10 de Junho
Por C. Barroco Esperança
SABE-SE QUE A PÁTRIA está crivada de dívidas para com os seus benfeitores, filantropos ávidos de veneras, cachaços à espera do aconchego de um colar, peitos insuflados para aguentarem o impacto da medalha.
Os agraciados estão em minoria. Há muitos a quem nunca a venera lhes baterá no peito, que não possuem títulos académicos, militares, eclesiásticos ou nobiliárquicos, meros Pereiras, Silvas, Videiras ou Oliveiras, sem brasão que lhes orne a porta ou laço de banda de um qualquer colar para exibirem na lapela em festas de comendadores.
Gostaria de ver o ar dos agraciados e a forma eficiente como os embrulham, com maior esmero do que meninas de ourivesaria a atarem caixinhas de alianças aos noivos, mas o que dói é a manutenção da simbologia, até na terminologia xenófoba, da data da morte de Camões, de quem devia celebrar-se a vida já que do nascimento ninguém sabe.
O 10 de Junho é um dia que me recorda o passado sombrio da ditadura, as mulheres de negro a receberem medalhas pelos filhos ou maridos mortos, crianças amestradas, a portarem-se bem, ao pé de Américo Tomás, para perceberem que deviam estar gratas pela orfandade que as atingira.
A liturgia mantém-se no Portugal de Abril, com o presidente livremente eleito a repetir gestos de antigamente num palanque onde sobem atentos e veneradores os agraciados com ar de quem vai cobrar a renda da casa ou os juros de prestamista.
Não simpatizo com a data, apesar do amor ao poeta e aos dez cantos d’ Os Lusíadas. Nesse dia não vejo televisão nem oiço rádio. Recuso-me a ver cerimónias do passado em playback.
Prefiro esquecer o épico cosmopolita que a ditadura ajustou à exaltação de uma suposta raça, quiçá ideia de panegiristas de má raça que adulavam o ditador e acabo por redimir-me na leitura do lírico:
.......Sôbolos rios que vão
...... por Babilónia, me achei,
...... Onde sentado chorei
...... as lembranças de Sião
...... e quanto nela passei.
...... Ali, o rio corrente
...... de meus olhos foi manado,
...... e, tudo bem comparado,
...... Babilónia ao mal presente,
...... Sião ao tempo passado.
Etiquetas: CBE
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