportunista, com o hino aprendido à pressa e os naturais desejos de evidência no melhor mercado, a família parece unida. Não sou contra a naturalização, mas gostava de a ver acompanhada por processo, ainda que sumário, de “evangelização e conhecimento”. Não sou contra o futebol, mas gostava de o ver nas mãos de um dirigismo diferente. Não sou contra os estágios de trabalho mas sou contra o desaproveitamento de oportunidades de fazer um trabalho inteligente.
Aqui o futebol, ao que parece, mais coisa menos coisa, andará sempre à volta da mesma credulidade, em estrutura, planificação e intervenientes. O eterno sistema do sistema.
Ora é precisamente aí que não perdoo. Pois esbarro com um muro de crenças radicadas no mais profundo cretinismo. E ao ver integradas no preparo geral da selecção algumas cenas felinescas de folclore de mau gosto, não resisto, como sempre, a denunciar o velho país bimbo no seu melhor.
Com recurso a bruxaria, benzeduras, cabeças de alho, pai de santo, imagens de Santo Esposito, Nossas Senhoras várias, rezas compulsivas no balneário; visitas do Tony Carreira e do Quim Barreiros, talvez para contar umas anedotas; lições de História pátria por Nel Monteiro e Roberto Leal. Making of Ronaldo com canções da mana Ronalda, o Scolari a fazer compras de fruta, treinos em directo, secretismo qb e tal…uma pessoa não resiste.
Caramba. Que plêiade de formadores. Assim, obrigado, fica-se com uma vontade imediata de representar o país, ou mesmo de ser português em curso acelerado.
Afinal, a prédica técnico-táctica do velho Cabrita, estilo “até os comemos!” é tão sincrética, redutora, imbecil mas provavelmente tão eficaz como o discurso mata mata de Scolari. Bom psicólogo para mato rasteiro.
Porque pressupõe que o profissional de futebol continue eternamente imbecil, o que, por acaso, felizmente, começa a não ser verdade. E deve provocar profundo riso interior, em certos casos, nalguns intervenientes. E constituir matéria de rejeição liminar de tão tosca formação sócio-cultural em tais estágios de baixo extracto, acrescentaria eu.
Saberão todos eles a fundo dessa cena de jogar a bola. Ainda bem.
Mas a esfera armilar, saberão o que é? Afonso Henriques? E aquela coisa dos egrégios avós? De certeza!? E os tais que deram por nome de Magriços? Bem… não é por nada. É que com cursos de Cultura portuguesa à responsabilidade de tão doutos formadores…
E depois há ainda a adulação pátria de extracto primitivo, com uso da bandeira para coleira de cão, fralda de burro, nariz de palhaço, capacete com cornos, castelos e quinas. Todos juntos, todos felizes, todos iguais.
Este é o lado da aberração que me divorcia da selecção e de todo um mundo do futebol que afinal movimenta tanto milhão e se comporta como o último aluno da 1ª classe no casal da Curraleira já não se comportaria.
Figo, Rui Costa, Fernando Gomes e outros ilustres protagonistas que nos ouçam.
Gente de bola com classe, educação, charme e discurso; que os há. Poucos, mas há. E que intervenham, por favor, para que este nível de actividades de estágio suba um pouco. E para que toda a entourage ganhe com isso.
Porque estará por cá o futebol associado a tamanho despautério, tão diminuto e descuidado gabarito na sua componente sócio-cultural?
Sei que o pessoal quer é que eles ganhem, nem que desafinem o Hino como bodes velhos à porta do matadouro e desconheçam qualquer soneto de Camões. Não estão lá para isso.
Mas vejo, desconfiado, o ambiente de uma selecção onde Roberto Leal representa uma referência e entra, pomposo, como ícone idolatrado, no estágio de Viseu, para uma noite de elevado convívio cultural. Há gostos para tudo, eu sei.
Se eu o tentasse fazer, ficava à porta, de certeza. Nada mais justo.
Porque, realmente, para lhes falar do amor pátrio, iria recuar ao Viriato, ao Condado Portucalense, etc, e viria por aí fora…
Ou seja, só iria provocar confusão naquela gente...
Mas faria assim tanto mal aos pés um pouco mais de cabeça?
Etiquetas: PB
8 Comments:
Falha o alvo caro Pedro. Isso nada tem a ver com o futebol. O problema é bem mais profundo que isso. Procure lá 23 pessoas ao acaso, com idades comrpeendidas entre os 19 e os 32 (acho que são essas as idades dos jogadores da selecção), com um máximo de 12º ano de escolaridade (se tanto, tal como os jogadores) e peça-lhes para dizerem quem foi Viriato, que dá o "nome" aos jogadores que estão por terras helvéticas.
Vai ver que o resultado não será muito diferente.
Este comentário foi removido pelo autor.
O problema é que são "estes 23" (e não outros) que são apresentados (a nós e ao mundo) como os representantes da Pátria!
Aliás, nunca são referidos como «A equipa de futebol de Portugal» mas sim como «Portugal».
Nesse aspecto, e vendo bem (como diz JSA), são a imagem de uma boa parte do país...
Este comentário foi removido pelo autor.
Há valores que acredito que no passado existiram mas, que actualmente estão perdidos.
Se reparar, quando falam em Cristiano Ronaldo, os portugueses não referem o seu passado de intensivo treino futebolístico e medíocre desempenho escolar. É como se Cristiano Ronaldo tivesse nascido ontem, nescido com um «dom». Há uma espécie de divinização oca de este e outros jogadores de futebol e outros tantos indivíduos.
Pergunto-me. Se o futebol tivesse um reconhecimento social de actividade cultural, será que os estádios de futebol enchiam com facilidade? Na verdade o futebol é apreciado por personalidades com nivel cultural elevado, mas isso poucos relembram, como se por vezes preferissem escoandê-lo. Talvez o futebol seja encarado como aprte da cultura popular e não como um verdadeiro desporto ao nível da maioria dos outros. E dacultura popular o povo português orgulha-se.
Assino por baixo este artigo.
Não sei se conhecem aquela rubrica na RTP, que agora tem programa próprio às terças, que se chama TeleRural. Humor saloio, com piada, que relata as novidades ficticias de uma terra também ficticia, chamada Curral de Moinas.
Pois esta selecção de Portugal parece isso mesmo, uma caricaturização saloia de um Pais, de uma nação. O problama é que neste caso a caricaturização está muito próxima, próxima de mais diria, daquilo que é a realidade!
EXCELENTE !
@jsa - aumente o nível académico do grupo etário que definiu para: licenciados, mestres e até doutores e verá que os resultados não são muito diferentes.
Pelo menos no último jogo, contra a Rep. Checa, ouvi o hino cantado pelos jogadores assim:
"Oh patria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós
Que hão-de guiar-te à vitória! "
Talvez tenha sido apenas lapso do jogador que estava mais perto do microfone mas convém saber que é a " ... a Voz ... que há-de guiar-te à vitória... "
Enviar um comentário
<< Home